quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
Rosalina, o puzzle e o público
Rosalina trabalhava lá em casa. Vinha quatro vezes por semana e limpava, lavava, cozinhava. Menina e moça tive a época dos puzzles com mil, duas mil peças que deixava meio feito, num tabuleiro, para ir para as aulas. Rosalina, por duas vezes, nos nossos desencontros de horários, desfez o puzzle e arrumou-o na caixa em conjunto com as peças soltas já divididas por cores. Rosalina não fazia a mínima ideia do que era um puzzle e obrigou-me a recomeçar até a conseguir ver e explicar-lhe que um puzzle era meio desarrumado com vista à arrumação. O público creio ser assim. Pula de evento em evento, de palestra em palestra, de curso em curso e não faz ideia do que é um puzzle e é por isso que no fim, não só nunca faz perguntas, como se dirige ao "centro" com palavras amigas divididas entre o "gostei muito" e o "muito interessante".
O "muito interessante" é o equivalente a dizer "tão giro, já esqueci". São raros os elementos do público que se deram contam da existência de um puzzle. Frequentam estas actividades como o Jet Set frequenta festas. Andam à procura deles próprios nas actividades dos outros. É o que se chama a verdadeira especulação. O público é já por si mesmo uma massa acéfala e quando se senta para "assistir" essa característica parece ficar ainda mais em evidência, sobretudo quando não há perguntas a fazer. Não há perguntas, na maioria das vezes, porque não há um passado de estudo e quando não há futuro, também não há perguntas. Porque o puzzle é uma pergunta. O facto de não haver perguntas também é sintoma de barriga cheia: "Gostei muito dessa refeição que serviu. Estive aqui passivamente a comer o que Vossa Excelência, ser perfeito, me deu para a refeição". Quando é este o caso estamos perante um ser perfeito que dá a refeição ao ser imperfeito que a devora. É a chamada animalidade intelectual, semelhante à selva e aí também não há puzzle nenhum porque o puzzle já vem resolvido. A selva e a ditadura são uma e a mesma coisa, a intelectualidade é a máscara do acto.
Diz o povo "Quem sabe faz, quem não sabe, ensina". A noção de puzzle é o primeiro acto em direcção à sabedoria. Depois há que o resolver. Um puzzle não é "muito interessante", nem algo que se coma e de que se diga "gostei muito". Um puzzle é um verdadeiro problema que traz "angústia para o jantar" e ninguém quer jantar angústia. O olhar baço do público nunca é angustiado. Ou dorme ou está feliz como se estivesse a ouvir alguém cantar e adormecesse ao fazê-lo. Quando o ensino é espectáculo, então, já é uma prática, um rito. Porque a arte é um rito e, num rito, todos participam ou então estão fora dele e, se participam, já estão a fazer qualquer coisa, a resolver um puzzle por exemplo e não vão olhar para si próprios e dizer "muito interessante" e "gostei muito" porque estão esquecidos de si (um dos propósitos do rito). Foi assim que o erro da Rosalina chamou a atenção para algo maior. A amêndoa mística é deliciosa.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
O Show
http://algarvepressdiario.blogspot.com/2010/02/casa-museu-jose-manuel-rosado-abre.html?m=1
