Ando a conviver em salas de aula com crianças de doze anos, o número das badaladas do meio-dia e da meia-noite. A matéria que me coube leccionar foi a dos Descobrimentos, palavra que agora o Ministério por pudor, ignorância e sobretudo por aderir à contra-iniciação sem se questionar, substituiu por "Expansão Marítima". Enquanto a pide de esquerda não for à minha sala de aula, a palavra "Descobrimentos" ou "Descobertas" continua a ser proferida até porque, não nos limitámos a expandirmo-nos, fomos além disso e descobrimos muitas coisas. Falava eu dos contactos com outros povos e do que tínhamos aprendido com eles e de como a riqueza deles nos tinha enriquecido a nós quando um aluno hiperactivo me abordou questionando-me: 'E Portugal? O que é que Portugal lhe deu a si, professora? Reparei que a criança num microsegundo me tinha confundido com Portugal o que penso ser muito natural, e respondi-lhe: "O sonho e a poesia, coisas muito importantes". Rápido, o aluno acrescentou: "É verdade, somos um país de sonhadores e de poetas". E nesse instante, um estranho silêncio caiu naquela turma, e todos nós, movendo-nos nesse estranho silêncio, saímos da gruta e vimos surgir à nossa frente o Mar imenso. Este ritual português nunca foi escrito, os seus gestos nunca estiveram gravados e a sua dança nunca foi uma coreografia pré-definida. Ele acontece simplesmente ao longo das Eras. O grande silêncio da consciência de quem somos e de como somos. Ele acontece sem antes nem depois. O tempo pára na profundidade dos seres, a saída da gruta é solene. O mar brilha à nossa frente e a barca do sonho eleva-se até à grande poesia que existe só depois de se ler um poema, só depois de nos lermos a nós. Onde quer que seja, nem que seja com crianças de doze anos, todos juntos, a nascer de novo.
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