quinta-feira, 18 de abril de 2019

O Anjinho




Andaste vestido de anjinho em criança nas procissões e ainda não paraste de andar nessa figura. Querias que o mundo fosse um violento teatro de orações. Chegado a determinado ponto a vida já não é, nem tem nada de teatral. A realidade domina-nos e as verdades "ainda que opostas" são uma e mesma  verdade como disse o poeta Fernando Pessoa (À Procura da Verdade Oculta - recolha e selecção de António Quadros, Ed. Europa-América). Creio ou quero crer que te diriges às massas como se representasses o papel do "Grande Conversor". Se alguém me converter é porque não me converteu, como costumo dizer. Daí o ridículo das "influencias", das "lavagens ao cérebro" e desses anjinhos inconscientes que se passeiam nas procissões. Fechas os olhos à verdade do real e dos reais sábios. O mundo já foi uma procissão, um desfile de anjinhos inconscientes e viu-se o resultado, como se isso nos pudesse atirar para fora dos ciclos, esses sim determinados, apenas atenuados pelos "saltos" a que poderás chamar de "conversões" mas que são sempre impossíveis quando partem do exterior ou do exterior como estímulo. A idiotia está em pensar que basta ter um símbolo à frente para que este sirva de "suporte" para conversões ou algo semelhante. Estamos rodeados de símbolos desde que existimos e nunca isso foi motor de nada porque o motor, único, verdadeiro e eficaz é o interno. Se nós não contivermos em nós o sentido de todos os símbolos, se nós não os soubermos de cor porque os sabemos já de tal modo os podemos ir desdobrando em palavras, numa imensidão poética, numa co-criatividade divina, num alcance da morte deles (dos símbolos) e na sua plenitude em seguida como Revelação, não seremos mais do que fantoches aparvalhados utilizados nas Guerras Santas que de Santidades nada têm. Se queres a Guerra Santa, eu dar-te-ei o absurdo das guerras, a especulação das matérias primas delas. Se queres mártires, dar-te-ei uma série de Santos que se encontram no limbo tomando-o como Paraíso porque não entenderam nada, nem sabem o básico que é desenrolar os símbolos na imensidão da poesia, até perder de vista, até que eles morram e possam ressurgir em Revelação. Com factos, alimentas o teatro e a ignorância, com poesia, alimentas a verdade e a sapiência. Sempre que vejo um Conversor vejo um Inversor. Tudo o que vem de fora é de fora. Todo o teatro é uma refracção muito triste da realidade. Um anjo tem muito que se lhe diga. Os anjinhos são aqueles que se passeiam em fato branco pelas procissões. Um Anjo, verdadeiro, é outra coisa. Muito poucos criam o seu. Muito poucos, falam de facto com o seu. Muito poucos conhecem o seu e são aqueles que nunca foram convertidos pelas "sugestões" do meio. Os que nunca quiseram nada. Poucos, ainda mais, aqueles que nasceram com o anjo embutido no Gesto e conhecem a Verdadeira Vontade. A conversão é para os adormecidos que são carne para canhão. Os outros sabem onde fica o Paraíso. São poéticos, criativos e onde escrevem "Paz" os adormecidos ouvem "Guerra". Estás a ver o erro de andares com asinhas lindas. O erro foi não teres crescido e teres pensado que a escrita é produto de uma urgência. A escrita é uma mistura de tédio do mundo com um impulso que nos transcende. Só os feios adormecidos nela são capazes ler a Guerra! Santa ainda por cima! Quando um médico cura o que é que faz? Converte? Retira os demónios? Faz Guerra? Não! Cria. Mistura pozinhos, mistura palavras, mistura orações. O que pensas de orações misturadas? Tu que só sabes o Pai Nosso e o Avé Maria num tédio sem fim... Que enjoativo!
Continua nesse teatrinho em que as criancinhas vestidas de anjinhos chegam perto de ti como se fosses o Cristo Rei. Deve ser por isso que as criancinhas de hoje não lêem nada, nem querem saber de nada, não é? Talvez pressintam que possam vir a ser carne para canhão e como não podem fugir para cima fogem para baixo que é sempre a descer e todos os Santos ajudam. Mas preferes assim. Tu e todos os "líderes" actuais. Não há nada como ter uma horda de ignorantes ao serviço no exército do qual te julgas líder e que hão-de servir os interesses dos fabricantes de armas e afins das "reconstruções" das cidades dizimadas. Tu e o teu inimigo são iguais na idiotia. Aliás, viu-se. Vi muita coisa. Foi a criação que me retirou do limbo onde fiquei por uns dias. Uns dias. Julgas que foram anos? Uns dias e vi logo. Lembras-te? "Que grande sarilho em que estamos metidos!". Não acreditaste e ficaste lá. De molho. E sempre a piorar a situação, a passar, já adulto, vestidinho com asas, na procissão. Se não fosse o meu anjo de asas maiores do que as minhas, com voz de trovão e o coração em chamas ainda lá estava. Livrei-me de boa! E não digo "livrou-me" porque há momentos em que não sei onde acabo e onde começa ele. É essa a diferença. O teatro não tem lugar onde a verdade nos trespassa.

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