Muito antes destes histerismos dos movimentos LGBT e das "Associação de defesa", das Paradas de Orgulho, dos Festivais da Canção com mulheres Barbudas e de lésbicas vencedoras e de ministras assumidas, enfim, antes desta vitimização emproada e manobrada por uma "esquerdite" ascendente tive o privilégio de conhecer José Manuel Rosado, actor de raíz e de talento, criador da personagem Lídia Barloff, cujas unhas, exageradamente grandes do seu show "Danca das Bruxas" quase saíam das notas de mil escudos, também exageradamente grandes mandadas fazer como selo e signo desse Show e que me acompanharam na infância trazidas pela minha mãe numa das noites desse espectáculo. Era o barroco ilimitado e transbordante nas minhas mãos pequenas segurando a grande nota de mil com uma enorme bruxa de olhos abundantemente pintados fixando-nos com um olhar de provocação, acompanhando o rosto com unhas de cinco ou seis centímetros. Era mágico. E o que era mágico, diferente, original, arte, em suma, hoje é política e "direitos". Aquilo que existe é a decadência, o tornar "corriqueiro", normal. Só falta a bata e a esfregona na mulher barbuda para se dar cabo de vez do luxo das lantejoulas e das plumas (com 11 anos escolhi duas encharpes feitas de plumas para oferecer a um travesti amigo da minha mãe, foi a minha forma de contribuir para o show), e não há mais separação entre a cortina do espectáculo e o público. O show adormeceu para dar lugar a uma realidade feita de normalidade a mais onde não há espaço para a imaginação e muito menos para a arte. A normalidade é o maior tédio que nos é concedido à custa da normalização. Tudo tem de ser "mostrado" de tal forma que o "show" da normalização se tornou corriqueiro. Não andamos muito distantes dos faquires e dos encantadores de serpentes em cada esquina: prove que é gay desfilando a normalidade de o ser; prove que é mago desfilando a normalidade de não o ser. Faça um show todos os dias. Mostre, se faz favor, como a normalização vingou e tornou a suposta civilização na mais entediante de que há memória... Faça da sua vida um acto de fama. Ainda que todas as famas juntas se eclipsem e anulem mutuamente. A auto nomeada civilização é, provavelmente, a mais estúpida de que há memória: nunca se viu tamanho acesso a tanta informação e a tanta memória directamente proporcional a tantas multidões desinteressadas, amnésicas e estúpidas. É obra!
segunda-feira, 28 de janeiro de 2019
Pérolas de Dalila Pereira da Costa
"D. João II, morrendo em Alvor, sozinho e apartado de qualquer laço aí presente de ser de seu sangue, mulher ou filho, unicamente rodeado daqueles que durante sua vida o tinham secundado na sua obra universal, a descoberta da terra.
Para eles então, uma conversão de perspectiva, ou vocábulo, será necessário efectuar do nosso lado: vê-los, não sob a medida humana, mas trans-humana. Eles nesse tempo estavam possuídos por uma força transcendendo suas pessoas efémeras e sentimentos humanos, e obrigando-os a eles e a todos os homens que os rodeavam nessa pátria, a semelhantemente por ela serem possuídos, a ela submetidos; força que não podemos medir por nenhuma medida de sentimento ou razão puramente humana: tudo que neles ou nos seus feitos (como meios usados para a realização dessa obra) nos poderá surgir sob o aspecto, ou nome, de frieza ou crueldade, será tão-somente acto ou ser, para além do bem e do mal, como condicionalismos humanos. Eles então foram possuídos ou arrastados, por essa força, para a realização mundial e eterna do seu reino; e agora a medida da contemplação e valorização, terá de ter idêntica proporção."
Dalila Pereira da Costa, a Nau e o Graal, Lello & Irmão Editores, Porto, 1978, pág. 92
Este pequena citação desta obra de Dalila P. da Costa, marca o eixo fundamental que divide o reino do misticismo e o reino da Iniciação que, como referiu René Guénon ao longo de toda a sua obra, frequentemente são confundidos embora sejam dois reinos totalmente diferentes. É apenas quando o reino do misticismo entra em harmonia com um determinado mapa que se liberta de si próprio e inicia o seu percurso pelo Reino da Iniciação que é d'outra natureza.
