domingo, 26 de outubro de 2014

Uma das Heranças de Camões



Ouvido ontem, de um amigo de um amigo. Conversas de café. Conversas daquelas que passam, não têm importância nenhuma. Elas são como bastidores, elas são como o sub-reptício das palestras da ribalta, elas não têm holofotes, nem microfones e escondem mágoas. Palavras ditas mais do que em segredo, em solidão. Uma solidão partilhada por entre várias solidões como um vento que passa. E ainda assim, mesmo sem importância nenhuma, sustêm o mundo, são a forma de consciência exemplar que se esconde. São um sorriso entre amigos. São experiencias e, às vezes, pré-experiências. Surgem de aqui e dali, de amigos de amigos que "trazem outros amigos também". São essas conversas o sustento da alma. São elas que sentem a falta da alma do país e se queixam, porque afinal, ainda tem o país uma alma... seja lá o que isso for: eterno mistério da nebulosa que cobre o planeta, dando-lhe as nuvens e purificando a água... Dizia esse amigo, porque "amigo do meu amigo, meu amigo é...", - provérbio lindíssimo não sei se apenas português mas muito usado por nós - e tão difícil de colocar em prática:
"A inveja e os defeitos dos portugueses são prejudiciais à economia do país". Aquilo que chamamos de virtudes e que os mais conscientes entendem ser o lugar por onde se move o espírito e que os mais conscientes, de entre os conscientes entendem ser ele, o espírito, a vanguarda do tempo e que, por isso, sua luz brilha na síntese de todas as cores... aquilo a que chamamos virtudes e que mais nada são senão as acções da alma cuja genética condicionante pode ser alterada pela prática da consciência diária (assunto mais complicado do que uma mera psicologia em moda - senão todas as psicologias  - cujo vicio determinista fica submerso numa cura aparente), essas virtudes contêm, naturalmente, o seu oposto e, de uma forma, ainda mais menos enganadora, podem ser entendidas como características na paleta dos impulsos do coração, não necessariamente opostas de qualquer coisa, mas características em si...
A cultura de um povo passa por fases, não é estática e cristalizável como nos fizeram crer os antropólogos positivistas nascidos no século XIX e aos quais somos tentados a voltar, de vez em quando, quando a afirmação cultural se torna mais periclitante face à mistura entre sedução e imposição do que vem de fora, tendência que é um movimento de resposta natural de defesa, aliás, mas que deverá conter em si a crítica (autocritica) necessária para que se possa ver também, nessa cultura ideal e cristalizada, os defeitos que acompanham o povo e começaram a acompanhar a partir de determinada altura.
Todo o regresso à História, esse movimento de "se conhecer o passado para melhor se entender o presente", a partir de determinado ponto da viajem da consciência, quando a própria viagem passa a ser  consciência, torna-se a de tentativa de correcção. Não é uma necessidade de "ambição" o que está por detrás desta atitude, é apenas o processo natural que a natureza utiliza no seu desenvolvimento  tendente para a transfiguração sendo que esta não implica o desaparecimento completo da matéria, ao contrário do que um ideal excessivamente platónico  formatou  nalguma cultura ocidental.
Nestas conversas de café... sem importância nenhuma, quantas vezes, estas solidões, paradoxalmente partilhadas, às vezes até com a ajuda de um copo de vinho como "desbloqueante", apenas...  nos revelam o erro, a tristeza dele, a consciencialização dele, mas também a esperança de correcção.
Camões não deixou cair a palavra no final dos Lusíadas "sem querer", inscrita na grande atitude poética que é a verdade do que somos como povo, esta obra deixa um testamento e um aviso: a Inveja como a mãe dos defeitos que devíamos corrigir, talvez em primeiro lugar; sem ela poderá ser que nos seja devolvido o espírito vivaz e vivificador, no impulso que falta a este país para que se cumpra em descrição, amor e harmonia.
A inconsciência dos políticos que têm atravessado os governos ao longo das últimas décadas, a total falta de conhecimento da nossa História e da nossa constituição psíquica e física, conduziram-nos a um lamaçal do qual só é possível sair por via do espírito, e isso, só se faz, encarando a nossa alma, face a face, com toda a sinceridade, mas tanta dela é exigida, que pelo excesso se torna outra palavra: transparência. Só na Transparência a luz do espírito brilha, a verdadeira eucarística, que como sabemos, é uma comunhão na qual se partilha o pão entre com(pão)nheiros, contida no número da própria palavra: 8 consoantes e 5 vogais: o Homem inscrito no Infinito.

(Cynthia Guimarães Taveira)

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