domingo, 20 de outubro de 2019

Directamente do jardim


Os textos são espontaneamente feitos com flores que nascem espontaneamente no jardim.
Diz povo que a verdade é como o azeite e é curioso o simbolismo do azeite que servia para ungir vindo da oliveira, árvore biblicamente conotada com a bonança. Senti no ar choques que não provinham de mim com o último texto aqui publicado. Numa época em que a malfadada palavra tolerância (palavra e sentimento que nada tem a ver com o amor, antes pelo contrário, soa a comportamento adoptado ou a raiva amainada pelo politicamente correcto), dizia, numa época em que a palavra tolerância anda nas bocas de todo o mundo mas que, ao observar à volta, facilmente se vê que ninguém se tolera e se o faz é por causa do politicamente correcto, dizer que a verdade se deve sobrepor a esse sentimento impingindo pelos políticos parece ser chocante. Na verdade, de verdade e em verdade, facilmente largam das suas bocas a palavra tolerância enquanto a palavra verdade parece esquivar-se por implicar dois preconceitos. O primeiro é que ninguém é dono de verdade, se fôr dono da verdade é um tirano, o segundo é que a verdade mata a desonestidade e isso não é muito interessante nem para políticos nem para os carneiros que os seguem. Ainda assim, mau-grado ter tido a sensação de que confrontar a tolerância com a verdade não tinha caído nas boas graças de pessoas que têm de si a imagem de caridosas - a generosidade nada tem a ver com a caridade - tive há pouco tempo uma história de vida, que não vou contar porque envolve terceiros, cuja base é exactamente essa. A tolerância que pratiquei por alguns anos tinha uma razão de ser. No meu íntimo, na verdade, sabia que ao ser tolerante iria tentar suavizar a fúria contida de algumas pessoas, daquele animal que está agachado nelas e pronto a saltar e que sempre o vi, agachadinho mas ao qual dei muitas festinhas tolerantes e com quem pratiquei a caridade (generosidade não foi porque o animal agachado não sabe o que isso é), até que um dia, depois de anos nisso, fiz uma observação simples, coisa de nada que teria passado despercebido se o animal não estivesse especialmente nervoso - o animal é um conjunto de pessoas e eis que a verdade irrompeu, e o animal deu um salto incrível. A verdade que guardava no meu íntimo sobrepôs-se num instante a toda e qualquer espécie de tolerância até aí praticada por saber que se tratava de um animal cruel e sedento de violência. Deste modo, este paraíso artificial de tolerância que nos querem vender a toda a hora pode ser até praticável por algum tempo mas, mais tarde ou mais cedo, por uma qualquer razão razoável ou pouco razoável, é engolido pela verdade do próprio inferno em que as criaturas vivem e sempre viveram. Somente a verdade nos pode dar um cheirinho do paraíso e, contra factos, não há argumentos. É coisa de azeite e de oliveiras acima das águas tenebrosas e turbulentas. Do jardim vêm as flores com que se faz um texto. Do jardim do paraíso, claro, porque as histórias são os homens que as fazem e as contam.

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