Pediram-me um poema
que ainda não sei,
ou talvez já o saiba de cor,
e talvez nele viva um jardim
onde cisnes que não ouso ser
desfilam como memórias de um futuro...
Pediram-me um poema, apenas um.
E pergunto-me: como apenas um?
Se todos os dias, uns a seguir aos outros,
me acontecem mil poemas desfolhados
pela vida fora e pelo lado de fora da vida...
Se encontro poesia numa voz?
Ou num olhar, ou na própria flor que sou
quando de mim me distancio
e me ouço escrever a poesia que os outros são...
Ou quando te encontro,
poema vivo, de olhar triste,
poema vivo tão aprisionado como eu,
tão pronto para ser salvo do silêncio.
Ou quando desfilam na paisagem,
entre mar e terra, montes suaves,
de casas breves no tempo,
de Portugais que não houve
E se os há, oh se os há...
Ou quando percebo
que amar-te foi amar Portugal.
E que Portugal está num anjo,
e que o anjo está em Portugal,
e que não há diferença
entre nós e este jardim
crescente na ponta dos dedos,
e cujo perfume é levado por caravelas
para tão longe...
para lá das todas as
índias
que existem no universo.
Ou quando as luas se aproximam,
em várias idades todas por cumprir,
cantadas por mil sóis que as esperam,
e nelas vêem tudo o que são,
ou desejam ser, ou poderiam ser.
E que as núpcias só fazem sentido assim,
desencontradas no tempo,
como sonhos antigos,
perfeitos e por cumprir.
E tão cumpridas, afinal, nesses sonhos,
que tanto conhecemos,
que tanto somos,
no puro acto do futuro,
maestros antes da música,
ocorrendo, afinal,
no espaço prometido,
em concha maternal.
Oh... pediram-me um poema,
e as palavras jorram,
infinitas como luz, como cristal,
na cascata múltipla da História,
no tão sem fim verbo,
nada escondendo, afinal...
nem segredos,
nem mistérios,
nem magias,
nem argumentos em forma de véu...
Porque tu, poema vivo,
não te escondes,
nem nos buxos dos jardins,
nem por debaixo das pétalas,
nem na neblina do frio Inverno,
nem na tristeza que ousas,
nem nas graças suspendidas,
nem na beleza que repões,
nem no desnível das pedras,
nem no riacho desviado,
nem na tonta ave que canta.
Não te escondes, nem debaixo da miséria
de não haver poesia alguma
nos olhos cansados de um velho,
ou de uma criança doente
nem debaixo da acção nítida,
de querê-los resgatar do cansaço,
da dor ou do desamor
que tanto insistem
em que queiramos resgatá-los.
Pediram-me para escrever um poema,
mas ele já estava escrito.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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