quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A tontura do novo e do diverso


No outro dia estive a ver o desfile no tapete vermelho das estrelas de Hollywood na noite de entrega dos Óscares. Dei-me conta de que havia imensos actores novos que não conhecia. Pensei que andava um pouco arredada do mundo do cinema o que não é bem verdade porque até vejo bastante cinema nos canais TV cine. Por outro lado quando vou a Lisboa vejo a tal geração de gente nova de que falava hoje o La Féria no programa do Herman José no canal 1 a propósito da estreia do musical "A Severa". Dizia ele que esta geração nova era muito aberta ao mundo por causa dos computadores. E ainda hoje, uma amiga me dizia que era extremamente frequente entrarem na loja dela pessoas que sendo daqui, viviam ali: canadianos que viviam em França, franceses no Sri Lanka, noruegueses na Bélgica e por aí fora. Alguma coisa fez curto circuíto dentro de mim. Continuava a conhecer, quase como se fossem antigos conhecidos, as estrelas de cinema dos anos anteriores a 2010, o computador nunca me tinha colocado em contacto com o "mundo", antes pelo contrário, talvez porque saiba que a informação faça parte da vida mas não seja a vida... As antigas enciclopédias faziam-me levantar voo, e não me imagino a ter duas pátrias, ou a considerar que qualquer lugar do mundo tanto faz (coitados dos canadianos e demais que vivem noutros lugares porque este pensamento nem sequer lhes passa pela cabeça, eu é que resolvi fazer esta leitura talvez pela sobrecarga do dia relativamente ao novo e ao diverso que se abateu sobre mim). Mas porquê sobrecarga? Tudo somado e só me vinha à cabeça uma palavra: amálgama. Talvez seja demasiado séria e desconfiada. Talvez esteja auto-centrada. Talvez tanta coisa. Mas este novo e diverso ganha a dimensão duma cornucópia que me suga até ao ponto zero da existência. As novas actrizes e actores pareceram-me todos iguais, talvez por me serem desconhecidos, o que é estranho porque vejo cinema. Talvez por não se destacarem e por serem, de facto todos iguais, como os países para viver, como a informação sem fim colhida pela nova geração e formando-a. Talvez pela relativização assustadora a que tudo fica submetido. Talvez pela ausência de identidade numa diluição de tudo em coisa nenhuma. Talvez por estar retrógada e não conseguir acompanhar o ritmo das novas tecnologias como os velhotes que se recusaram a ter multibanco quando apareceu. Aprofundei. Mais e mais: o que me assusta é que a igualdade rouba a alma. É o formigueiro todo igual dos bons momentos. Uma espécie de aceitação de tudo ao ponto de haver apenas a condição de aceitar tudo como única condição. A diluição numa ausência de paixão e a substituição dela por um amor de lume brando altamente duvidoso. Dei-me conta de que a globalização era uma espécie de globo fechado sobre si mesmo donde não havia saída pela premissa de que, ao se aceitar tudo, tudo podia conter. E o paradoxo deste globo novo, diverso é que ele era uma prisão sem espanto ainda por cima. Sem o espanto da Descoberta. Céus! Andámos a fazer as Descobertas para isto? Para um encafuamento desenxaibido contornado pela linha curva do planeta???!!!! Como homens e mulheres todos tatuados, todos iguais pensando-se assim originais? Produtos do "também quero uma tatuagem!". Em que cornucópia se tinha enfiado o meu pensamento? Pior, em que sensação me tinha enfiado? Que náusea! A náusea da amálgama ao fim do dia. Valha-me a música na radiotelefonia que me faz voltar ao "especial", ao "único". Salvou-me o dia, a música. Com ela não tenho que dizer as palavras "paz e amor" que soam a mofo, a desejos idiotas de "amor pela humanidade" inteira como se está fosse uma massa de gente, palavras que nos fazem sentir elevados "acima" da "humanidade" porque somos "nós", os de "grande coração" que a amamos num paradoxo total com a Igualdade apregoada... Pois se estamos acima dela porque a amamos a partir de cima ou de um lugar central lá se vai a igualdade... salvou-me a música para repôr os valores daquilo que é especial. Que se destaca. Que brilha como o sol na escuridão do universo. Aquilo que se destaca, destaca-se e quer lá saber da "paz e do amor" e da "humanidade". Sabe perfeitamente, aquilo que se destaca, que quanto mais se apregoa a paz e o amor mais o ódio retinto fica retido nas malhas do subconsciente. Mais importantes se sentem os que o dizem. Salvou-me uma canção de amor: you are so special...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A descida, o falso e o verdadeiro Inferno


