segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Civilização


Nem na estátua da Liberdade acertaram. Se for descoberta, como ruína, no futuro, não direi por macacos como no filme "O Planeta dos Macacos", para por alguém que pertença a uma civilização como de ser, aquilo que vai encontrar é a associação entre a mulher e a luz da tocha. Nunca dirá, a não ser que leia uma coisas, que aquilo representa a liberdade. Os símbolos são contextualizáveis, é certo, mas, ainda assim, há certos limites que, uma vez ultrapassados, parece destitui-los de virtude. Aquilo que esta civilização deixa, e esta civilização é cada vez mais presente em todo o mundo, é o sinal, não o símbolo. O sinal da ruína pela ruína, da ruína em si mesma. As pirâmides ainda nos intrigam. Um aranha-céus não vai além da engenharia. Falta-lhe a conotação com a confusão das línguas. Os governantes não fazem ideia do que é um símbolo. Pensam apenas na bandeira, no hino ou na moeda (até isso se perde) como algo que invoca uma nação. Mas não vão além disso. A geometria não é mais símbolo e Pitágoras adormece com o tédio. Dizia uma amiga que as lojas antigas estavam todas a fechar. Isso é verdade, mas é mais do que isso, está tudo nitidamente a ser fechado. Há meia dúzia de gatos pingados que ainda estudaram umas coisas, os restantes são ignorantes. Absolutamente ignorantes. E mesmo esses gatos pingados não são suficientes para construir uma civilização com a classe que as antigas tinham. Um simples castro, com a sua abertura central é menos elementar do que qualquer Watson que não percebe nada do que se está a passar. Os homens deixaram de se guiar pelas estrelas para quererem conquistar as estrelas, o que é deveras anedótico. Incorporaram as geo-localizações e as localização no espaço e pensam que, assim, conquistam as estrelas. Ora, a natureza das estrelas é guiar, não é serem guiadas. O máximo que os homens conseguem é um passeio turístico pelo espaço, como já fazem, ou a mudança de uma civilização muito fraca para outro lugar, um transplante de doenças e de defeitos. Dizem que agora querem colocar aulas de poesia e de filosofia, disciplinas muito humanistas, nos cursos de ciências com vista a fomentar a criatividade dos nossos engenheiros porque assim terão ideias mais competitivas no mercado económico. Tudo ao contrário. Se algum engenheiro se apaixonar, de facto, pela poesia e pela filosofia, verá que o dinheiro não é o mais importante. A criatividade não tem nada a ver com a tecnologia, porque a imaginação, que é a sua base, não tem nada a ver com a tecnologia, esta última uma simples aplicação na matéria de uma ideia qualquer e nada mais do que isso, mas quando a burrice é muita, muito se faz por ela e em seu nome. Também não é por ler uma poesia que se fica mais criativo. A imaginação é um dom, coisa que uma cabeça engenhocas não consegue perceber por ver tudo como uma sucessão de causas e efeitos. O imediatismo, a simultaneidade é-lhes um universo desconhecido quando não está nas máquinas.  E um dom, que significa dádiva, veio de algum lado. De um lado que transcende os visados. Não admira que ande tudo doente e que a chamada cultura se pareça, também ela, cada vez mais com uma forma de engenharia e seja encarada como uma indústria e uma fonte de riqueza económica. Esta civilização está estragadíssima e não há nenhum engenheiro que a possa arranjar. Só os poetas a quem foi dada a poesia e os artistas a quem foi dada a Arte. Na árvore da vida, os engenheiros estão num galho muito inferior ao dos artistas.  Leonardo pintou a Mona Lisa e distraía-se com a engenharia. A Mona Lisa é sublime, as suas máquinas de guerra são atrozes. A Mona Lisa não tem preço, tem valor, as máquinas de guerra servem a guerra, como as máquinas hidráulicas servem para aproveitar a água. São coisas muito diferentes. E é por não se perceber essa diferença que a civilização está como está e é o que é: uma ruína que se julga inteira. 


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