Nem na estátua da Liberdade acertaram. Se for descoberta, como ruína, no futuro, não direi por macacos como no filme "O Planeta dos Macacos", para por alguém que pertença a uma civilização como de ser, aquilo que vai encontrar é a associação entre a mulher e a luz da tocha. Nunca dirá, a não ser que leia uma coisas, que aquilo representa a liberdade. Os símbolos são contextualizáveis, é certo, mas, ainda assim, há certos limites que, uma vez ultrapassados, parece destitui-los de virtude. Aquilo que esta civilização deixa, e esta civilização é cada vez mais presente em todo o mundo, é o sinal, não o símbolo. O sinal da ruína pela ruína, da ruína em si mesma. As pirâmides ainda nos intrigam. Um aranha-céus não vai além da engenharia. Falta-lhe a conotação com a confusão das línguas. Os governantes não fazem ideia do que é um símbolo. Pensam apenas na bandeira, no hino ou na moeda (até isso se perde) como algo que invoca uma nação. Mas não vão além disso. A geometria não é mais símbolo e Pitágoras adormece com o tédio. Dizia uma amiga que as lojas antigas estavam todas a fechar. Isso é verdade, mas é mais do que isso, está tudo nitidamente a ser fechado. Há meia dúzia de gatos pingados que ainda estudaram umas coisas, os restantes são ignorantes. Absolutamente ignorantes. E mesmo esses gatos pingados não são suficientes para construir uma civilização com a classe que as antigas tinham. Um simples castro, com a sua abertura central é menos elementar do que qualquer Watson que não percebe nada do que se está a passar. Os homens deixaram de se guiar pelas estrelas para quererem conquistar as estrelas, o que é deveras anedótico. Incorporaram as geo-localizações e as localização no espaço e pensam que, assim, conquistam as estrelas. Ora, a natureza das estrelas é guiar, não é serem guiadas. O máximo que os homens conseguem é um passeio turístico pelo espaço, como já fazem, ou a mudança de uma civilização muito fraca para outro lugar, um transplante de doenças e de defeitos. Dizem que agora querem colocar aulas de poesia e de filosofia, disciplinas muito humanistas, nos cursos de ciências com vista a fomentar a criatividade dos nossos engenheiros porque assim terão ideias mais competitivas no mercado económico. Tudo ao contrário. Se algum engenheiro se apaixonar, de facto, pela poesia e pela filosofia, verá que o dinheiro não é o mais importante. A criatividade não tem nada a ver com a tecnologia, porque a imaginação, que é a sua base, não tem nada a ver com a tecnologia, esta última uma simples aplicação na matéria de uma ideia qualquer e nada mais do que isso, mas quando a burrice é muita, muito se faz por ela e em seu nome. Também não é por ler uma poesia que se fica mais criativo. A imaginação é um dom, coisa que uma cabeça engenhocas não consegue perceber por ver tudo como uma sucessão de causas e efeitos. O imediatismo, a simultaneidade é-lhes um universo desconhecido quando não está nas máquinas. E um dom, que significa dádiva, veio de algum lado. De um lado que transcende os visados. Não admira que ande tudo doente e que a chamada cultura se pareça, também ela, cada vez mais com uma forma de engenharia e seja encarada como uma indústria e uma fonte de riqueza económica. Esta civilização está estragadíssima e não há nenhum engenheiro que a possa arranjar. Só os poetas a quem foi dada a poesia e os artistas a quem foi dada a Arte. Na árvore da vida, os engenheiros estão num galho muito inferior ao dos artistas. Leonardo pintou a Mona Lisa e distraía-se com a engenharia. A Mona Lisa é sublime, as suas máquinas de guerra são atrozes. A Mona Lisa não tem preço, tem valor, as máquinas de guerra servem a guerra, como as máquinas hidráulicas servem para aproveitar a água. São coisas muito diferentes. E é por não se perceber essa diferença que a civilização está como está e é o que é: uma ruína que se julga inteira.
segunda-feira, 27 de setembro de 2021
Civilização
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