Dalila P. da Costa, apela, no texto, à nossa própria conversão em termos de perspectiva ou de vocábulo relativamente aos factos históricos. Já não numa perspectiva da "fábrica de Santos", mas sim, numa perspectiva iniciática na qual o supra-humano adquire a "vontade do nosso gesto" ou "nosso gesto adquire a vontade supra-humana". Este tipo de perspectiva está hoje completamente ausente na análise das Descobertas e das acções humanas nelas acontecidas simplesmente porque o máximo que se consegue vislumbrar, como experiência de vida, fica no patamar do misticismo onde o indivíduo, naturalmente, prevalece como força e motor de qualquer acção, inclusivamente das mais subtis. Quando nos parece haver, de facto, uma perspectiva iniciática de analise das Descobertas e das acções nelas acontecidas vimos, mesmo que de relance, ser esta produto de uma representação teatral incutida pelas leituras e não pela iniciação em si, que nunca a houve nos tempos correntes... De modo que, incapazes de projecto para o pais, incapazes de união e incapazes de iniciação, toda esta linguagem empregue pela autora permanece um mistério por desvendar, ligado, indissociável, ao nosso próprio mistério como povo. Resta apenas observar que há uma correspondência entre o macrocosmo e o microcosmo.
domingo, 27 de janeiro de 2019
As nuvens e os pés na terra
De vez em quando ouvia dizer que esta senhora vivia nas nuvens. Não era verdade. É simplesmente uma espécie de Agostinho da Silva da música. Ler a entrevista que deu ao Jornal O Público é uma lufada de ar fresco. Creio que tem os pés na terra. Nas nuvens andam outros. Aqui fica o Link. Vale a pena ler.
https://www.publico.pt/2019/01/27/culturaipsilon/entrevista/maria-joao-pires-deixei-identificar-digressoes-salas-concertos-tradicionais-1859566
sábado, 26 de janeiro de 2019
Apenas no outro lado sabem
(Pintura de Cynthia Guimarães Taveira)
Apenas no outro lado sabem
Quatro seres que tanto são
Fazem descer a cascata
Uma e outra vez tornando-a rio
E quando pisam o chão
E dele no mesmo tempo brotam rosas
Só anjos camuflados de irmãos
As sabem colher e torná-las vivas
Apenas do outro lado sabem
Os que o outro lado visitam
Entram com ramos e palmas
Crêem por ter visto a eterna vida
Se antes crêem neste lado, só e só um,
nele serão tela perdida
Mas transposta a ventura e a vida
Apenas do outro lado sabem
Ser a desventura só medida
(Cynthia Guimarães Taveira)
sexta-feira, 25 de janeiro de 2019
O transcendente
Dizem que no plano subtil há um bocadinho de tudo porque é um "lugar" psíquico. Digo dizem porque pessoalmente não sei nada. Nunca experimentei as delícias visionárias dos psíquicos e dos místicos e prefiro sempre abordar essas questões usando a bata branca que proporciona a higiene mental e corporal. O facto de pintar um outro mundo deve-se a alguém que vive paredes meias dentro de mim e comigo e que "tolero" não vá o transcendente cair-me em cima dando cabo definitivamente do meu ego que tanto estimo e tento desalmadamente impingir aos outros numa autopropaganda que é virtude para uma bata branca que se preze. Esses planos psíquicos que podem ser infrahumanos ou angélicos trazem consigo, (digo isto após análise atenta desses seres inferiores, visionários e magalomanos) e embora pertencendo a outras esferas, o problema do belo. Para um cientista social, como é o meu caso, o problema do belo não se coloca, é relativo e pronto. Para a tribo A o que é belo pode ser horrível para a tribo B. Isso é verificável no nosso país onde ninguém se entende por causa dos partidarismos, dos mais rasteiros (vide política), aos mais pseudo-superiores (vide religiões), passando pelas filosofias que batem um duplo record: conseguem ser do mais resteiro e pseudo-superior que há consoante se encontram mais perto da política ou da religião numa oscilação que por vezes é ténue, e por outras vezes, nem por isso. Fulano filósofo é bom porque é católico ou fulano filósofo é bom porque tem tendências socialistas, ou ainda, fulano filósofo é bom porque é as duas coisas. Enfim, com maior ou menor oscilação encontram-se sempre na mesma recta numérica.
