terça-feira, 6 de outubro de 2020

Os ditadores tolerantes





 

Quando há uma tendência inata para se possuir um espírito Inquisidor, ou Totalitário, essa tendência encontra, nesta época, terreno fértil para a sua idiotia e por via do mais absurdo dos argumentos: a tolerância e o suposto “respeito” por ideias divergentes. A falta de coluna vertebral é disfarçada com princípios vagos de tolerância. Esses princípios são vagos e sem fronteiras definidas a não ser por cada um que é, no fundo, ditador. Um espírito tolerante é aquele que aceita tudo, mas cuja própria vontade está acima de qualquer outra alternativa. Sempre detestei a palavra tolerância porque nasce e vive numa espécie de violência contida, na chamada violência passiva que consegue ser mais enervante do que a efectiva. Isto a propósito dos republicanos que não toleram os monárquicos. A ética republicana (que não tolera clientelismos… boa piada, basta ver o que se passa em Portugal e o que se vai passar agora com os fundos comunitários que estão a chegar), tolera os monárquicos remetendo-os para o silêncio. Para a prateleira dos “coitadinhos”, às vezes mesmo, de uma forma brejeira, para a prateleira dos “ridículos”. Os seus argumentos são simples: os monárquicos compactuam com o clientelismo, os monárquicos não possuem ética porque o sangue está acima de tudo, os monárquicos não têm o direito, nem natural (quanto mais divino) de governar. Os detentores do futuro, de uma sociedade justa, equilibrada e tolerante são os republicanos. Os monárquicos são chão que já deu uvas. Isto num país cujas republicas nunca tornaram o país grande e nem sequer toleraram o pensamento que, como país constituído há quase um milénio (na minha perspetiva o país está constituído há muito mais tempo do que isso: somos o caso típico da pescada que antes de o ser já o era), possa ter um papel único relativamente aos outros países porque, segundo os republicanos, as repúblicas são todas iguais. A marca distintiva fica apenas para os nomes dos Presidentes da República que vão instalando arraiais em Belém. Os republicanos usurparam o nome do país e substituíram-no pelo seu, temporário e frágil e que vêem nesses anos diminutos que variam entre cinco a dez anos a marca da eternidade… ou da eternidade que conseguem alcançar. Há uns anos, um grande republicano, Miguel Real, escrevia sobre a “morte de Portugal”, e talvez seja esse o desejo inconsciente de um republicano convicto. Se as repúblicas são todas iguais e se elas, num grau último se podem fundir em Estados Federados, as pátrias deixam de ter qualquer importância e a família real é patética no meio de tantas famílias, todas iguais e bem definidas no seu mundo indefinido, dissolvidas no pantanal das leis. Os pantanais das leis donde normalmente se esquivam os corruptos, os desordeiros, os malfeitores. Ainda ontem, numa série de televisão alguém comparava as leis a uma teia que só apanhava moscas e mosquitos deixando fugir os besouros e abelhões… a república tem a lei do seu lado, nunca o símbolo porque o símbolo serve a grandes e a pequenos, é um farol acima da lei. A apropriação dos símbolos nacionais pelos Presidentes da República tem em vista o enaltecer dessa Lei (que nunca é símbolo) onde pairam, acima dela, bandos de clientelas, de compadrios, de capelinhas, de instituições corruptas. Normalmente, o argumento dos republicanos não vai além do simples “sou melhor do que tu” porque não há muito mais a dizer. Queixam-se de que nunca viram uma monarquia exemplar e esquecem-se de que nunca houve uma república exemplar. Em Portugal é frequente vermos monárquicos não assumidos publicamente (cai mal dizer-se que se é monárquico, entra-se mesmo na esfera do detestável e, por vezes, do “coitadinho está desfasado do tempo") que dizem coisas como “ há que ser tolerante e respeitar os republicanos ainda que eles dêem cabo da monárquica que sonhamos”, esta última parte da frase fica omissa, no lugar do silêncio onde os republicanos querem que fique. Há também muitos monárquicos que não dizem que são, por vergonha. E há os idiotas e perigosos que dizem que o são, mas que não são outra coisa a não ser pessoas (caminham para deixarem de ser pessoas a passos largos para se tornarem robôs) formadas pelas ideias tanto do Facebook, como pelas ideias da Extrema Direita, provinda do Nacional Socialismo, socialistas portanto… (basta estudar um bocadinho para se ver o que são os socialismos de esquerda e de direita, e, para quem não percebe, a palavra “ socialismo” provém de social, ou seja “das massas” e isto é ponto assente). A extrema direita nunca toleraria uma monarquia porque a esta lhe falta as massas que elegem o ditador a partir de elas próprias e não a partir de uma família real (antigamente o rei era aclamado, ou seja, adoptado pelo povo, por entre os candidatos ao trono provindos de famílias nobres, e essa pequena diferença é a que existe entre uma elite e uma massa de gente: a proveniência do governante).  Os monárquicos não assumidos e os republicanos assumidos, entendem-se perfeitamente porque são frutos da mesma árvore. Os primeiros deitam-se e rebolam-se às ordens dos segundos e vivem felizes para sempre. Dizer abertamente que se é monárquico (sem se ser de extrema direita ou doutro partido conservador qualquer) normalmente provoca uma ira inflamada, mais ou menos visível no republicano (o sonho interior de qualquer republicano é exercer o poder, mesmo  que não tenha qualificações para isso e delega, por isso, essa possibilidade a alguém que é “um dos seus”, um irmão da mesma ninhada, um compensador, “não estou lá eu mas está o meu irmão”, ou seja, a raiz do próprio clientelismo) e provoca um silêncio embaraçado nos monárquicos não assumidos. Entre a ira e o embaraço, entendem-se todos, encontram-se nas urnas na hora de votar e a seguir vão almoçar brindando à fraternidade. Evidentemente que o mais importante fica por dizer porque não há discussão possível. Aliás, como bons burgueses, não querem discussões, querem manter as aparências. Quando dizem que “monárquicos e republicanos se devem respeitar”, lembro-me do respeito que houve aquando a mudança de Regime. É sabido que a transição de Regime foi pacífica. Feita com um enorme respeito. Muita honra. Os republicanos silenciaram os monárquicos com promessas de um mundo melhor e mais justo. Foi só isso que aconteceu. A “tábua rasa” da História, apanágio de espíritos ditatoriais. Mais valia dizerem para os monárquicos estarem calados, era mais franco. A “tábua rasa” da História prevê e deseja o fim de Portugal. É só isso. E esse fim é feito e tecido por gente sem coluna vertebral por mais colunas que possam ter certos templos seus. Ser-se monárquico é outra louça. É estar sozinho trazendo o povo no coração. Nunca vi isso num republicano. Normalmente dizem “juntos somos mais fortes”, o número a vencer e a convencer. O coração ausente, substituído pela euforia da batalha na cruzada contra Portugal. E a coragem também está ausente, substituída pelos corpos dos outros. Respeito? Respeito quem merece.

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