quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A amiga


O ensino actual pauta-se pelo profissionalismo. Do professor e do aluno. O professor anda triste e o aluno também. As vocações nunca são "profissionalizantes", são vocações. De maneira que anda tudo triste. E profissional. Há uns tempos escrevi sobre o "conhaque e o trabalho". O meu irmão, que anda no mundo dos "profissionais", disse-me, confirmando esse texto na altura, que também não confiava nessa separação, nessas vírgulas do lema. Até senti um certo consolo por não ser a única a pensar assim. Antigamente, o que existia eram mestres e discípulos. O profissionalismo era uma palavra inexistente. Essa relação era sempre intíma. Não havia separação entre as pessoas e o que faziam. Era mais complicado por um lado e mais humano por outro. Mais verdadeiro. E o que faziam nascia, naturalmente, cheio de verdade. Ontem encontrei uma amiga com quem trabalhei durante três anos. Quase me levantou no ar e eu a ela. Já não a via há dois anos. Falámos como se nos tivéssemos visto ontem. Trabalhamos juntas e com a delicadeza de flores (não, não foi o trabalho de florista, isso foi outra coisa), sentimos tudo o que a outra estava a sentir enquanto trabalhámos. E depois, ficámos com boas recordações, com admiração uma pela outra. Nunca fomos profissionais. Fomos humanas. Se tivéssemos sido profissionais não tínhamos trabalhado tão bem. As regras eram outras. Infrigiamos o profissionalismo se nos apetecia como aqueles polícias que contornam a lei para chegarem a bom porto. Chegámos a bom porto porque confiámos uma na outra. Evidentemente que estamos as duas ligadas às artes. Ela à música, eu à pintura e a outras coisas. Só com essa sensibilidade extra se abandona o profissionalismo que é para os tristes sem vida interior. Um dia ela "apanhou-me" a chorar. Lembro-me como se fosse hoje. Deu-me uma festa na cara e com ternura disse: "Não chores, tu és uma artista". Comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo. Ela tinha acrescentado o riso com aquele gesto. E tinha tornado tudo mais verdadeiro. Ser artista é rir e chorar ao mesmo tempo. Trabalhar em conjunto, é isto. Aquilo que não é isto, é uma miséria, no fundo nem tem conhaque, nem trabalho. Não tem nada.

Sem comentários:

Enviar um comentário