Depois há os esoterismos e, tirando as confusões que herdámos dos séculos XVII, XVIII, XIX, e colocando isso de parte (basta estudar um bocadinho o tema para ver os monstros de várias cabeças nascidos nesses três séculos), sobra ainda espaço para aqueles que gostam do inframundo e o confundem muitas vezes com o inferno (não é o inferno, é pior...) e os do mundo superior donde emana a beleza reconhecível (que se volta a conhecer). Para quem ama o infra-mundo, o "máximo" é esse inframundo. O diabo é um "espectáculo", é muito bom, é positivo. E pronto, penso que já se percebeu onde quero chegar. O belo não é relativo quando toca à transcendência. Depois há os que nascem com o sentido mais apurado da beleza transcendente. O que é superior só o é porque foi apurado. Os outros são baralhados, amnésicos e almas jovens. Não há outra explicação. O relativismo da beleza explicado pelos antropólogos de bata branca é igual ás asas negras dos morcegos. Só voam para baixo. O resto fica sempre por explicar.
Pérolas de António Telmo
"1. A criança aprende a falar e, falando, se torna o homem comum que, depois, se o acaso o quer, governa outros homens. Os chefes políticos são como todos os outros homens crianças crescidas. Resultam do desenvolvimento, no plano da linguagem, do instinto de imitação dos adultos que, naturalmente, há em todas as crianças. A família, o ensino público ou privado, o convívio social aproveitam-se desse instinto de imitação, natural ao ser que cresce, para o moldarem automaticamente, senão intencionalmente, ao estar no mundo próprio de adultos que nunca se interrogaram sobre o essencial.
Ser homem e não somente uma criança crescida implica o sentimento da palavra profunda que não chegou a ser aprendida, consiste em "desaprender" o falar que se aprendeu, em se tornar Infante. O Reino da Criança será aquele que, como D. Henrique, possuí o "talent de bien faire". Ao mesmo se refere o povo sábio quando afirma que "quem sabe faz, quem não sabe, ensina".
(...)
2. Por aqui se vê que ao falar do Reino das Crianças, estava muito mais a pensar naquelas que 'nasceram ou nascerão pela segunda vez' do que nesse erro moderno de que a verdade está nos jovens, na sua revolta contra o mundo dos adultos. Quando os jovens casam, logo se adaptam ao mundo dos adultos, à rotina do mundo quotidiano e feminil e tudo fica como d'antes. Em geral, ingressam num partido político, em qualquer forma patriótica ou anti-patriótica de internacionalismo, enganando os impulsos, porventura espontâneos, de liberdade e de direito, fingindo-lhes uma falsa sobrevivência em qualquer espécie instituicionalizada de servidão.
'Nascer outra vez' não significará regressar aos anos de infância, ao domínio infantil da fantasia, àquela espécie rudimentar e primitiva de sensibilidade, informe e nevoenta, que é a criança biológica. 'Nascer outra vez' significará 'nascer no espírito' porque até lá todos nós somos, se o somos, apenas 'esboços de alma', como escreveu Leonardo Coimbra. Ora não é possível nascer no espírito sem receber a influência que desce por aquela linha medial da porta dos Jerónimos, com no alto o Anjo da Face, em baixo o Inferno e entre os dois a Santa Natureza Purificada."
António Telmo, "Capelas Imperfeitas" , Obras Completas, Vol. X, ed . Zéfiro, 2019, pág. 60/61
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019
Gurú
Da mesma maneira que me perguntaram se não queria um contraditório, perguntaram-me (e são ambos casos reais sem ponta de imaginação da minha parte), se não quereria ser uma espécie de gurú. Temo que o resultado fosse a anedota/adivinha que aqui a Catarina do alto dos seus 10 anos agora mesmo me contou: "Porque é que as galinhas não podem conduzir? Porque chocam!" Com tudo o que esta anedota possuí de misóginia, de verdade e de mentira, fica a resposta hilariante, pela coincidência. Claro que ao interlucutor havia respondido que não servia de nada ter um bando de gente atrás de mim mas quem tem razão é a Catarina. Ainda bem que não sou galinha.
