quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Os conservadores




Por volta das décadas de 50/60 deu-se uma reviravolta no "conceito de arte", tal como é considerada agora. Se fizermos as contas já lá vão 60/70 anos. Os pós-modernos de hoje são tão conservadores como aqueles a quem chamam conservadores. Na verdade, somos todos conservadores porque depósitos de memórias. Até genéticas. Agora, com consciência, aquilo que distingue todos estes conservadores que somos é aquilo que conservamos. E também o número. Os conservadores daquilo que é mais recente estão a maior número do que os conservadores daquilo que é antigo. A vanguarda, como morre à nascença só pode conservar também. Hoje ia a ouvir a radiotelefonia no carro e disseram que a Rainha Vitória mal soube que Bell tinha inventado o telefone quis logo um para si. Para rainha conservadora não estava nada mal... Faz parte da aristocracia conservadora estar sempre a par das novidades da ciência, o que transtorna os conservadores das coisas mais recentes que pensam ser os únicos com essa virtude. A única vanguarda possível é a da Revelação. Aí , sim, estamos a falar de vanguarda porque tem o poder de retirar os véus das coisas que nos rodeiam e não há nada mais antigo do que a Revelação, aquela coisa de profetas... Acho graça à politização de tudo que acontece nos dias de hoje. Se um indivíduo fala em "beleza" é apelidado conservador, quem sabe mesmo de extrema direita, isto por uma esquerda que conserva os valores nascidos na viragem do século XIX para o XX. Chocante mesmo é a Revelação porque nela se acaba com o tempo e a política nem tem lugar para existir por mais que se esforcem. Do que todos estes cabeças no ar estão mesmo a precisar é de uma Revelação, daquelas boas, à antiga. Ficavam caladinhos, muito caladinhos. Para poderem contemplar um mundo todo novo. Em 2012 vi-me envolvida numa guerra absurda da qual não fazia parte. Gritei, aí o que eu gritei. Só não fui para a rua com cartazes porque não pude. Depois, o meu anjo, um pouco louco, mas meu amigo, resolveu calar-me: deu-me uma Revelação. Berrei, mas o que berrei com ele na mesma. Queria saber o que significava a Revelação. E ele riu-se, ai, o que se riu. Riu-se até que adormecesse exausta e acordasse mais tarde com olhos novos e percebesse o que ele queria dizer. Se já não votava, hoje, ainda menos. Só ponho os pés nas urnas depois de morta e é porque são urnas. Que nome tão apropriado... resolvi conservar essa Revelação no meu frigorífico topo de gama. Para aliar a antiguidade e o "moderno", como a Rainha Vitória. Bem, em dois dias já escrevi duas vezes o nome Vitória, e ou Freud ou Jung hão-de concerteza de arranjar explicação para isto. Que lhes faça bom proveito. Bem a propósito, estes dois. Freud foi um inovador e Jung seu "discípulo", filho, bem mais conservador. Ou será o inverso? Afinal aquelas "pulsões" de que fala Freud são muito "primitivas", antigas, mesmo, e Jung, com aquelas mandalas orientais e a falar do "self" previu as "selfies"? Afinal, são imagens sob as quais todos meditamos muito. A psicanálise é como Deus, está por todo o lado... Nem sei porque é que Nietzsche se deu ao trabalho de matar Deus, a psicanálise fez um trabalho muito melhor. É tão antiga a psicanálise, já agora. Aqueles mitos todos, muito psicológicos, aqueles contos para crianças, do mesmo modo, já existem ao tempo. Tudo gente conservadora. Não há ninguém que se escape ao conservadorismo. Só a Revelação, bem conservada no frigorífico. Não é que precise. Mas já que tenho um topo de gama, pu-la lá. Um dia tiro-a de lá e vamos dar uma volta. Vou levá-la a conhecer o mundo. E o mundo a conhecê-la a ela. Faz falta. Apanhar ar.

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