sábado, 2 de maio de 2020

Civilização e barbárie


Os lobos e os cães são aparentados e muito parecidos. Bem conversado, um lobo torna-se um animal doméstico (que foi o que aconteceu aos cães), abandonados, os cães, formam uma matilha e tornam-se lobos (com um cabecilha). Quando colocamos lobos, cães e ovelhas em jogo, o que acontece é que a leitura humana coloca o lobo como inimigo. O lobo ataca as ovelhas que tanta falta fazem aos humanos e o cão torna-se amigo porque defende as ovelhas que tanta falta fazem aos humanos. Os humanos, por sua vez, precisam apenas dos animais domésticos, os cães e as ovelhas e dispensam o lobo, condenado a errar pelas montanhas por não ser um sujeito simpático e atacar antes de cumprimentar. Os humanos e os cães, cumprimentam sempre antes de atacarem, ou seja, apenas antes de se servirem uns dos outros. Têm essa coisa do cumprimento que os distingue. As ovelhas e os lobos não cumprimentam ninguém, andam para ali, uns a atacarem as ovelhas e as outras a atacarem o pasto. O cumprimento é o passaporte para uma hierarquia, bem lá no fundo, baseada apenas no próprio cumprimento. O cão come carne que até pode ser de ovelha e o homem faz o mesmo. O homem, que se gosta de confundir com as ovelhas, come ervas e carne. O homem é um grande lobo com a capacidade de não só cumprimentar como de fundar toda uma hierarquia a partir do cumprimento. Antes de se entrar num grande baile de animais devemos ter isto em conta. Isto se quisermos entrar num grande baile de animais. Mas na verdade, como diz Guénon, alguns não entram na dança macabra, já estão fora dela e tão fora dela que se tornam intocáveis. A hierarquia desaparece por excesso de qualidade. As pessoas verdadeiramente distintas são assim, as restantes passam a vida a utilizar metáforas para ver onde se encaixam melhor, se nos lobos selvagens, se nas ovelhas, se nos cães ou nas pessoas pouco ou nada diferentes umas das outras. Aquilo que as pessoas verdadeiramente diferentes fazem é constatarem, do lado de fora (porque não se encaixam em lado nenhum) o que se passa no palacete decadente (à imagem da nossa civilização actual) e observam o baile autofagico onde todos dançam conforme a música. Os que ficam de fora, não querem saber se são lobos, ovelhas, homens ou cães e cumprimentam se quiserem.

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