O contraditório
Fui a uma papelaria comprar um jornal e perguntaram-me se necessitava de um contraditório, respondi que não, que as contradições do jornal me bastavam. De contraditórios já ando rodeada e passo o tempo a pensar que são as contradições sucessivas da actualidade que constituem o meu principal contraditório. Se não, vejamos:
Este hábito recorrente de se tapar o sol com a peneira resulta numa imensa contradição. Por um lado querem a luz (senão não olhavam o sol) e por outro tapam-na com a peneira. O resultado é um lusco-fusco indefinido e... contraditório. Qualquer pôr ou nascer do sol é mais definido. Nos sonhos aparece-me a realidade tal qual ela é e, na vida, aparecem-me sonhos indefinidos em todas as áreas. A vantagem do pôr e do nascer do sol é esse lusco-fusco definido onde estou entre o sonho e a realidade bem definidos ainda que já a dormir em pé ou acabada de acordar. Qualquer contraditório interno é melhor do que qualquer contradição externa. Se quero um contraditório? Não, quero um jornal e quanto menos contradições nele melhor. Já sou suficientemente contraditória. O que eu queria mesmo era um jornal com novidades mas isso, nos dias d'hoje é uma contradição.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2019
A Cópia
Há muito que perdemos a cabeça por aqui e, já desmemoriados, perdidos e a morrer de tédio porque não há nada de novo debaixo do sol, e como não podia deixar de ser, seguimos os EUA passo a passo. Se eles fazem reconstituições históricas, da Guerra Civil, por exemplo, e para mostrar que não só não somos menos, como também somos americanos em gostos, também fazemos as nossas. O resultado é o que diz René Guénon ( em Iniciação e Realização Espiritual, Cap. XIII) relativamente ao folklore:
"As reconstituições das antigas festas populares acabam por ser uma mascarada e uma grosseira imitaçao."
De genuínos já nada temos, quer na cópia dos outros quer na imitação do que fomos e já não somos.
E quando somos genuínos a única coisa de que somos, como gente, capazes, é a de fazer festas pimba.
O povo ao se ter deixado trocar por alglomerados de pessoas ausentes de si próprias trocou a Pomba do Espírito Santo pelos Pimbas do Corpo sem Espírito.
domingo, 20 de janeiro de 2019
Tradição
"Uma função de ordem exotérica, qualquer que seja, não pode conferir nenhuma infalibilidade e, por consequência, nenhuma autoridade relativamente à ordem esotérica; (...) isso é uma inversão das relações hierárquicas normais e essa inversão não poderá ter mais do que um valor nulo."
René Guénon, "Considerações sobre a Iniciação", Capítulo "Sobre a infabilidade tradicional".
sábado, 19 de janeiro de 2019
O jogo
Um dia apareceu-me uma pessoa com um jogo como se este fosse a realidade da vida. Perguntou-me o que pensava sobre a realidade da vida ao que respondi que parte da realidade da vida era feita de jogos para os quais não tinha paciência. O meu interlocutor afirmou que isso era bom porque assim me dava conta dos jogos sem que os outros o soubessem e, por isso, vantagem. Estive mesmo para lhe responder: a começar pelo jogo que hoje aqui você me trouxe pensando que não daria por ele. Mas deixei-o feliz e a rebolar-se na sua crença de que me tinha enganado com o jogo que trouxera pensando que eu não o saberia... o que vale é que é só uma parte da vida para a qual não há paciência.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2019
O Espelho
Espelho por Cynthia
Quando os espelhos que nos cercam nos dão uma imagem pálida demais, podemos reinventar o que nos rodeia (nossos espelhos) e assim, a imagem fica bastante mais fiel.
