sábado, 9 de fevereiro de 2019

Erros e acertos


"A mulher, que é um ser inferior (...)"
Fernando Pessoa, Obra em prosa de Fernando Pessoa - "A procura da verdade oculta", organização de António Quadros, Publicações Europa-América, 1989, pág. 149

"Erros meus, má fortuna, amor ardente"
Camões

Claude Lévi-Strauss, antropólogo, afirmou que o homem sempre pensou bem. Das duas uma, ou incluímos a barbárie das Guerras do Século XX nessa afirmação e as tornamos legitimas, aliás, legitimando tudo assim, ou a afirmação está incorrecta. Este antropólogo foi um estruturalista e o estruturalismo foi uma tentativa de aproximação da "ciência" antropológica à "ciência" matemática. 
A escrita é também produto do pensamento e um exercício de liberdade. 
Haveria muitos homens, no tempo de Fernando Pessoa (e ainda há) que, ao lerem a citação acima, nem a estranhavam, nem pestanejavam e a liam-na com a tranquilidade com que iriam ler "está um bonito dia, hoje". Existe uma coisa chamada contexto cultural e histórico que nos obriga a relativizar se formos capazes.  Antigamente também se falava em "raça" portuguesa quando os portugueses eram referidos. Era o modo de falar próprio da época. Assim, rasurar um texto só porque se encontra uma expressão que parece incontextualizável na época presente é não ter lido o suficientemente sobre outras coisas de modo a que, ao não se conhecer o contexto, a história e a intenção subjacente à época, resulta essa rasura num exercício de tirania que, pior do que aquilo que é "pensar mal" , é dizer aquilo "que se deve escrever ou dizer". Sendo assim, nunca o homem pensou sempre bem, nem escreveu sempre bem, nem falou sempre bem. Nem ontem, nem hoje. Do amanhã não falo, teria que pesquisar melhor o passado para o fazer. "Erros meus, má fortuna, amor ardente". Só esta afirmação de Camões é um compêndio do amor errado, do erro do amor, da má e da boa fortuna e, sobretudo, do fogo. O hermetismo permite uma liberdade que não é permitida aos não-herméticos. É incómodo dizer uma coisa destas. É pouco "progressista", ideologicamente reaccionário. Avança a afirmação directamente para as elites e deixando alguém de fora. A igualdade não é igual à liberdade. O cavaleiros são iguais "entre si", já o afirmou Pessoa no final do volume citado. Entre si. 

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