O panorama da indecência e o pedigree são as brasas que animam a intelectualidade portuguesa. Na indecência cabe tudo, mas aquilo que melhor lhe veste são as redes sociais. Chega a ser pornográfica a exposição das aberrações actuais. Os "génios" proliferam, os aplausos em pé não deixam sequer que "as traseiras" do público conheçam as cadeiras, os mestres engalfinhados na glória do primeiro livro onde explicaram o que leram enchendo os chouriços em que se tornaram as páginas de curta duração, preenchem as medidas temporárias dos anedóticos pseudo-humildes que desesperam por um lugar ao sol. Quem tem pedigree, então pode fazer tudo, até ser o tontinho da família, desde que o apelido apareça, estamos na paz dos demónios. Esta democracia intelectual inspira atenções superficiais e expira o fogo do prestígio com que queima qualquer rival que lhes apareça no caminho. Estes seres, se analisados com cuidado, não dizem nada que já não se saiba ou então, não dizem mesmo nada. Deixam escorrer posts como quem faz a meia e a manutenção do prestígio tornou-se numa rotina insolúvel em qualquer novidade. Envelhecem agarrados ao computador e lá arrastam os pés para uma qualquer palestra com aquela expressão tradicional que se situa para além do cansaço e que traduz a divisa que todos fazem questão de assinalar: "já são muitos anos a virar frangos", não dito com este tom demasiado popularucho para alguém como algum prestígio entre ignorantes, mas com palavras mais elegantes que repõem o peso e a veracidade naquilo que vão debitando para o écran, algo do tipo "já aqui ando há muitos anos", ou "estive lá, quando isso aconteceu" o que sempre lhes acrescenta um perfume mais camoniano de saber de "presença" feito. Normalmente, quando falam da sua experiência por meio destas frases que abalam qualquer neófito, referem-se às jogadas palacianas onde aparecem sempre com um tricórnio, elaborado ao longo dos anos e que lhes dá um aspecto distinto em qualquer festa (muitas vezes referem-se a estas como "O Banquete") e que foi composto por sucessivos experimentalismos das velhas três velhas (que de graças e de juventude nada possuem) e cujos nomes não vão além da velha Acção, da velha Reacção e por último, no topo da pirâmide, a Velha Impassibilidade com a qual pretendem casar toda a gente: as núpcias alquímicas nunca estiveram tão podres e o objectivo é o de formar gente capaz de lidar com esta velhice pegada de maneira a que haja Transmissão ou tradição que eles sabem significar mesmo. O problema é que aquilo não é nada, são carcaças despojadas de alma que passam de umas para as outras o testemunho de coisa nenhuma numa replicação incessante de um vazio no qual o demo se vai encaixando cada vez melhor ocupando cada vez mais espaço, crescendo a olhos vistos numa engorda assumidamente destruidora de almas. Estas figuras são observáveis, não propriamente a olho nú, porque as vertiginosas camadas de tecido adiposo, feito de imagens e de palavras que as encobrem, não permitem uma identificação no imediato mas quem, pela graça dos deuses, se escapou a tais criaturas, foi-lhe dada, com a divina ajuda, a capacidade de os encontrar onde quer que estejam e, a bem dizer, sabem que são um universo à parte sendo que algum do seu tempo é dedicado a consolar vítimas duma batalha por coisa nenhuma, a não ser pela manutenção do seu lugar ao sol que se basta a si próprio. E ainda houve quem dissesse mal da Arte pela Arte como foi o caso de António Quadros. Na sua mais do que muita ingenuidade, mal sabia o que estava para vir e que a Arte pela Arte ainda era o menor dos nossos problemas (pelo menos, essa arte do século XIX, imita a natureza o que já não é mau) e que agora lidamos com a pouca elevação elevada à filosofia o que nos obriga às sucessivas rupturas e aos frequentes virar de costas por não existir diálogo possível. Na barbárie nunca há e os neo-bárbaros já aqui chegaram há muito. A sua actividade actual é a de resgatarem as almas para o inferno do aparvalhamento, algumas ainda se ouvem a ganir no início, mas depressa passam a rosnar, antes das bodas. Depois delas ficam mais calmos a dar instruções a outros pela calada. Nem Maquiavel teria pensado melhor. Provavelmente até o poderíamos ouvir a ganir com a falta de príncipes e de princípios. Na barbárie são todos híbridos, meio homens, meio animais. Grunhem e vivem por debaixo da pele. Parecem um filme de terror, mas deixam nas plataformas a mensagem de que são anjos e que cantam hinos em redor do trono do Senhor. Dizem Amén à mãe e são filhos dela.
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