quinta-feira, 25 de maio de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS XXXIV

 


A FUGA DOS HOMENS

 

A robustez das palavras surge da robustez do nosso olhar. Não há cerca maior do que o muro da nossa vivência, ergue-se até às estrelas e acaba por ganhar raízes até ao fundo da terra captando o sol que aí impera. Uma vez erguida, uma cerca, é inderrubável. Uns intuem-na, outros chegam mesmo a vê-la e fazem um silêncio recolhido. Ou fogem. Dentro desses muros não há personagens, há almas que se agitam e vozes postuladas na sua própria vibração. Quem foge por ter espreitado, vai fugindo com o aparente desencanto de um jardim deserto de personagens e regressa rapidamente ao mundo que faz parte da sua vida e, nessa corrida, vai dizendo, vai gritando: “Não é verdade! Não existe!” e não sabe que vai dizendo e gritando que a poesia não é verdade e que não existe e vai correndo em direcção ao mundo, entre o lamento e o alerta, pedindo para que se mantenham afastados do seu próprio centro, de onde tudo emerge e flui em cascata. E as almas do centro do mundo, espreitam essas corridas em fuga e comentam que os fugitivos parecem pássaros a quem tiraram as asas e que, por isso, só sabem correr como se fugissem do fogo das palavras que fazem arder todos os pedaços da vida, restituindo-lhes a cor emergente das cinzas, as jóias dos momentos de enlace com o céu e que não ardem e não arderão nunca. E não sabem que correm para as cinzas do mundo, em direcção ao pó de onde vieram, à poeira das estrelas, de onde vieram, dispersa e ainda não reunida na forma robusta de um deus voador que acompanha, com os olhos, essa fuga que atinge todo o mundo, envolvido pela viagem da Via Láctea pelo universo. A lágrima de um deus cai, para não se rir, cai sobre essa fuga. Submerge essa fuga e torna as almas fugidias em peixes fugindo pelo mar, esquivos às mãos dos pescadores, esquivos aos homens do mar, aos homens das naus que cantam e dançam no convés e enfeitam os mastros com as flores do jardim que vão revelando ao mundo…

 

TU E EU, ESQUIVOS AO MUNDO

 

O nosso olhar são duas aves que se encontram.

 

 


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