A FUGA DOS HOMENS
A robustez das palavras surge da robustez do nosso
olhar. Não há cerca maior do que o muro da nossa vivência, ergue-se até às
estrelas e acaba por ganhar raízes até ao fundo da terra captando o sol que aí
impera. Uma vez erguida, uma cerca, é inderrubável. Uns intuem-na, outros
chegam mesmo a vê-la e fazem um silêncio recolhido. Ou fogem. Dentro desses muros
não há personagens, há almas que se agitam e vozes postuladas na sua própria
vibração. Quem foge por ter espreitado, vai fugindo com o aparente desencanto
de um jardim deserto de personagens e regressa rapidamente ao mundo que faz
parte da sua vida e, nessa corrida, vai dizendo, vai gritando: “Não é verdade!
Não existe!” e não sabe que vai dizendo e gritando que a poesia não é verdade e
que não existe e vai correndo em direcção ao mundo, entre o lamento e o alerta,
pedindo para que se mantenham afastados do seu próprio centro, de onde tudo
emerge e flui em cascata. E as almas do centro do mundo, espreitam essas
corridas em fuga e comentam que os fugitivos parecem pássaros a quem tiraram as
asas e que, por isso, só sabem correr como se fugissem do fogo das palavras que
fazem arder todos os pedaços da vida, restituindo-lhes a cor emergente das
cinzas, as jóias dos momentos de enlace com o céu e que não ardem e não arderão
nunca. E não sabem que correm para as cinzas do mundo, em direcção ao pó de
onde vieram, à poeira das estrelas, de onde vieram, dispersa e ainda não
reunida na forma robusta de um deus voador que acompanha, com os olhos, essa
fuga que atinge todo o mundo, envolvido pela viagem da Via Láctea pelo
universo. A lágrima de um deus cai, para não se rir, cai sobre essa fuga.
Submerge essa fuga e torna as almas fugidias em peixes fugindo pelo mar,
esquivos às mãos dos pescadores, esquivos aos homens do mar, aos homens das
naus que cantam e dançam no convés e enfeitam os mastros com as flores do jardim
que vão revelando ao mundo…
TU E EU, ESQUIVOS AO MUNDO
O nosso olhar são duas aves que se encontram.
Sem comentários:
Enviar um comentário