segunda-feira, 1 de maio de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS XXVII

 




O HORIZONTE

 

Os deuses falavam por gestos porque conheciam os pensamentos, os nascidos das sementes falavam por gestos porque os desconheciam. Dois universos paralelos, em quase tudo semelhantes, mas cujo equilíbrio necessário residia entre esses gestos, em uníssono, criando o jardim, cada vez mais luxurioso, sem que fosse perceptível a sua riqueza crescente. Nessa dança entre o humano e o divino, os passos sucediam-se a partir da melodia jorrando da fonte que eram eles mesmos. E as mãos calejadas foram desenhando orlas de pomares à beira dos caminhos e das casas solares, com cal que saia das mãos calejadas, mãos escuras de tanto revolverem a negra terra, gerando o branco do sol e o azul do mar em pequenos pormenores com que pintavam as paredes que davam para as ruas. E os caminhos e os pomares desciam e subiam os montes de onde se via o mar, os escuros vales, os altos cimos de outros montes, e o círculo do pôr-do-sol que se deixava tocar pelas janelas quadradas. Deuses e homens trocavam olhares em cima dos seus cavalos, domesticados pelo pensamento dos deuses, atravessando as florestas circundantes, subindo a novos montes,  contemplando a linha do horizonte que descia e subia, conforme a sua posição na montanha, como degraus a desaparecer à medida que são escalados, no ponto invisível da percepção em que o horizonte de torna vertical, como uma promessa concedida pelo mar aos que conhecem os caminhos dos pensamentos dos deuses, paralelos aos caminhos de pedras, bordados por frutas quentes e doces, num jardim multiplicado em beleza e abundância, com os seus portões de ferro forjado a dragão e a coroa, em certas alturas quase fechados e de difícil entrada e noutras, abertos para o mundo para receber as suas vozes, tornando-se, por isso, de mais difícil acesso, como um pêndulo de uma balança enganadora aos olhos dos que passavam: quanto mais aberto o portão, mais fechado se tornava o jardim, quanto mais fechado, mais acessível aos poetas capazes de forçarem as portas; aos poetas, ladrões de destinos, aventureiros destemidos dos dragões divinos e das suas chamas ardentes vindas nas palavras de fogo, elevando a coroa nas escadas erguidas no horizonte marítimo onde tudo parece estar perdido e se diluí nas águas profundas e negras como as do lago de onde se emerge de um soluço.


Sem comentários:

Enviar um comentário