Prefiro ter uma visão romantizada da História a ter a visão romantizada do presente. Prefiro passar por entre portas de madeira trabalhada a passar por entre portas de vidro e cuja transparência é o inverso da realidade. O meu mundo é feito de barcas de velas amplas e alvas e as memórias que me assaltam surgem de repente. Subindo uma colina, o ângulo do sol bate sobre o mar e sobre o céu, de tal forma, que me encontro num postal antigo onde o tempo é parado e onde todos somos diferentes, num ritmo outro, numa percepção outra da vida. Uma sensação. O tempo e a sua qualidade, nada mais é do que uma sensação. Talvez construída com cacos de literatura dispersos na nossa memória, talvez mais do que isso, por vezes, como se acedessemos, de facto, a outro tempo. O perfume do pinhal junto ao mar tem qualquer coisa dos anos setenta, das matas onde se viam calças à boca de sino e, uma rede preguiçosa e quente, presa entre dois troncos, seja o suficiente, em conjunto com o calor e com esse perfume de pinhas a estalar, para que se esteja numa qualquer infância longínqua. As viagens pelo tempo têm também elas gradações. Umas fruto de memórias, quem sabe, se doutras vidas, outras, fruto de sugestões, outras construções que já foram construídas dentro de outras construções de tempo, outras, pedaços de infâncias que nunca se ausentaram completamente. Mas todas elas possuem um núcleo qualitativo, de tal forma, que cada uma pode ser mesmo um adjectivo que pontua o nosso espaço interior e incomunicável. A razão pela qual é fácil esquecemo-nos de tudo o que se vai passando nesta época tem a ver com essa incapacidade que os acontecimentos têm de parar em si próprios para formarem um adjectivo único e novo. Uma característica que os invada de tal forma que se tornem indepedentes do próprio tempo. E visitáveis mais tarde. O sofrimento gera sempre imagens difusas que só nos voltam a aparecer reais nos sonhos. Já a beleza, o bom, não carece de sonhos quando nos assaltam a meio do caminho de uma colina onde o ângulo do sol toca o céu de tal forma que todo um outro tempo ecoa por dentro e por fora de nós. A contemporaneidade suja tudo com os seus dedos trémulos, como aquelas pessoas que dão várias voltas ao bico da caneta antes de se lançarem num desenho ou num escrito trémulo e inseguro como a sua alma difusa e incapaz de captar o tempo.
Só sabendo que somos felizes, somos felizes. Aquela frase absurda "éramos felizes e não sabíamos" é uma viagem torta que arrasta para o passado a comparação com o presente. Nesses momentos, fixos, envolventes e adjectiváveis, o presente desaparece por completo. Neles somos felizes e sabemos. E, essas visitas, tornam possível a percepção do tempo como coisa mental, mas não só. Como algo que é inteiro. Um postal impossível de se rasgar porque rasgou ele próprio o tempo e nos invadiu para além da nossa incapacidade de ver e sentir o tempo presente romantizado por lhe faltar o charme da inocência e o perfume da entrega sem pensamento.
Só sabendo que somos felizes, somos felizes. Aquela frase absurda "éramos felizes e não sabíamos" é uma viagem torta que arrasta para o passado a comparação com o presente. Nesses momentos, fixos, envolventes e adjectiváveis, o presente desaparece por completo. Neles somos felizes e sabemos. E, essas visitas, tornam possível a percepção do tempo como coisa mental, mas não só. Como algo que é inteiro. Um postal impossível de se rasgar porque rasgou ele próprio o tempo e nos invadiu para além da nossa incapacidade de ver e sentir o tempo presente romantizado por lhe faltar o charme da inocência e o perfume da entrega sem pensamento.
Sem comentários:
Enviar um comentário