terça-feira, 7 de julho de 2020
Objectos
Gosto de me encontrar rodeada de objectos bonitos. O problema, se é que é problema, é já não existir a ideia de belo. Tornou-se tudo muito relativo em termos gerais. É raro encontramos alguém com um olhar semelhante ao nosso, alguém cuja a atenção se detenha por breves momentos naquilo que nos chamou a nós a atenção. Ainda tenho alguma sorte em encontrar aves raras por aqui e por ali. É estranha a forma como aquilo que nos detém o olhar pela beleza é reflexo do nosso sentir, do nosso pensar, da nossa forma de ser. Sinto que pertenço a um grupo minúsculo de pessoas capazes de olhar com atenção para pequenos objectos, para grandes paisagens e para grandes seres humanos. Detemo-nos em segredo. Reunimo-nos em segredo. Falamos em segredo sempre rodeados de incompreensão (isto para sermos suaves). Pela nossa parte, também não entendemos certas coisas que outros seres, outros grupos admiram, ou dizem admirar (porque a noção de belo se perde ou relativiza em modas) e, a sua forma de sentir, de ser, de pensar, de agir, também nada tem a ver com a nossa. São mundos paralelos que pouco ou nada se tocam a não ser nas coisas triviais e sem grande importância na formação dos seres e do que fazem. Ficamos situados numa espécie de bolha, só nossa, onde a beleza brilha porque tem de brilhar. Os outros, para nós, desfilam num gigantesco Carnaval sem fim, com máscaras e absurdos, com transtornos graves de personalidade que se relevam nas reviravoltas da opinião volátil. No mundo deles os bestiais passam a ser bestas num instante e vivem entre dois polos sem valor que não seja o do ruído. São meros fantasmas alucinados que não sabem que estão mortos. Pelo menos, para nós, estão. Nada neles vibra ou é vibrante. Nada neles nos deslumbra ou espanta. Nada neles nos encanta. Apenas perpetua aquilo que já sabemos. Que não sabem, nem sonham o que é a beleza, porque se assim não fosse, não diziam admirar o horrível, o detestável. Admiram tanto a ponte sobre um rio construída por um qualquer arquitecto moderno que coloca tudo às riscas, como dizem admirar a Ponte dos Suspiros em Veneza. São mentirosos de gema e nada neles é para levar a sério, a não ser o trivial: o estado de saúde e o estado do tempo. Tudo o mais lhes está vedado.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário