sábado, 22 de junho de 2019

Os cidadãos


Uma das razões pelas quais deixei de saber falar "cidadanez" prende-se com o facto de existirem afirmações, que nunca variando, ganharam, com o tempo significados opostos. Estava agora a ver aqui, no Governo Sombra o caso do termo "raça", que deveria constar nos próximos censos a terem lugar em 2021, mas que a Comunidade Cigana rejeitou e que a Comunidade representante dos afro-desce acendentes, aceitou. Ora, como disseram no programa supra-citado, no meu tempo, o termo "raça" só por si era racista, até porque não há raças. Evidentemente que hoje se se utilizar o termo "raça" é-se logo conotado com a direita e se não o utilizarmos (até porque pura e simplesmente não existe) é-se conotado com a esquerda. Isto acontece porque estamos a viver tempos, sobretudo económicos, e cuja tónica, como é numérica obriga ao pensamento bipolar e, ou se é de esquerda ou se é de direita. Os números dão nisto. No início de século, por exemplo, falava-se na raça lusitana e isto tem um significado absolutamente perdido nos dias de hoje. Assim, comecei a reparar que, mal abria a boca, ou era conotada com a esquerda ou era conotada com a direita. O mesmo se pode dizer da religião. Se falava em "despertar" era conotada ora com a maçonaria ora com com práticas iniciáticas provindas do oriente. Se falava de cristianismo lá vinha a conotação com a igreja católica. Evidentemente que sofri um curto-círcuito interno e, às tantas, deixei de conseguir comunicar, ou antes, de falar a linguagem dos cidadãos. Chegaram mesmo a dizer-me que não me definia. Pois não. Impossíveil fazê-lo, no meio das contradições que recebia como resposta. Assim, afastei-me dessa linguagem e passei a falar a linguagem dos animais e a dos pássaros, revezando-me. A dos cidadãos passa-me ao lado e não percebo nada. Eles falam, dizem uma coisas. Dizem, por exemplo que as ideologias e as questões religiosas são alternativas ao dessassosego, o que acho brilhante. Afinal tanta coisa e é só para sossegar as hostes. Hoje, se em vez de falar de raças, falasse em linhagens espirituais, a camisa de forças e o manicómio estavam assegurados. Digam o que disserem a linguagem dos cidadãos passou a ser esquerda/direita, rico/pobre, preto/branco, integração/exclusão, cristão/não cristão e por aí fora. Tudo se reduz a isto mesmo quando se pode escolher ser de esquerda e rico, ou de direita e não cristão, ou ser preto e incluindo, ou branco excluído. Ou não escolher. Mas a linguagem anda à volta disto. Prefiro não falar esta linguagem trágica mesmo com as probabilidades de parelhas que ostenta. Resolvi a questão com o "não está bom da cabeça" que digo de mim para mim quando falam comigo "cidadanez". Também tenho direito a fazer uma prateleira e colocar lá quem bem me apetece. A prateleira do "não está bom da cabeça" é o meu orgulhoso preconceito que ostento com vaidade de mim para mim. É a prateleira dos definidos, mesmo que emparelhados, dos sossegados, dos meio-mortos, dos zombies, dos anedóticos, dos tarados, dos fala-barato, enfim, é muito universal e abarca muitas pessoas. É muito animada, a prateleira do "não está bom da cabeça", uma autêntica festa que, quando não tenho mais nada para fazer, vejo como se fosse um filme. Não é cinismo. Dou mesmo gargalhadas. Verdadeiras. Nem podia ser doutro modo porque este dessassosego tende para a verdade e cada vez mais para os animais e para os pássaros com linguagens muito mais imaginativas e criativas.

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