Numa das raras entrevistas dadas por Dalila Pereira da Costa que se encontra no YouTube a propósito de Guerra Junqueiro, diz a autora a determinada altura que Portugal se encontra no momento presente numa descida aos Infernos.
Há um elemento nessa descida que é comum a alguns relatos de pessoas que por algum tempo estiveram mortos clinicamente, entre cá e lá. Falam eles duma espécie de revisão em imagens de toda a sua vida. Esta experiência é muito semelhante a uma outra, iniciática, na qual essa revisão é feita em vida por memórias que assaltam o neófito, aquele do "não há morte" do poema Iniciação de Fernando Pessoa - se não há morte não se pode matar aquilo que não há, isto em resposta aos apologistas da frase "é necessário matar a morte", aquilo que existe é antes uma passagem pela morte, o que é diferente, uma passagem por aquilo que se julgava haver mas não há... Aquilo que há é uma passagem.
Essas memórias do passado que assaltam o neofito aparecem como se fossem uma espécie de mensagens com uma característica nova das memórias comuns. O passado é iluminado pelo sentido dele. Ou seja, dentro de um contexto maior tudo aquilo que não fazia qualquer sentido ou era tido como algo sem importância ganha uma dimensão cósmica. A amplificação é acompanhada pelo sentido e pelas consequências e tudo aparece nos seus devidos lugares num enorme enredo simbólico que é sempre a forma de comunicação das verdades transcendentes e metafísicas.
O Inferno é muito imaginado mas raras vezes vivido. Pode ser um fogo que queima eternamente. Pode ser uma autoflagelação sem fim. Pode ser um período de silêncio circunspecto. Pode ser o arrependimento. Na imaginação cabe tudo para o imaginar. Na realidade, por outro lado, há pontos de contacto entre aqueles que por ele passaram, sendo um deles o papel da memória que revigora os instantes e revela verdadeira dimensão dos pequenos e grandes gestos. Poderemos como pátria optar pelas primeiras formas imaginárias e nesse caso essa descida tem apenas o valor de um sonho do quotidiano em que os pequenos horrores e os medos são revividos em forma de experiência, ou antes de experimentalismo, no qual o símbolo desce a tal ponto que passa a sinal re-equilibrando apenas a nossa parte emocional, e se for este o caso, não poderemos falar propriamente de uma descida iniciática. Ou podemos, por outro lado, como pátria em movimento descendente iniciático, ver surgir essas imagens da vida vivida como mensagens plenas de significado reintegrando-nos na esfera transcendente, unificando-nos, e identificando-nos, algum modo, com esse passado à luz de toda a sua dimensão simbólica, uma espécie de anjo que nos assiste para além dos nossos pequenos egoísmos ou das nossas emoções. Se for este o caso, então poderemos chamar, por esse indício existente da memória revigorada, (porque há outros) uma descida iniciática que corresponde a este movimento descendente de Portugal.
Dada a qualidade actual dos seres humanos, muito mais virados para a lágrima fácil do que para qualquer outra coisa, resta-me a esperança de que pelo menos haja alguma elite neste país que o faça verdadeiramente embora saiba que a sua transmissão em nada seja entendida senão por essa mesma elite.
Para se poder fazê-lo há que ter presente vários factores: uma extrema sensibilidade, uma inteligência apurada, uma curiosidade sem fim, uma vontade transcende e toda a ajuda do alto. O único capaz de ler o coração da pátria .

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Cada Um Só Pode Conceber Por Si Mesmo


René Guénon que, e bem, fez a separação das águas daquilo que é o domínio religioso daquilo que é do domínio da doutrina metafísica (e que certas "escolas" especialistas em sincretismos perniciosos, tanto ao nível do símbolismo como ao nível da Iniciação, teimam em querer misturar) escreve a frase, abaixo transcrita, no seu livro Introdução Geral às Doutrinas Hindus, no Capítulo IX - Esoterismo e Exoterismo, sendo a parte destacada da minha responsabilidade, dando a mesma o título a esta publicação no blogue.

