terça-feira, 13 de junho de 2023

Parabéns, Fernando.

 


Meu querido:

Escrevo-te hoje, dia 13 de Junho, para te dar os parabéns. Passam 135 anos desde o dia em que nasceste e todos devíamos celebrar o teu nascimento. Porque és, de facto, único. Ultimamente tenho andado a pensar em ti e na distância que vai de ti a este mundo actual. Conseguiste a proeza de gerar Literatura, de quem hoje se pode dizer que o faça? Conseguiste a proeza de seres um mistério vivo. Quem hoje o é? Tu que te afirmaste como sendo nada, à parte de todos os sonhos do mundo, terias de conviver com esta civilização de gente imbuída do espírito de que são tudo, um sonho vivo e sobretudo, muito importantes. Adivinha-se já a crítica, não é? Todos conhecem a tua imagem e poucos te lêem. Todos reconhecem o teu chapéu, os teus óculos e a tua expressão entre o triste, o sério e o ensimesmado. Sabes porquê? Porque estamos na época das projecções de imagem. Primeiro começou, este hábito, com as fotografias, depois com o cinema e agora, todos podem tirar uma foto ou gravar um vídeo instantaneamente e colocar a coleção de imagens em ecrãs para todos verem. E é o que fazem. Sistematicamente. Projectam imagens de si próprios como se isso fosse crucial para se sentirem vivos e para serem dados como vivos. Das palavras, da consciência e da alma, pouco sabemos. Sabemos apenas das imagens, a maioria delas vazia, sem nada a reter senão elas mesmas. Tu que te preocupaste com as palavras como espelho da consciência, estranharias tudo isto. Todo este mundo de fantasmas sem consistência. E, aqueles que se preocupam com a alma, também são estranhos. Muito estranhos. Unem-se em grupos e almoçam ou jantam juntos. Dão muita importância às refeições. Tu que comias ovos estrelados solitariamente, devias estranhar estes banquetes daqueles que se preocupam com a alma. E retratam-se a comer, ou no fim das refeições para mostrarem a todos que são amigos. Tu, que tão poucos amigos tiveste… deverias estranhar o tempo dedicado ao convívio como coisa maior do que qualquer obra. Também creio que se hoje existisses, ninguém te entenderia na mesma. Pensariam que serias um ser estranho, longe do burburinho visual e das duas uma, ou te tomavam como guru, ou te invejariam de tal forma que te ignorariam. Se te tomassem como guru isso seria porque hoje todos precisam de orientação, de alguém que lhes diga qualquer coisa, que os distraia, que os anime e que os façam ganhar esperança não se sabe bem em quê… podemos questionarmo-nos se as pessoas querem sabedoria, ou se querem “evoluir espiritualmente, ou se querem salvar o mundo, ou se querem apenas andar por aí a distraírem-se com alguém que os distraia. Na verdade, não vejo ninguém tão ocupado como tu andaste, assim inquieto, com a tua obra que é maior. Talvez as pessoas me intriguem como a alma humana te intrigou a ti. Muitos ou dizem ou julgam-se estando numa demanda. Mas demanda de quê? Se lhes perguntarmos diretamente, saberão responder? O problema é falar com as pessoas de maneira que elas entendam, embora o entendimento possa ser um mau entendimento, ou um bom entendimento ou apenas parcial. Sabes como ando? Com a alma calada. Ela que me é tão exterior, parece-me que não está interessada em palavras. Assemelha-se a um lago tranquilo. Não sei se já alguma vez estiveste assim. Sem palavras por as pressentir inúteis. Mas quem disse que as palavras têm de ser úteis. Se fossem sempre úteis ninguém falaria no estado do tempo que é indiferente às palavras. Só gosta de danças da chuva. Lembras-te de pedires à Lídia para se sentar contigo à beira-rio? Parece que Lídia se sentou à beira-lago, olhando o mundo como um espelho de uma outra realidade, invisível e sobreposta. Como aquela ilha que escreveste estar próxima e distante. E mesmo assim, Lídia fica imóvel, numa quietude estranha, tão parecida com a do lago que se fundem. Talvez saiba que por mais que agitasse o lago com qualquer pedra que lançasse, este voltaria à sua forma estática e impassível e poupa-se, assim, a movimentos da alma demasiado complexos. O mundo permanece em queda livre e nessa queda é estático como um lago. E Lídia, acompanha esse movimento que é um não-movimento. Não se quebra porque o abismo não tem fim. Por isso, estranho esta quietude. Parece quase irracional. Até um voo picado de uma ave tem mais sentido, porque procura alimento, ou simplesmente sentir o ar a percorrer-lhe as penas. Se calhar é a vida bucólica que a torna assim. Não tem estradas para atravessar, apenas caminhos para percorrer, numa sucessão de paisagens indiferentes à sua presença. Mas hoje é o dia do teu aniversário e celebro-te com saudade. Ter saudades de um poeta é a glória deste mundo, tal como está. Mesmo que sejam umas saudades silenciosas, sem palavras, mas tão fortes que produzam um qualquer som no universo. As saudades têm essa capacidade. E da Saudade, nem se fala. Essa, altera mesmo o cosmos. Dá-lhe uma tonalidade fascinante, e une os tempos desunidos. Talvez a queda se transforme em voo e procure então as cúpulas em vez dos absimos. Talvez se lance de repente para cima e talvez as palavras surjam como estrelas.

 

Um grande beijinho

Da sempre tua,

 

Cynthia



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