sábado, 15 de fevereiro de 2014

Fazer para crer


“Mas que tudo seja sempre em primeiro lugar, serviço: trabalho de e para Deus.(...) E que a seus olhos humanos se mostra nesta aparente não-utilidade, como canto escondido, fechando-se sobre si mesmo, no seu segredo; e durante um tempo indeterminado; em toda a esperança, esperando uma segunda revelação: a que será feita, ou melhor, dada, a nós próprios, os homens. Como segunda vinda do Verbo. Será preciso que a obra se faça sempre na fé. Como espera do Século a chegar.”

Dalila Pereira da Costa “Encontro na Noite”, Edições Lello & Irmão, 1973, pág. 114

 

Deambulam os desempregados numa espécie de inércia encostada a restos de subsídios, deambulam pelas cidades e deixam-se adormecer. Outros, fogem na diáspora genética. Outros arrastam-se em serviços desvocacionados.

Àqueles que partem, que levem consigo o todo que é Portugal, nessas viagens, que são sempre caravelas-laboratórios, onde, parte se afadiga e a outra parte guarda em oração a sua casa, a sua família, ou a terra que ficou por lavrar...

Àqueles que se arrastam nesta sociedade numérica, de dígitos de artifícios encantatórios mas com data marcada para desilusões, que não esqueçam o que amam... e que no extremo do cansaço, ainda bordem, ainda cultivem a horta, ainda sejam os engenheiros dos vossos próprio carros... ainda o façam, num espaço mínimo da existência, que se cumpram para o que nascem escutando a voz do coração que nos diz da Alegria de completar o que sai de nós. Alegria secreta, tendente ao alto, e que nos dá a surpresa de nós mesmos como recompensa do Ser.

Àqueles que deambulam, que se descubram o possível nesses passeios que deixaram de ser apressados e que nos deixam, nesse tempo morto, olhar a montra, olhar os edifícios, as pessoas, as ruas, num prazer lento... mas que outro lado seu, perscrute a vocação, e tudo faça, mesmo no silêncio de uma poesia que se fecha numa gaveta, mesmo numa arte que se pratica, mesmo num voluntariado que vos exalta, mesmo na crítica que vos assola, mesmo em noites escuras de dúvidas, feitas para ser esclarecidas quando olham as vossas mãos e desejam ardentemente, aquilo para que o vosso coração tende, e que vos preenche, e vos dá a Alegria, mesmo que passageira, da obra, ou parte dela feita.

Aos que passam fome. Bem aos que passam fome. Fome a sério. Que se indignem. Que discutam. Que enviem cartas. Que façam petições. Que se sentem em frente à casa dos que vos governam. Que exijam. Que digam que não votam. Que mostrem as contas e o que ganham. Que falem dos vossos filhos. Que se unam. Que leiam a constituição da Republica. Mas não deixem que o corpo quebre a vossa voz. Que denunciem. Que façam barulho.  Que por cada vez que peçam comida tenham um gesto de revolta visível.

Só assim, se prepara o futuro e se afastam os mercados abrutalhados, as crises injustas, os anti-depressivos, as infelicidades “à la carte” e alguma grandeza, que todos temos, se manifesta e aninha os sonhos que hão-de vir.

(Cynthia Guimarães Taveira)

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