O Império que se faz
Remetemo-nos para uma espécie de
interior, porque há várias espécies de interior. Nesta, o que vemos é aquilo
que vimos neste dia até ao ponto pérola do tempo que é atingido sempre que
escrevemos. E vimos já tanto desde que o sol nos acordou, afastando os sonhos
que pensamos nossos. Concluímos que nada ou pouco sabemos neste vaivém na
esfera da alma esférica. O dia é um leque de pétalas abrindo-se lentamente até
ao meio-dia e, depois, a partir do meio-dia zénite de esperança, vai-se
fechando lentamente, de um modo muito mais imperceptível do que quando se abriu.
A classe subatómica das palavras é da mesma natureza do que a dos gestos e, nem
uns, nem outros se repetem exatamente porque a intenção, grão de mostarda do
seu âmago, varia com as cores do dia e com os timbres de luz, sempre trémula
neste mundo, e nascendo espontaneamente como sementes sortidas lançadas à
terra. Se os dias passam por nós como imperadores, em carruagens douradas de fim
de dia, nós, num movimento aparentemente oposto, passamos pelos dias, como
imperadores de um império situado noutro hemisfério. Cruzamo-nos ao meio dia,
envoltos em verdes capas enquanto o sol, no alto, nos lembra o seu próprio império.
Há um triângulo natural que se forma entre nós, os dias e o sol, acima, a essa
hora. E a nítida evidência dele, clarifica-nos os gestos e as palavras e a luz
que do alto se deixa verter sobre esse instante. Há um meio dia para tudo, sem sombras,
nem análises excessivas. Apenas a evidência dos impérios brilhando em mármore, acompanhando
a luz de todas as horas: dourado, rosado, lilás… os impérios são sempre revelações
do que desconhecemos em nós e neles as cores aparecem e conjugam-se em padrões incansáveis
na demanda da variedade que é só verdade. Os únicos impérios de verdade são
tecidos, de avessos escondidos num canto do universo e, do outro lado, mármores
aos sóis. Todos os impérios são acompanhamentos do sol no seu percurso e neles
o sol nunca se põe porque o avesso do império é o contrário do sonho que o fez.
Quando o sol, pela manhã nos desperta e nos afasta os sonhos, revela-nos o
sonho maior que o império é. Sol, sonho e nós, o triângulo perfeito, em plena
atmosfera visível, a meio do dia, para além do tempo.
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