Neste Momento
Não encontro, neste momento, motivo
de orgulho para Portugal, além de uns quantos personagens que se destacam em
áreas específicas. O ambiente cultural é uma cópia infeliz do estrangeiro e
devia ser nele que o carácter de um país se delineia intencionalmente. O aspecto
inconsciente pertence ao povo, quando há povo. Encontro, sobretudo, fadiga. Nem
sei se é possível pensar um país face ao monstro que nos espera lá fora. O monstro
é o próprio caminho que o mundo está a tomar: um de um artificialismo radical. É
certo que a mão divina não larga o mundo. Quando largar, acaba-se o mundo, mas
há alturas em que essa mão não é tão visível assim. Confundimos tecnologia com
melhoramento, com avanço, quando a única coisa que melhora é a própria
tecnologia e, mesmo assim, sem nós, humanos, fica fora de si. O velho Golem
sempre à espreita. As indicações para Portugal seriam as de um regresso às suas
próprias raízes culturais. O turismo, e já antes dele, levou à recuperação de
um certo orgulho nos nossos alimentos. Também certas formas de artesanato são
motivo de orgulho. É um orgulho directo que não problematiza muito as questões.
Relativamente à cultura, as coisas já não se passam assim. Existem várias
tendências. As dominantes são as velhas estrangeiradas. Já um pouco decadentes,
tortas no andar, com um dos saltos altos prestes a partir-se, rugas
evidenciadas por uma maquilhagem totalizante no rosto, e um batom vermelho,
ligeiramente desbotado depois de uma refeição. Enfim, o resultado de se andar
sempre a galope de modas culturais do estrangeiro. Os romancistas pululam. Vivemos
numa época internacional de arte democrática, acessível a todos os que nela
participam: os que usufruem dela e os que a produzem. Assim, vivemos numa festa
permanente daquilo que nos parece ser criatividade embora seja, na maioria das
vezes, pura fantasia. Vivemos num carnaval criativo, com tudo o que o carnaval
representa tradicionalmente e não só. Por outro lado, a arte, ou aquilo que se
entende hoje por arte, nunca serviu tanto a política e, quando é mais rigorosa,
as ideologias nascidas depois da Revolução Francesa. Outra tendência reside
apenas num pequeníssimo nicho de pessoas que leu alguns autores portugueses que
se situam na linhagem especificamente patriótica. Nesse nicho, o peso de
Portugal no mundo, é grande, quer seja no passado, quer seja no futuro e, se
possível, no presente. É assim que cada golo do Ronaldo quase parece ser visto
como um sinal do Quinto Império. Cada cientista que se destaca no estrangeiro,
é visto como um evidente produto da “qualidade intelectual portuguesa” com um
lugar no mundo incontornável. Ninguém sabe descrever ao certo o que será o
Quinto Império. O último português a escrever sobre ele com cabeça
tronco e membros foi Fernando Pessoa. Tomou-o, ou interpretou-o como um Império
Cultural, o que é evidente: todos os impérios são culturais também. Até os
económicos não se livram de arrastar consigo a cultura, nem que seja a cultura
económica. Depois dele, talvez Dalila Pareira da Costa tenha sido mais precisa
e tenha ido mais fundo naquilo que se espera que seja uma outra Era. Como o
ambiente cultural dessa tendência está preenchido por homens, a maioria com uma
misoginia inconsciente, latente e emergente, a voz desta senhora foi
misteriosamente calada e ocultada dos assuntos em apreço. Esse é um problema (e não é pequeno) que o país tem de resolver. Somos um país, neste momento,
pequeno e sem meios. A única esperança reside na iniciação. Não na virtual,
praticada um pouco por todo o lado, mas na efectiva e escondida, oculta. Ela é a
garantia de futuro para o país. Dalila, tal como Pessoa, fizeram bem a
distinção entre erudição e cultura. A cultura passa por todo o ser, a erudição
passa, sobretudo, pela vaidade e pela contabilidade. Resta uma esperança
verdadeiramente silenciosa na iniciação. A única forma de uma intervenção do
alto vir a acontecer e á não deixar o país morrer, fazendo com que este se cumpra
naquilo que tem de se cumprir: na inauguração de uma outra Era. Um problema
fundamental que a iniciação levanta reside no facto de ser qualitativa. É um
problema para os nossos olhos, tão habituados à quantidade. E o outro problema
que ela coloca é o da simultaneidade do tempo. É um problema para os nossos
olhos, tão habituados ao tempo linear, contínuo e fluído. A escatologia é muito
mais complexa do que se imagina. Neste preciso momento, acontece o “fim do
mundo”. Acontece em alguém, para além do tempo contínuo em que vivemos. O sebastianismo,
não é mais do que a crença em que existe um “alguém”, capaz de inaugurar essa outra
Era, que será de Ouro, segundo a ordem cíclica. Como Sampaio Bruno bem deu a
entender, esse “alguém” é abstracto. Numa época em que se procura controlar
tudo de todas as maneiras (fonte da imensidão de depressões actuais), há
elementos incontroláveis. Acontecimentos incontroláveis. Coisas que estão fora
do nosso alcance, por mais que achemos que temos o controlo sobre tudo, é esse
aliás, o timbre da nossa época: a oscilação entre o controlo máximo e o
descontrolo total. Pelo meio existirá um descontrolo que é um controlo vindo do
alto. É nesse seguramente que tudo assenta. Até a própria vida na terra. Neste momento,
intelectualmente, dentro dessa tendência que assume a importância do papel de
Portugal no mundo, temos sobretudo seitas, ora constituídas por apenas um
individuo, ora constituídas por vários. A sua principal prática intelectual é
mostrar que é intelectual, isto para além gostarem de revelar o profundo desentendimento
que existe entre todos. Pelo menos é o que espelham, mesmo que depois acabem,
como bons políticos, se encontrem em boas almoçaradas, afirmando as célebres e gastas
palavras “há lugar para todos” e que nunca se percebe bem se são produto de uma
democracia ou de uma anarquia profunda e inferior. Desta forma, a espera silenciosa
e a crença oculta na verdadeira iniciação parece ser o único passo a dar, isto se
queremos ser verdadeiros connosco próprios. E já é um passo, bastante grande
fazê-lo. Por não ser fácil.
Sem comentários:
Enviar um comentário