Os nomes das sereias são impronunciáveis porque são de uma
outra linguagem. Nós chamamos-lhes apenas “sereias” e nunca as vimos. Então
quando Adão nomeou os animais, as plantas e as coisas do mundo provavelmente
nomeou também o que não viu, mas imaginou. Imaginou seres meio mulher, meio
peixe e chamou-as “sereias”, mas não sabe a língua que elas utilizam para o nomear
a ele. Ele, na língua delas, pode até ser chamado de “Último Homem” o último
homem que lhes chamou “sereias” porque mais nenhum a seguir a ele lhes deu
outro nome e antes dele, não sabemos se houve outros na imaginação delas. Se é
que elas têm imaginação e não são apenas imaginadas. Podemos imaginar seres com
imaginação suficiente para imaginar outros seres com imaginação suficiente… e
assim sucessivamente, num eclodir de linguagens e imagens sem fim, sem que importe
onde começa e acaba essa imaginação. A nossa vida é apenas uma fatia de bolo
fermentado que cresce incessante dentro do forno, isto para uns. Para outros, a
nossa vida é um retalho na vida de um Deus o que é capaz de ir dar no mesmo.
Vida finita e exuberante como um pavão. E caem as falsas modéstias. Fica apenas
a verdadeira, a fatia ou o retalho e a exuberância solar que nos ilumina a
pele, os gestos, os percursos e a paisagem circundante. Somos um capítulo de um
livro que julgamos ser o livro inteiro e deixamos árvores, livros e filhos
atrás de nós não vá o livro continuar sem nós, coisa que não desejamos. O devir
é uma insanidade luminosa. Se pudesse, sentava-me à beira do devir como me
sentaria num furgão aberto em movimento, a vê-lo passar. Sem lhe tocar. Algo me
diz que movemos o mundo com os olhos. E, neste exacto momento, o carteiro trouxe
uma carta sem assinatura que me confirmou isso: A única originalidade consiste
apenas em mover o mundo com os olhos e em fazê-lo acreditar que ele se move por
si.
sábado, 13 de março de 2021
Sereias e suas teias
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