O HORIZONTE
Os deuses falavam por gestos porque conheciam os
pensamentos, os nascidos das sementes falavam por gestos porque os
desconheciam. Dois universos paralelos, em quase tudo semelhantes, mas cujo
equilíbrio necessário residia entre esses gestos, em uníssono, criando o
jardim, cada vez mais luxurioso, sem que fosse perceptível a sua riqueza
crescente. Nessa dança entre o humano e o divino, os passos sucediam-se a
partir da melodia jorrando da fonte que eram eles mesmos. E as mãos calejadas
foram desenhando orlas de pomares à beira dos caminhos e das casas solares, com
cal que saia das mãos calejadas, mãos escuras de tanto revolverem a negra
terra, gerando o branco do sol e o azul do mar em pequenos pormenores com que
pintavam as paredes que davam para as ruas. E os caminhos e os pomares desciam
e subiam os montes de onde se via o mar, os escuros vales, os altos cimos de
outros montes, e o círculo do pôr-do-sol que se deixava tocar pelas janelas
quadradas. Deuses e homens trocavam olhares em cima dos seus cavalos,
domesticados pelo pensamento dos deuses, atravessando as florestas
circundantes, subindo a novos montes,
contemplando a linha do horizonte que descia e subia, conforme a sua
posição na montanha, como degraus a desaparecer à medida que são escalados, no
ponto invisível da percepção em que o horizonte de torna vertical, como uma
promessa concedida pelo mar aos que conhecem os caminhos dos pensamentos dos
deuses, paralelos aos caminhos de pedras, bordados por frutas quentes e doces,
num jardim multiplicado em beleza e abundância, com os seus portões de ferro
forjado a dragão e a coroa, em certas alturas quase fechados e de difícil
entrada e noutras, abertos para o mundo para receber as suas vozes, tornando-se,
por isso, de mais difícil acesso, como um pêndulo de uma balança enganadora aos
olhos dos que passavam: quanto mais aberto o portão, mais fechado se tornava o
jardim, quanto mais fechado, mais acessível aos poetas capazes de forçarem as
portas; aos poetas, ladrões de destinos, aventureiros destemidos dos dragões
divinos e das suas chamas ardentes vindas nas palavras de fogo, elevando a
coroa nas escadas erguidas no horizonte marítimo onde tudo parece estar perdido
e se diluí nas águas profundas e negras como as do lago de onde se emerge de um
soluço.
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