Já há muito tempo, muito antes do Covid, que os telejornais tendiam a ser Jornais do Hospital. As notícias sobre saúde estendiam-se no tempo. Os programas da tarde que ecoam por esses lares de idosos, nas tardes inúteis, fazem o mesmo. Tem havido toda uma cultura que é um culto à doença e um convite à hipocondria. O Covid foi a cereja em cima do bolo. Agora com mais horas de destaque. As conversas das mulheres a partir dos cinquenta são frequentemente pontuadas (com tendência a crescerem com a idade) com a análise potencialmente exaustiva dos sintomas, das consultas, das dores, dos medicamentos. O centro da sociedade tende a passar a ser "A Saúde" até porque alia o endeusamento da ciência com a crença absoluta e inconsciente, instigada pelos meios de comunicação social, de que a imortalidade toca as raias do direito adquirido (para existir uma pulsão da saúde exemplar tem de existir uma pulsão ainda maior que puxe pela supracitada e, neste caso, é a crença na imortalidade do corpo, não da alma que isso é coisa inexistente para a ciência) isto a par, claro está, com o outro centro: o dinheiro. Daqui já se vê o que une os dois centros, as farmacêuticas, que curam e descuram numa balança suficientemente equilibrada para que possamos todos andar de bengala, porque as pernas já não são (nem vão ser mais) aquilo que eram. É uma sociedade, portanto, centrada na Saúde e não na Vida (são coisas distintas). É dessa forma que os velhos são encerrados em lares com direito a televisão, copos de leite e ainda a alguns exercícios lúdicos apresentados por um qualquer assistente que lá vá fazer umas horas e fazer jus à licenciatura tirada em três anos e um mestrado. Posto isto, admiro aqui a gente do campo que vejo a percorrer a estrada de pau ou cajado na mão (porque as pernas já não são o que eram, mas o cajado ajuda) e gosto de os ver tratar das couves, das quatro ou cinco cabras que têm porque ajudam na limpeza do terreno, das árvores de fruto que têm anos bons e anos maus (exactamente como as pessoas e não como estes cada vez mais zombies enfiados em lares), e gosto de os ver a dar uma mãozinha à vizinha recém-chegada (e nascida) que não percebe nada de vegetais, e gosto mesmo de os ver indo de um lado para o outro, ainda livres de plantar no seu pequeno terreno e distraídos assim, ainda a aprender o que a terra tem para ensinar. E penso que, pelo menos de cabeça, estão muito mais saudáveis porque não passam a vida a ver doenças intermináveis no pequeno ecrán, encarando-as como "diabo que se deve afastar", muito diferente deste culto diário, deprimente, que nutre mentes e mentalidades e as incentiva à podridão do corpo. É muito por causa disso que se entopem os centros de saúde, com espirros muito graves que se podem transformar rapidamente em pneumonias (se fizermos muita força até se transformam) e gripes irritantes que requerem um atestado médico para se poder ganhar aquilo a que se tem direito.
Agora descobriram o previsível: este ano não há gripes por causa da máscara. Houve então um gênio que se lembrou de que talvez fosse boa ideia andarmos de máscara no Inverno... Sempre houve gripes (quantas vezes é uma manha do corpo a pedir descanso justo...?) e os que não tinham nem podiam ter eram os índios que caíam como tordos ao contactar com europeus que a traziam. Não basta a vacina, agora querem mesmo dar cabo da gripe que é para que esta se torne na Covid do futuro (ninguém terá resistência a uma gripe porque já foi chão que deu uvas). Tudo isto é patético o que não é o caso desses velhos que vão pelo campo onde não se vê vivalma, sem máscara e livres de cultivarem de semearem, de fazerem germinar, de fazer a vida acontecer à sua volta, ao contrário desta sociedade que está, de facto, doente... Doente dela própria. Ela é a sua própria doença. Deixo aqui o meu testemunho, do velho encavalitado num escadote a colher algumas maçãs para colocar na fruteira da cozinha, de costas voltadas para o ecrã. Muito melhor.