Dei-me conta do estranho caso da filosofia expectante quando subi ao monte e ali fiquei a viver. Sob aquele ângulo, era possível ver as coisas de outra maneira. Digamos que a filosofia nunca foi uma mulher jovial, mas, contemplada dali, parecia ainda mais velha. Não uma velha qualquer, mas daquelas que nunca casaram ou enviuvaram muito cedo e muito cedo também se deram contam de que estavam no mundo um pouco solitárias, por opção ou por destino. Como elas, a filosofia tinha duas tendências, ou a de se sentar nos cafés ou a de ficar em casa, isolada dos seus semelhantes e rodeada pelas suas dezenas de gatos, ou seja, ou tinha pensamentos que trocava e divulgava através de seres humanos que se pré-dispunham a uma convivência social e a falar sobretudo uns para os outros, ou encarnava em filósofos solitários, rodeados pelas suas dezenas de pensamentos, num labirinto de cabeças e caudas onde vivia feliz, mas alheada do contacto social. Nunca foi jovem nem jovial, a filosofia e sempre foi altamente desconsiderada sempre que desaparecia. O que mais me espanta, vista daqui, é que, embora não sendo jovial, ela conserva uma memória perdida dessa juventude traduzida na capacidade de ser expectante. É isso, aliás que a anima, senão encarnaria em gente vulgar, a duas dimensões e só se preocuparia com a lista para o supermercado. O que espera, então a fiosofia? encontrar a sabedoria. É assim que se auto-define e o filósofo é uma espécie de amante cortês que deseja “tornar-se no objeto amado”. Para isso, anula-se um pouco (nunca demais) e deixa que essa filosofia, envelhecida pelo passar do tempo, tome conta dele. Com ela vem em primeiro lugar, essa expectativa, essa sim, sempre jovem e fresca, de encontrar a virtude da sapiência. Há pessoas que conseguem estar assim a maior parte da vida, porque aquilo que têm em comum com a filosofia é exatamente essa capacidade de criar expectativas. A fiosofia e os filósofos foram feitos uns para os outros. Estão bem uns para os outros, como se costuma dizer, quando as coisas não correm muito bem. E com a fiosofia as coisas nunca correm muito bem. Podem parecer que correm, quando saem em formato de livro e brilham ainda provindas do calor da forja, ou podem parecer correr bem, nas trocas de ideias entre filósofos sentados na mesa da santa tertúlia (esta é uma santa muito especial para os filósofos), mas depressa se vê que há algo de artificial nas suas atitudes. Como algumas velhas, sentadas à mesa do café ou encerradas na rotina caseira, repete-se muito. Embora aquilo que a anime seja a expetativa, a noção de devir, esbate-se a pouco e pouco, com o passar dos anos. É por isso que a filosofia é velha e não jovem. Os jovens não tem expectativas, movem-se pelo devir fora com a certeza de que vão encontrar alguma coisa. A filosofia, sofre de alguma insegurança e, por isso, ou precisa dos outros na sua mesa de café ou precisa dos gatos espalhados pela sala, pelo quintal e pelos telhadas. Não sabe estar só. O lugar da solidão não é o da filosofia, por mais que os filósofos se digam incompreendidos ou desacompanhados, estão sempre acompanhados ou pelos seus pensamentos ou pelos pensamentos dos outros. São velhas carentes. A sabedoria, por seu lado, é tão jovial que se entretém sozinha sem necessitar de ninguém e está embutida no devir. Aquilo que os filósofos mais almejam é exactamente aquilo que não são. E pressentem, nervosos, que se encontrarem alguma vez a sabedoria ficarão inevitavelmente condenados à morte. É por isso, que, daqui do alto do monte contemplo com estranheza estes estranhos casos de filosofia expectante e, sobretudo, a sua longevidade. É admirável conseguir passar tantos anos sem fazer coisa nenhuma a não ser pensar para si própria ou para os outros. É do alto dos montes que se tem uma melhor visão sobre o que se passa lá em baixo. Felizmente, Camões também escreveu: “Portugal é um outeiro”, mas Camões era um poeta, não o filósofo perdedor de tempo. E, com os poetas, a sabedoria mantém excelentes relações ao passo que não conhece nenhum filósofo, nem sequer para trocar algumas cartas. Algumas dessas cartas são muito conhecidas. Até pelo povo miúdo que parece viver sempre apenas entre duas dimensões. Mas não vive. Vive apenas alheado da filosofia porque isso é coisa para doutores. Mas canta por esses campos, a poesia viva que brota do seu coração. E canta bem, como os pássaros. É por isso que Portugal é uma país de poetas, não de filósofos e se algum português é filósofo é porque meteu a pata na poça. Às vezes fica tão lamacenta que se torna areia movediça, e de lá não sai. Aliás, esse é o problema da filosofia: não tem saída.
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