quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Hypnos e Thanatos

 


Se Fernando Pessoa se cansou na época dele, então, se vivesse agora, não sei. O esforço desumano que há para manter alguma paz de espírito só é comparável aos 12 trabalhos de Hércules concentrados num só. O final dos tempos vai eliminado as pessoas, uma a uma, sem que haja uma razão aparente. A Justiça, só existe quando a razão dela se expõe e o coração compreende. Dou por mim a pensar que os magos são loucos se pensam (e se se têm em tal consideração) capazes de domesticar estes tempos conturbados sem que eles próprios façam parte da desorientação contemporânea, contribuindo, com as suas manipulações, para a rica confusão disfarçada de ordem paupérrima. O pior que pode acontecer a um mago é cair no ridículo e, nos tempos que correm, graças à psicologia desvendada e esventrada, facilmente o Mago cai no ilusionismo, manipulando apenas objectos e não forças que diz conhecer, mas desconhece. É o que acontece às pessoas quando são consideradas e levadas a sério como se fossem simples objectos. Os magos caem com elas. Não é o Rei que vai nu (antes fosse, ao menos havia um rei), é o mago que vai nu, espezinhado pela tecnologia ilusionista que o coloca no plateau dos mimos dessa mesma tecnologia. O mimo copia aquilo que lhe está acima hierarquicamente e a tecnologia está acima de qualquer mago. Também não vamos lá (onde? Para fora deste buraco em que se encontra a humanidade) com orações. Se a evocação é imperativa, lado forte de qualquer mago, a oração é um namoro com o alto. Não estamos numa época de namoro porque este faz despender muito tempo (que não temos), muita entrega da alma (as almas andam tão esquecidas de si que não se podem entregar a nada sem fazer contas primeiro), e muita admiração pelo transcendente que é coisa que não se vê há muito tempo. Admirar é cada vez mais difícil porque requer o espanto e saber olhar. Tal acção, numa humanidade que se parece cada vez mais com uma mulher vivida, ou com um homem vivido, que “já viu tudo” e “já viu de tudo”, torna-se impossível. Os papos nos olhos, sintoma de quem já “passou por tudo”, não deixam que o olhar se alargue e que e o sorriso nasça. E não convém fingir o sentimento de admiração, nem numa qualquer selfie, nem na vida real. O olho que tudo vê, continua a tudo ver (é diferente de se ter já visto tudo) sem que alguma vez tivesse deixado de ser assim pelo simples facto de a sua essência ser isso mesmo: ver. Dou por mim a reler as palavras de Guénon, esse excessivo tradicionalista, segundo alguns “génios” lusitanos cuja qualidade da obra nunca chegou aos calcanhares da desse autor. A aceleração do tempo, afirma Guénon (como simples transmissor de alguns dados tradicionais e não como autor desses dados), conduz à contracção do espaço e à contracção do próprio tempo e, no limite, deixará de haver tempo pois deixa de existir sucessão temporal transformando-se tudo numa existência simultânea na qual o tempo se transmuta em espaço o que leva a que fiquemos, naturalmente, fora deste mundo (este mundo rege-se pela condição temporal) e afirma, igualmente, que a aproximação da Jerusalém celeste só é possível sem que haja a condicionante temporal (causa do seu afastamento). Então estamos no bom caminho. O tempo anda, de facto, a contrair-se e a sensação é a de queda no espaço. Perante estes dados não há muito para reivindicar a não ser, evidentemente, a consciência deles. A perda de consciência, admitamos, é igual ao sono profundo, sem sonhos sequer e não convém andar assim pelo planeta, por muito que nos custe a consciência destes dados. Não é agradável a degradação. E não é agradável observar tantas pessoas a dormir em pé. Pode ser até traumático, se deixarmos. É também neste sentido que os magos são tolos se pensam que podem travar a marcha descendente deste mundo até porque a sua existência faz parte dessa mesma marcha descendente. Mesmo que sejam magos muito branquinhos e imaculados. Tenho visto alguns a derraparem, nesta época gelada, como neófitos num ringue de patinagem. O seu castigo é sempre algo de acordo com a própria época em que se inserem. O castigo com maior saída tem sido o sono profundo e, acima dele, aparece sempre a inscrição: “Hypnos é irmão da morte”. Não é a antecâmara dela como disse Victor Hugo na anedota. É irmão dela e vive lado a lado. Em simultaneidade. 

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