segunda-feira, 8 de julho de 2019
Coisas sérias e a sério
Foi no chão daquele estúdio de ballet que tudo se passou. Andei no ballet em miúda e parte da adolescência. Só uma ou duas vezes por ano tínhamos uma aula livre. O resto do ano eram, excercícios, excercícios e excercícios. O dia da aula livre não era anunciado. Era surpresa. Dividia-se a turma em dois grupos. Depois a professora perguntava: "Quem quer ser a coreógrafa?". Duas de nós tínhamos de dar um passo em frente para escolher a música e coreografar cada grupo. Normalmente era tímida, mas nessa ocasião nunca era. Avançava. Escolhia a música. Metade fazia a dança dos fru-frus, do lago do cisnes ou algo semelhante. A outra metade, coreografada por mim, dançava outra coisa. Já tínhamos tido classicismo suficiente. Dispunha-as em fila. Dançavam a marcha triunfal. Gestos precisos. Sem darem saltos. Inclinavam-se para um lado e para o outro. Os braços faziam o resto da dança. Dispunha-as em fila. As outras, da outra coreografia faziam o ritmo da flor, abrindo e fechando em círculos. As minhas dispostas em fila, sem perceber muito bem onde queria chegar. Trocavam de lugar, às vezes. O único propósito era o de acompanhar o triunfo da música. Nunca lhes expliquei isso. Dava-se graças com as palmas das mãos viradas para cima e os braços erguidos e afastados. Foi nesse chão do estúdio que tudo aconteceu. A vanguarda, espreitava. Triunfava. Depois de excercícios, excercícios e excercícios de bailado clássico. A vanguarda entrava triunfante. Atravessava as bailarinas circulares, em fila, como uma seta e encontrava a sua glória para além do classicismo, encontrava o seu triunfo na Tradição, porque atravessava, em fila, como uma lança, o cálice circular das flores. Era o Universo de Eros no seu esplendor. No chão, bem no chão do estúdio.
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