É a vontade e apenas ela, o primeiro passo para as realidades que são espelhos da realidade. O outro, a seguir, já é criação.
domingo, 13 de janeiro de 2019
Pornográficos e Ordinários
https://www.publico.pt/2019/01/13/sociedade/noticia/poema-fernando-pessoa-censurado-manual-portugues-12-ano-1857743
Antigamente, quando se "cortava" qualquer coisa era censura. Agora mudou de nome, é mais "política/moralmente" correcto. Vantagem: houve uma série de alunos que foram ler o poema depois de se saber do corte "cirúrgico". Os responsáveis pela editora parece que não têm consciência disso. Ou não querem.
Numa altura em que o número de leitores decresce consideravelmente e o número de editoras também é cada vez mais reduzido, nada como, a pretexto de um pudor inexplicável (a televisão emite todos os dias imagens chocantes que não aquecem nem arrefecem o público juvenil tal é a ausência de consciência democratizada) resolve, em abono proporcional, reduzir o poema de Pessoa. Somos civilizados sem civilização. Porque uma civilização é definida, em grande parte, pelos seus criadores. A civilização egípcia reconhece-se pelos legados artisticos, assim como a grega e etc e tal. A nossa, que não existe, é indefinida pela política e pela economia que se sobrepõe a tudo e, quando há artistas, verdadeiros como Pessoa (e não fantoches que é o que há mais) há que resurá-los porque são cheios de mais para o vazio que se quer circundante.
Pornográficos e Ordinários são os programas, os horários e o ambiente de sala de chuto das escolas... E censuram os poetas.
Fernando, ri-te desses parolos que te querem censurar.
Crianças, vão ler Pessoa porque o fruto proibido é o mais apetecido.
sábado, 12 de janeiro de 2019
A beleza II
Diz-me a arte que escolhes, dir-te-ei como governas...
Há diferenças entre uma Sinarquia e uma Sinarquia e ainda uma Monarquia.
Vivemos numa Sinarquia porque são as elites partidárias que nos governam. Os governantes chegam ao poder depois de passarem pela peneira das juventudes partidárias e dos partidos políticos. Pela arte que vão escolhendo para a sua casa se verá como tendem a governar, isto quando se dizem apreciadores de arte, o que é raro...
Depois há a outra Sinarquia, dizem, que seria composta por um governo de filósofos. Pela arte que apreciariam, naturalmente se veria como governariam, mas, o que faz falta, e muita, numa Sinarquia é a noção de Centro, ou seja, falta à Sinarquia um Rei, da mesma forma que um Rei necessita de Conselheiros Sábios (e não apenas filósofos porque qualquer filósofo, mais tarde ou mais cedo, se apercebe da noção de Centro e, nesse instante, passa a sábio) e, pela arte que escolheriam, se veria como governariam. O ideal era um Rei rodeado de súbditos sábios e, dessa maneira, não tinha como escapar à sabedoria, por estar rodeado dela e porque todos os seus súbditos seriam sábios e todos os sábios nunca seriam súbditos porque todos os sábios sabem que a sabedoria vem acompanhada com a liberdade. Deste modo teríamos, de forma natural, uma Anarquia Monárquica.
A sinarquia actual, disfarçada de Democracia é bizarra. A ausência de bom gosto dos nossos governantes é sintoma de patologias várias.
O José Castelo Branco tem extremo bom gosto. A sua casa é linda. O que é raro. Muito raro. Um verdadeiro anarca porque tem bom gosto.
A base da filosofia é o reconhecimento do Belo. Onde quer que ele esteja. Muito mais do que o reconhecimento das minorias. As minorias são minorias. O reconhecimento do Belo é raro e é grandioso. O reconhecimento de uma minoria é muito diferente do reconhecimento do Belo. É a diferença entre a tolerância e o Amor. O Amor não quer saber das minorias. A tolerância vive delas. O Amor não quer saber da igualdade. A tolerância só quer saber da desigualdade.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
A beleza
Os contemporâneos, os neo-contemporâneos, os pós-modernos, etc e tal... que me perdoem... Mas a beleza é fundamental.
