quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Neste Momento


Não encontro, neste momento, motivo de orgulho para Portugal, além de uns quantos personagens que se destacam em áreas específicas. O ambiente cultural é uma cópia infeliz do estrangeiro e devia ser nele que o carácter de um país se delineia intencionalmente. O aspecto inconsciente pertence ao povo, quando há povo. Encontro, sobretudo, fadiga. Nem sei se é possível pensar um país face ao monstro que nos espera lá fora. O monstro é o próprio caminho que o mundo está a tomar: um de um artificialismo radical. É certo que a mão divina não larga o mundo. Quando largar, acaba-se o mundo, mas há alturas em que essa mão não é tão visível assim. Confundimos tecnologia com melhoramento, com avanço, quando a única coisa que melhora é a própria tecnologia e, mesmo assim, sem nós, humanos, fica fora de si. O velho Golem sempre à espreita. As indicações para Portugal seriam as de um regresso às suas próprias raízes culturais. O turismo, e já antes dele, levou à recuperação de um certo orgulho nos nossos alimentos. Também certas formas de artesanato são motivo de orgulho. É um orgulho directo que não problematiza muito as questões. Relativamente à cultura, as coisas já não se passam assim. Existem várias tendências. As dominantes são as velhas estrangeiradas. Já um pouco decadentes, tortas no andar, com um dos saltos altos prestes a partir-se, rugas evidenciadas por uma maquilhagem totalizante no rosto, e um batom vermelho, ligeiramente desbotado depois de uma refeição. Enfim, o resultado de se andar sempre a galope de modas culturais do estrangeiro. Os romancistas pululam. Vivemos numa época internacional de arte democrática, acessível a todos os que nela participam: os que usufruem dela e os que a produzem. Assim, vivemos numa festa permanente daquilo que nos parece ser criatividade embora seja, na maioria das vezes, pura fantasia. Vivemos num carnaval criativo, com tudo o que o carnaval representa tradicionalmente e não só. Por outro lado, a arte, ou aquilo que se entende hoje por arte, nunca serviu tanto a política e, quando é mais rigorosa, as ideologias nascidas depois da Revolução Francesa. Outra tendência reside apenas num pequeníssimo nicho de pessoas que leu alguns autores portugueses que se situam na linhagem especificamente patriótica. Nesse nicho, o peso de Portugal no mundo, é grande, quer seja no passado, quer seja no futuro e, se possível, no presente. É assim que cada golo do Ronaldo quase parece ser visto como um sinal do Quinto Império. Cada cientista que se destaca no estrangeiro, é visto como um evidente produto da “qualidade intelectual portuguesa” com um lugar no mundo incontornável. Ninguém sabe descrever ao certo o que será o Quinto Império. O último português a escrever sobre ele com cabeça tronco e membros foi Fernando Pessoa. Tomou-o, ou interpretou-o como um Império Cultural, o que é evidente: todos os impérios são culturais também. Até os económicos não se livram de arrastar consigo a cultura, nem que seja a cultura económica. Depois dele, talvez Dalila Pareira da Costa tenha sido mais precisa e tenha ido mais fundo naquilo que se espera que seja uma outra Era. Como o ambiente cultural dessa tendência está preenchido por homens, a maioria com uma misoginia inconsciente, latente e emergente, a voz desta senhora foi misteriosamente calada e ocultada dos assuntos em apreço. Esse é um problema (e não é pequeno) que o país tem de resolver. Somos um país, neste momento, pequeno e sem meios. A única esperança reside na iniciação. Não na virtual, praticada um pouco por todo o lado, mas na efectiva e escondida, oculta. Ela é a garantia de futuro para o país. Dalila, tal como Pessoa, fizeram bem a distinção entre erudição e cultura. A cultura passa por todo o ser, a erudição passa, sobretudo, pela vaidade e pela contabilidade. Resta uma esperança verdadeiramente silenciosa na iniciação. A única forma de uma intervenção do alto vir a acontecer e á não deixar o país morrer, fazendo com que este se cumpra naquilo que tem de se cumprir: na inauguração de uma outra Era. Um problema fundamental que a iniciação levanta reside no facto de ser qualitativa. É um problema para os nossos olhos, tão habituados à quantidade. E o outro problema que ela coloca é o da simultaneidade do tempo. É um problema para os nossos olhos, tão habituados ao tempo linear, contínuo e fluído. A escatologia é muito mais complexa do que se imagina. Neste preciso momento, acontece o “fim do mundo”. Acontece em alguém, para além do tempo contínuo em que vivemos. O sebastianismo, não é mais do que a crença em que existe um “alguém”, capaz de inaugurar essa outra Era, que será de Ouro, segundo a ordem cíclica. Como Sampaio Bruno bem deu a entender, esse “alguém” é abstracto. Numa época em que se procura controlar tudo de todas as maneiras (fonte da imensidão de depressões actuais), há elementos incontroláveis. Acontecimentos incontroláveis. Coisas que estão fora do nosso alcance, por mais que achemos que temos o controlo sobre tudo, é esse aliás, o timbre da nossa época: a oscilação entre o controlo máximo e o descontrolo total. Pelo meio existirá um descontrolo que é um controlo vindo do alto. É nesse seguramente que tudo assenta. Até a própria vida na terra. Neste momento, intelectualmente, dentro dessa tendência que assume a importância do papel de Portugal no mundo, temos sobretudo seitas, ora constituídas por apenas um individuo, ora constituídas por vários. A sua principal prática intelectual é mostrar que é intelectual, isto para além gostarem de revelar o profundo desentendimento que existe entre todos. Pelo menos é o que espelham, mesmo que depois acabem, como bons políticos, se encontrem em boas almoçaradas, afirmando as célebres e gastas palavras “há lugar para todos” e que nunca se percebe bem se são produto de uma democracia ou de uma anarquia profunda e inferior. Desta forma, a espera silenciosa e a crença oculta na verdadeira iniciação parece ser o único passo a dar, isto se queremos ser verdadeiros connosco próprios. E já é um passo, bastante grande fazê-lo. Por não ser fácil.

 

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