Quando há uma tendência inata para se possuir um espírito
Inquisidor, ou Totalitário, essa tendência encontra, nesta época, terreno
fértil para a sua idiotia e por via do mais absurdo dos argumentos: a
tolerância e o suposto “respeito” por ideias divergentes. A falta de coluna
vertebral é disfarçada com princípios vagos de tolerância. Esses princípios são
vagos e sem fronteiras definidas a não ser por cada um que é, no fundo,
ditador. Um espírito tolerante é aquele que aceita tudo, mas cuja própria
vontade está acima de qualquer outra alternativa. Sempre detestei a palavra
tolerância porque nasce e vive numa espécie de violência contida, na chamada violência
passiva que consegue ser mais enervante do que a efectiva. Isto a propósito dos
republicanos que não toleram os monárquicos. A ética republicana (que não
tolera clientelismos… boa piada, basta ver o que se passa em Portugal e o que
se vai passar agora com os fundos comunitários que estão a chegar), tolera os
monárquicos remetendo-os para o silêncio. Para a prateleira dos “coitadinhos”,
às vezes mesmo, de uma forma brejeira, para a prateleira dos “ridículos”. Os seus
argumentos são simples: os monárquicos compactuam com o clientelismo, os
monárquicos não possuem ética porque o sangue está acima de tudo, os
monárquicos não têm o direito, nem natural (quanto mais divino) de governar. Os
detentores do futuro, de uma sociedade justa, equilibrada e tolerante são os
republicanos. Os monárquicos são chão que já deu uvas. Isto num país cujas
republicas nunca tornaram o país grande e nem sequer toleraram o pensamento que,
como país constituído há quase um milénio (na minha perspetiva o país está
constituído há muito mais tempo do que isso: somos o caso típico da pescada que
antes de o ser já o era), possa ter um papel único relativamente aos outros
países porque, segundo os republicanos, as repúblicas são todas iguais. A marca
distintiva fica apenas para os nomes dos Presidentes da República que vão
instalando arraiais em Belém. Os republicanos usurparam o nome do país e substituíram-no
pelo seu, temporário e frágil e que vêem nesses anos diminutos que variam entre
cinco a dez anos a marca da eternidade… ou da eternidade que conseguem alcançar.
Há uns anos, um grande republicano, Miguel Real, escrevia sobre a “morte de
Portugal”, e talvez seja esse o desejo inconsciente de um republicano convicto.
Se as repúblicas são todas iguais e se elas, num grau último se podem fundir
em Estados Federados, as pátrias deixam de ter qualquer importância e a família
real é patética no meio de tantas famílias, todas iguais e bem definidas no seu
mundo indefinido, dissolvidas no pantanal das leis. Os pantanais das leis donde
normalmente se esquivam os corruptos, os desordeiros, os malfeitores. Ainda ontem,
numa série de televisão alguém comparava as leis a uma teia que só apanhava
moscas e mosquitos deixando fugir os besouros e abelhões… a república tem a lei
do seu lado, nunca o símbolo porque o símbolo serve a grandes e a pequenos, é
um farol acima da lei. A apropriação dos símbolos nacionais pelos Presidentes
da República tem em vista o enaltecer dessa Lei (que nunca é símbolo) onde
pairam, acima dela, bandos de clientelas, de compadrios, de capelinhas, de
instituições corruptas. Normalmente, o argumento dos republicanos não vai além
do simples “sou melhor do que tu” porque não há muito mais a dizer. Queixam-se de que nunca viram uma monarquia exemplar e esquecem-se de que nunca houve uma república
exemplar. Em Portugal é frequente vermos monárquicos não assumidos publicamente
(cai mal dizer-se que se é monárquico, entra-se mesmo na esfera do detestável e,
por vezes, do “coitadinho está desfasado do tempo") que dizem coisas como “ há
que ser tolerante e respeitar os republicanos ainda que eles dêem cabo da monárquica
que sonhamos”, esta última parte da frase fica omissa, no lugar do silêncio onde
os republicanos querem que fique. Há também muitos monárquicos que não dizem
que são, por vergonha. E há os idiotas e perigosos que dizem que o são, mas que
não são outra coisa a não ser pessoas (caminham para deixarem de ser pessoas a
passos largos para se tornarem robôs) formadas pelas ideias tanto do Facebook,
como pelas ideias da Extrema Direita, provinda do Nacional Socialismo,
socialistas portanto… (basta estudar um bocadinho para se ver o que são os
socialismos de esquerda e de direita, e, para quem não percebe, a palavra “
socialismo” provém de social, ou seja “das massas” e isto é ponto assente). A
extrema direita nunca toleraria uma monarquia porque a esta lhe falta as massas
que elegem o ditador a partir de elas próprias e não a partir de uma família
real (antigamente o rei era aclamado, ou seja, adoptado pelo povo, por entre os
candidatos ao trono provindos de famílias nobres, e essa pequena diferença é a
que existe entre uma elite e uma massa de gente: a proveniência do governante).
Os monárquicos não assumidos e os
republicanos assumidos, entendem-se perfeitamente porque são frutos da mesma
árvore. Os primeiros deitam-se e rebolam-se às ordens dos segundos e vivem
felizes para sempre. Dizer abertamente que se é monárquico (sem se ser de
extrema direita ou doutro partido conservador qualquer) normalmente provoca uma
ira inflamada, mais ou menos visível no republicano (o sonho interior de qualquer
republicano é exercer o poder, mesmo que
não tenha qualificações para isso e delega, por isso, essa possibilidade a
alguém que é “um dos seus”, um irmão da mesma ninhada, um compensador, “não
estou lá eu mas está o meu irmão”, ou seja, a raiz do próprio clientelismo) e
provoca um silêncio embaraçado nos monárquicos não assumidos. Entre a ira e o
embaraço, entendem-se todos, encontram-se nas urnas na hora de votar e a seguir
vão almoçar brindando à fraternidade. Evidentemente que o mais importante fica
por dizer porque não há discussão possível. Aliás, como bons burgueses, não
querem discussões, querem manter as aparências. Quando dizem que “monárquicos e
republicanos se devem respeitar”, lembro-me do respeito que houve aquando a
mudança de Regime. É sabido que a transição de Regime foi pacífica. Feita com
um enorme respeito. Muita honra. Os republicanos silenciaram os monárquicos com
promessas de um mundo melhor e mais justo. Foi só isso que aconteceu. A “tábua
rasa” da História, apanágio de espíritos ditatoriais. Mais valia dizerem para
os monárquicos estarem calados, era mais franco. A “tábua rasa” da História
prevê e deseja o fim de Portugal. É só isso. E esse fim é feito e tecido por
gente sem coluna vertebral por mais colunas que possam ter certos templos seus.
Ser-se monárquico é outra louça. É estar sozinho trazendo o povo no coração.
Nunca vi isso num republicano. Normalmente dizem “juntos somos mais fortes”, o número
a vencer e a convencer. O coração ausente, substituído pela euforia da batalha
na cruzada contra Portugal. E a coragem também está ausente, substituída pelos corpos dos
outros. Respeito? Respeito quem merece.
terça-feira, 6 de outubro de 2020
Os ditadores tolerantes
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