Este gosto ou antes, esta perdilecção actual pelo desfigurado, pelo a-simbólico (porque o simbolo não é aleatório), pelo "tanto-faz" pressupõe uma mentalidade desordenada, inconstante, invertebrada. Mas pressupõe algo pior: a sujeição aos "conceitos" muito mais do que à harmonia visível da natureza.
Estamos a chegar ao fim da linha, ao grau gelo da imaginação, ao frio do Inferno.
Se tudo é um "lugar" mental, que lugar é este? Tão feio?
Se tudo tem um lugar no coração, que coração é este, sempre-absolvido pelos conceitos?
Gosto da subtileza de Guénon no seu livrinho "O Esoterismo de Dante" onde nos diz que uma vez estando no Inferno se começa logo a ascender, e atenção a este termo, "contornando" Lúcifer, o que, estranhamente, faz lembrar o Caminho da Serpente e seus "modos" descritos por Pessoa.
Antes de nos atirármos de cabeça para neo-cultos neo-pagãos em volta da serpente ou de fugirmos a sete pés agarrados à cruz mal se ouça a palavra "Serpente" convém atentar nestas subtilezas da linguagem... Que é simbólica.
Mas isso também é pedir demais nesta época-dormitório que, admitindo o paradoxo verbal, porque é moda ser Zen e Iluminado, não admite nada disso internamente. Nem pode. É uma época sem interior e como tal não há vida interior. Externamente, claro, somos todos "inclusivos", "pró-activos" e se formos distraídos, somos ainda mais: somos "artistas". Ora, os artistas, são, por definição atentos.
Procurar o paradoxo neste texto é um bom exercício. Artístico e interior.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2019
A História do Estilo
Nunca me preocupei com o estilo. Já nasci com ele. Nunca fiz "experimentações" visuais. Já nasci com um mundo interno intacto. Aquilo que sempre senti foi a urgência de desenhar e pintar esse mundo. Do estilo, não queria saber. Nem nunca me interessou. Era mais essa pressa que me alinhava com o papel. O "vou fazer" sobrepunha-se a tudo. O meu mundo é simbólico porque sou uma alma antiga.
No outro dia fui ao Teatro. Pela noite de Lisboa, na sua baixa, havia imensas lojas abertas que desconhecia porque hoje sou saloia com gosto e honra. Cada uma tinha o seu estilo, o seu modo de comunicar, sobretudo com os turistas. Havia uma espécie de "standartização" do estilo. Uma espécie de obrigação em se ter imaginação. Excepto numa única loja na qual entrei por ser diferente, para além de ter estilo. Lá dentro estava um cão num tapete. O verdadeiro estilo, tido sem querer. A dona da loja chamou pelo seu cão: "Camões!". Tinha entrado na loja certa. Camões nunca se preocupou com o estilo. preocupou-se apenas com a forma: um soneto, por exemplo, que é difícil de fazer. O estilo saía-lhe naturalmente, como quem não quer a coisa e não queria, de facto. O seu estilo não era apenas a forma de olhar. Era, evidentemente, como uma evidência, aquilo que via... Porque sabia ver o mundo interior no mundo exterior.
Nunca me preocupei com o estilo, nem com experiências ou experimentações. O mundo interior corre como tem de correr, intacto e igual a si próprio.
Não há volta a dar para uma alma antiga. A minha liberdade interna não se adapta a esta liberdade externa da "experimentação" (a experiência de que fala Camões nada tem a ver com a "experimentação"), da "procura de um estilo". O que se deve procurar é um mundo interior, mas esse também não se procura. Encontra-se lá, como quem não quer a coisa. E não se quer, de facto. Dai que não seja comercial nem esteja à venda para turistas... Como o cão chamado Camões na loja não o estava. A loja mais bonita da baixa. A única na qual entrei. Tinha alma e um psicopompo.