sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Em nós
Sentir em nós uma presença em nós. Se nossa ou não, não o saber. Presença que desbrava com a consciência o mundo e mais do que isso o seu mistério. Um pouco como Fernando Pessoa de quem maioria dos textos são explorações aventureiras da observação e do sentido das coisas, numa união íntima entre a descoberta do que há e das possibilidades do que há e das possibilidades das possibilidades de vir a haver. Isto tudo feito como uma caravela lançada ao mar. E descobrir a Ilha dos Amores dessa maneira, sem distinção entre a palavra e a consciência. Descobrir com ela, a consciência, símbolos e sentidos, entender cada passo como um ritual interno e secreto, entender os mitos por se ser um "fazedor de mitos" urgentes, auxiliares desses passos. Sentir em nós uma presença em nós, a mente absolutamente viva cavalgando todos os tigres e temas, inventado personagens e ritos como pequenas crianças cuja consciência, presença anímica e íntima, não sendo desdobramento, é a nossa melhor amiga, uma espécie de protótipo do segundo cavaleiro cavalgando o mesmo cavalo que nós. Habituamo-nos a essa companhia filosofante por sede de sabedoria. A sede dela é tão importante como o deserto que a acompanha. Até que um dia, tão crescente essa sede é que caímos inanimados nas dunas da ignorância. Já sem vida e só vontade ou desejo que são a mesma coisa, na total consciência da falta da importância da nossa vida e desejando-a, porque pressentindo-a já sem forças e rendida a essa vontade que preenche cada espaço da palavra, "pronto", em morte concedida porque e apenas porque algo assim quis, dar uma volta nesse útero que é a morte e voltar a sentir a presença dentro da presença, e sabê-la, então sim, tão independente e soberana. Quem escreveu "matar a morte" não traduziu de verdade e engana com as palavras ditas de heróis. Não, não é matar a morte, isso faz quem tem medo dela e a ataca. Ter medo dela é o maior disparate alguma vez escrito. Trata-se antes de ser "vida sobre vida". Tudo revive. E deixar que, quando quer, essa presença soberana seja soberana e que nada tem a ver com a "escrita automática" que é apenas uma espécie de sonho escrito em papel com o "sem nexo" de tantos sonhos... Foi essa aventura primeira, a descoberta com a consciência do mundo e do seu mistério, em união íntima, quase indistinta entre causa e efeito que permite, mais tarde o lugar devido, dessa vida sobre vida, dessa presença outra, muito além da consciência, de uma outra natureza. É por isso que os escritos de Fernando Pessoa sobre Portugal são uma espécie de Graal imergindo da sua obra. Essa vida que pulsava, independente e soberana falava, pensava, sentia, lembrava, sonhava, e tornava próximo o futuro. Era o próprio ente de Portugal que vivia dentro do poeta, com o seu próprio anjo, também ele, trazendo mensagens desse núcleo em forma de rosa... Eram quatro, na verdade, mas porque era o poeta, o ente que é Portugal, o anjo desse ente e o centro que coincidia com o do poeta, com o de Portugal e com o anjo de Portugal. O anjo do próprio poeta, simplesmente anuia e sorria. Hoje os móveis que se vendem por aí não têm qualidade nenhuma. A madeira não é de nogueira. É um contraplacado o que se encontra por aí. O mesmo com as gentes (as mesmas que fazem contraplacados porque não conhecem nem sabem fazer mais nada). Têm até aversão à qualidade e acham que a devem matar por verem nela uma espécie de morte. E ainda a confusão vai no adro. Sem se envolver essa primeira aventura com essa consciência íntima tudo o mais é um lugar obscuro e de morte do qual se aproveitam retalhos para preencher os espaços em falta da própria consciência (algo impossível porque a consciência é pessoal e intransmissível), ficando apenas com isso um aglomerado de gestos desarticulados e desalmados, inconsequentes. A qualidade, como tudo o que é verdadeiro, é interior, por mais gritos de vitória, heróicos, que se lancem ao ar para anunciar que se escolheu isto ou aquilo, que se descobriu isto ou aquilo ou que se é muito boa pessoa. Se não se enganam os animais vão enganar os anjos? A falta de qualidade é isso mesmo e coincide com a falta de consciência. Que não tem nada a ver com o "afastar" a consciência para a "soberana presença" passar. A falta de consciência é a ausência dela no coração. E assim nunca se pode sequer afastar...
Cynthia
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