quarta-feira, 11 de março de 2020

Os punks


No meu tempo de liceu havia três tribos da moda. Os punks, os "surf' e os neo-romanticos, assim chamados pela forma de vestir que incluía punhos de renda. Lembro-me de gostar mais desta última por uma questão estética. Os "surf" usavam cores berrantes, rosa-choque, verde-alface, laranja gritante. E lembro-me que os punk, que nunca chegaram propriamente a acabar, eram os mais estranhos. Cheguei a assistir a um encontro "punk" numa discoteca. Era uma "trip" total. Com crinas, napas e metais agarrados ao corpo, tinham o aspecto de terem sido atropelados por um comboio e de terem sido electrificados ao mesmo tempo que acontecia o desastre e daí, os seus cabelos em pé, as olheiras profundas e um aspecto enjoado. Nessa discoteca, sem mais nem menos, atiraram-se todos uns para cima dos outros aos empurrões, tropeçaram em si próprios e uns nos outros como se fossem uma espécie de zombies voluntários ao som de uma música pirotécnica para qualquer ouvido. A proposta para pertencer aos zombies foi logo posta de parte. Tinha ouvido demasiado Gershwin na infância para me conseguir adaptar àquilo. Mas percebo que há quem goste. Os surfistas, por seu lado, eram, talvez, leves demais. Sorrisos, paz e ondas. Pouco mais do que isso. Os neo-românticos tinham rendas e uma certa nostalgia do passado o que me agradava. Alguns dos meus primeiros desenhos nasceram com essa moda nas personagens. Uma franja comprida, olhos pintados, laços de rendas, e casacos compridos com cornucópias. Moderno e antigo misturados. Os "surf" berrantes foram desaparecendo até se tornarem mais suaves, os neo-românticos desapareceram nas ruínas da sua própria nostalgia. Os punks prosseguiram na sua senda porque o mundo tinha e tem condições para os acolher. Estavam bem para o mundo tal qual ele se encontrava e continuam a estar. O submundo esotérico não é muito diferente. Bandos de gente cuja napa colada à alma lhes dá uma aura de serem "muit'a bons", olhar hipnótico que revela capacidade de liderança, palavras de metal que aparecem como as únicas verdades irredutíveis e indestrutíveis, crinas bem levantadas que mostram a sua resistência aos embates e o hábito de se atirarem uns para cima dos outros aos encontrões e tropeções para mostrarem a todos e a si próprios que alcançaram uma "pedra" tal que já nada os atinge. O seu anjo há-de ter o papel de uma estrela da música punk quando entra no palco, imprimindo o ritmo aos seus gestos sob a configuração de "missão". O som é ensurdecedor, a missão, profundamente estúpida e o resultado perpétua-se no tempo como um asteróide alucinado e desfigurado a atravessar o espaço. Os punks estão para lavar e durar. Em todos os planos.

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