Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Hoje escrevi dois textos neste blogue. Um dedicado ao profundíssimo tema da intimidade, outro dedicado a uns miúdos armados em magos que me chatearam pelo caminho. Aquele que mais chamou a atenção foi o texto sobre os miúdos. Mais tarde fui estudar um pouco (o quê? Isso não interessa a ninguém) e depois fui tentar ver imagens antigas no computador cujo rato deixou de funcionar. Depois fartei-me e fui ver televisão. No canal 1 estava a dar (e ainda está) o Prós e Contras dedicado à educação. Apanhei um senhor a queixar-se de que alunos e pais chegavam a agredir professores. Isso é muito comum. Depois outro disse a frase batida de que a educação começa em casa (onde? Se os pais não têm educação como é que a podem dar?), de maneira que, no dia em que os professores começarem a responder a sério, a coisa vai tornar-se desagradável. Os professores só não o fazem por causa da "psicologia" que levou a que sejam penalizados quando respondem. A "psicologia" tem feito maravilhas por todo o lado. Um assassino profissional é um psicopata, ou seja, um monstro é um doente mental. Um professor que responda é um ser pouco dotado de auto-domínio, ou seja, de alguma forma, é um desequilibrado. Todos levam e calam por causa da "psicologia". Mas estas ciências fragmentadas invadiram tudo. O ensino da gramática tornou-se num exercício para linguístas e quem não os acompanha precisa de apoio na escola e, em último caso, é remetido para o psicólogo que vai logo à procura da hiper-actividade e da dislexia, patologias rainhas por entre as crianças. Mas a psicologia invadiu outras áreas como a filosofia e o esoterismo. Os mecanismos de pensamento e do ser residem todos na psicologia, quer seja de uma escola menos evidenciada (Freud, por exemplo aparece muito subterraneamente) ou mais evidenciada, (Jung, por exemplo, aparece muito explicitamente). Os mecanismos psicológicos estão na moda também na política, no marketing, na arte. O problema é que os "mecanismos psicológicos" não são uma ciência exacta nem são uma aproximação à realidade. São um ponto de vista da realidade, mas, se se tornam o centro da realidade, naturalmente, como tudo o que é central, vão moldar essa mesma realidade. De maneira que o que temos é a psicologia a falar de si para si e nada mais do que isso e, por isso, é que as pessoas não mudam. A psicologia molda as pessoas e elas respondem à psicologia exactamente aquilo que a psicologia quer ouvir. Um sopapo só é psicologia por acidente. Um sopapo é um sopapo. As crianças sabem isso, os adultos é que não porque ou são todos psicólogos (independentemente da área), ou são vítimas da psicologia, ou são as duas coisas. Isto atravessa toda a sociedade. Os mais espertos, doseiam o sopapo com a psicologia e são, por isso, considerados "vencedores". Não são. São apenas espertos, da mesma forma que há animais mais espertos do que outros. A inteligência é outra coisa. Está ligada ao coração e quando está ligada à psicologia é por puro acidente. A natureza e o mundo (que é mais do que a natureza), proporcionaram-nos a magnífica capacidade que temos de "prestar atenção", "dar atenção" e de "ter atenção". Já se vê que para "dar" atenção, é preciso "ter" atenção. A atenção é um dos suportes da inteligência ligada ao coração. A atenção, por sua vez, quer dizer "tender para algo". De maneira que, entre o "dar", o "ter" e o "tender", o movimento é de fusão, ou seja, de fusão entre o objecto e o observador. A nossa sociedade confunde a "sugestão" com tudo isto porque a "sugestão" é fundamentalmente "psicológica". Toda a sugestão é a supremacia do observador sobre o objecto. A psicologia é e tem funcionado na sociedade como uma sugestão crescente. Daí que acabe por falar de si para si. Já a atenção, necessita de uma coisa muito simples: a curiosidade. Não há atenção sem curiosidade. Ora, a curiosidade é o contrário de um mecanismo psicológico (que é sempre um sistema fechado e viciado). A curiosidade é um estado duplo de alerta e de abertura (já se vê que estar alerta tem muito significados e não apenas aquele que faz acender certas zonas do cérebro hiper estimulado dessa forma). A curiosidade tem os sistemas que quiser dentro dela, desde que os descubra, já os sistemas não têm ponta de curiosidade porque, no seu universo fechado, já sabem tudo. Uma sociedade "sistemática", quer seja na educação, no regime político, na economia, está condenada à fragmentação e posteriormente à diluição. É por causa dessa diluição que tudo nos parece igual a tudo. Mas não é. Foi o excesso de sistemas que nos conduziu a esse modo de ver as coisas bem como à total separação entre o "ver" e o "sentir". Vejo mas não sinto. Isto contraria o provérbio popular: "Olhos que não vêem, coração que não sente", ou seja uma total identificação entre ver e sentir, sem que haja aqui ponta de psicologia, ou seja, um qualquer mecanismo "psicológico" porque se trata de dois órgãos, os olhos e coração, que se fundem de forma a alcançar a verdade. A verdade do coração. A inteligência do coração. Não há mecanismo psicológico que não passe pelo cérebro do seu "criador" que pensa ser um "descobridor". Mas descobridor, de facto, é o ser humano que faz a descoberta com o coração. Ninguém cria coisa nenhuma porque é impossível criar a partir do zero absoluto. Os criadores são co-criadores, sempre, e isso é um paradoxo. E, como é um paradoxo, não existe. De maneira que o "criador" é um mistério porque não somos nós, pois, ao sê-lo, somos apenas co-criadores e isso não é possível. A criação está ligada à unidade na origem e, em última instância nem existe. A co-criação é que está ligada ao número dois. Mas adiante. A psicologia, ao invadir todos os aspectos da sociedade, acaba por corroê-la gerando-a à sua imagem. A propaganda sabe bem disso... De maneira que este problema dos miúdos andarem a bater nos professores com a ajuda dos pais mostra bem a supremacia da psicologia sobre a pedagogia. Nem os filhos aprendem, nem os pais crescem, nem os professores percebem nada do que está a acontecer porque a sua "psicologia" não funciona... O que torna, isso sim, a sociedade portadora de um problema psicológico grave. E o problema advém do excesso de psicologia em detrimento da inteligência do coração com base na atenção e na curiosidade, entre outras coisas. A psicologia substitui a pedagogia que ensina sobretudo a "ter/dar atenção" e a pensar/ver/sentir com o coração. Assim, andamos nisto e daqui não saímos enquanto as ciências muito "especializadas" lutarem entre si pelo domínio de uma área que devia ser exclusivamente da pedagogia. É mesmo caso para não dizer "A César o que é de César", frase, aliás, da qual nunca gostei. Tornando-se muito mais apropriado dizer "Ao céu o que é do céu". Só assim ele desce. Porque lhe damos peso.
Muito bom
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