Há, no extremo oposto de nós, um
lugar reservado ao imenso que em tamanho que somos. Como um mapa que tão bem
conhecemos... E, é desse promontório, tornado sagrado, por o ser, que nos
elevamos à condição do que somos. É, nesse extremo oposto, que há o gesto mais imenso
de que somos capazes, tornando o desejo num sem número de impossíveis, e nele e com ele, resgatamos, como marés, todos os desafortunados e todos os naufragados e todos
os infurtunios e naufrágios de todas as formas pelas quais a vida se reveste.
Nesse promontório, que nos foi
dado como paisagem e no qual, extremo oposto de nós, submersa e imersamente
nos adivinhamos, para lá se estar, com as vestes ainda límpidas e esvoaçantes
neste fim de ciclo, há uma resistência imperceptível a tudo o que nos cerca
como forças tenebrosas, maléficas, caóticas, próprias de um Adamastor que é
todo rocha e histórias tristes. Há, como uma espécie de dança, vinda do fundo
dos tempos, celebrando a vida no que tem de mais genuíno e mais espontâneo e
mais simples, numa claridade e transparência capaz de se fundir com qualquer
gota desse mar onde somos imensos. Há, uma resistência firme incapaz de ceder a
toda a incompreensão, a todo o desamor, a toda a vaga alternativa de horrores
que este fim de ciclo nos dá. A haver uma nova religião, que nem sabemos se é
necessária, ou não, ela será a do mar ou marítima porque só ele nos dá a
dimensão, tanto do infinito espelho do céu, como, ao mesmo tempo, em matéria
viva, em corpo agitado, em vida múltipla, em faces e cores de uma criatividade
transbordante, em alegria exacta espelhando a luz do sol sem a noite negra, só
ele nos explica sem palavras, como um mestre, o papel dos homens na terra e a
forma como, por mais Adamastores que sejamos, estancamos frente ao mar,
estancamos frente ao Vasco da Gama que todos somos, e desaparecemos em sal e
lágrimas, vencidos por nós mesmos, nesse confronto eterno entre nós e o extremo
oposto de nós, onde somos imensos...
(Cynthia Guimarães Taveira)
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