segunda-feira, 6 de abril de 2015

Meia-noite


Meia-noite. Todas as subtis palavras de aviso são verdadeiras. Mesmo que desagradáveis. Meia-noite. Atento em teus modos como etento em dois ponteiros no relógio. Atento em ti. Dois modos de ser. Subitamente és outro. Retiro os pés da calçada, depois da meia-noite. E aguardo a tua voz de novo. A verdadeira, longe dos ponteiros do relógio. Fora da meia-noite é tudo nevoeiro cerrado, tão cerrado que esticar a mão é atravessar o denso... meia-noite, e agradeces com vénias demasiado visíveis aos outros. Só lá, noutro lugar entenderão o que é a meia-noite. Ou o meio-dia, tanto faz. Desde que a sombra não se confunda mais com os seres por não haver ou o céu não se confunda com as estrelas... Insistes em ser meia-noite e desvendas-te em palavras como se eu as quisesse ouvir. Nunca as pedi, mas tu falas na mesma. Falas sempre desde que descobriste que à meia-noite o verdadeiro feitiço do desencontro das horas se desfaz, e tudo recomeça aí. Nessa meia noite das tuas asas como ponteiros. Quando desces, fechas as asas. Ficam em meia-noite. Juntas. Falas à meia-noite de todas as horas. Surpreendes qualquer tempo porque vens fora dele. Transformas todo ele na tua essência. As tuas palavras ardem sempre. Em brilho, em fogo, em dor, em amor.  Todos os relógios param na tua meia-noite e dizes o que tens a dizer, porque és a hora, em verdade. Depois, vais-te embora levando contigo o segredo. Comigo ficam as tuas palavras e o que posso fazer com elas nas horas que restam e são só desencontros.

 

(Cynthia Guimarães Taveira)

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