"... há, particularmente, em toda a doutrina metafísica, algo que será sempre esotérico, e é a parte inexprimível que conserva essencialmente, como já explicámos, toda a concepção verdadeiramente metafísica; isso é algo que cada um só pode conceber por si mesmo, com a ajuda das palavras e dos símbolos que servem simplesmente de ponto de apoio à sua concepção, e a sua compreensão da doutrina será mais ou menos completa e profunda segundo a medida em que a conceba efectivamente."

Como é óbvio, não se trata aqui de um individualismo egocêntrico mas sim da impossibilidade de tentar reduzir o individual ao colectivo (entidade imaginária) e vice-versa. Uma coisa são canais de comunicação, feitos, parcialmente com palavras e símbolos, e também parcialmente com a "presença" e a oralidade, parcialmente porque isso é a parte mais baixa da Transmissão (ou seja da Tradição). A parte superior trata-se evidentemente de algo que não se pode exprimir devido a ter tido um carácter tão individualista que, essa individualidade, atingindo o ponto máximo de desenvolvimento das suas possibilidades, se extingue dando lugar à metafísica propriamente dita e que, por natureza, é inexprimível.

Prefiro


Prefiro ler um livro com má poesia a qualquer um daqueles livros que versem sobre "esoterismo" e que mais não são senão um amontoado de símbolos com um linguajar confuso, com expressões próprias e de uso exclusivo de um qualquer grupo, e que serve de fachada-isco para que mais adiram aos mesmos, até porque, normalmente, tais grupos vivem exclusivamente do número de aderentes mesmo que depois, lá dentro, voltem à linguagem de fachada-isco para supostamente ser feita a triagem daqueles que podem aderir aos grupos mais internos e mais fechados reservados a supostas elites. Prefiro a fantasia simples de um mau poema escrito por alguém que tentou sentir alguma coisa, que tentou vencer a barreira do medo de criar, porque esses tais livros, de "esotéricos encantantórios" nada explicam sobre os símbolos, expõe-nos como medalhas cruzadas em labirintos de palavras de maneira a que o leitor se sinta estúpido e ignorante e caia na armadilha de lhes ir pedir ensinamentos. O poeta tosco, que fala de gaivotas livres, ou da cor da papoila, sabe-se só na imensidão do mundo e procura a companhia das palavras para o definir. Em comparação é um acto absolutamente verdadeiro e honesto. Difícil, é, na poesia, ir para além dos símbolos que só servem para levantar o voo que é sempre um acto individual, e o poeta tosco, pelo menos tenta fazê-lo, ao contrário de esotéricos toscos, dividindo o tempo entre a recolha de minhocas para iscos e os aplausos, e tal é a carga de ambos, minhocas  e aplausos que nunca chegam a levantar vôo, ou sequer, a escrever um verso tosco. As palavras para esses esotéricos são armas, nunca asas. A linguagem, para eles, outro nome para a manipulação. Há mais sabedoria em todos os versos de Pessoa, solitário e abatido pelo mundo, do que em qualquer livro desses, escritos para um colectivo que só existe na  cabeça de quem os escreve porque o "colectivo" não existe nem nunca existiu, é uma invenção da sociologia, pseudo-ciência dos números,  "colectivo" ao qual, naturalmente, se dirigem esse pseudo-superiores-esotéricos. O poeta tosco só quer ser compreendido, os outros, fazem uma nuvem de incompreensão à sua volta, com o seu linguajar porque, nem querem ser compreendidos nem há nada neles para se compreender a não ser uma sede imensa de serem chamados mestres por alguém. Os poetas toscos, fazem um poema tosco e isso é francamente compreensível.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Girassol


Tenho um girassol em casa voltado para todo o lado, por não haver sombra da minha alma que lhe seja estranha. Cada detalhe de cada pintura, cada momento de todos os sonhos, cada pensamento, sentimento ou desejo de sentimento, cada forma, cada cor, cada amor, cada lamento, memória ou antevisão tudo para ele é luminoso porque por ele desvendado. E assim, roda sobre si, acompanhando tudo o que vê, à velocidade da luz, aquela na qual tudo se anula e vive em simultâneo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A pedido


Quando as crianças me pedem, copio a realidade. Hoje pediram uma rosa. Só copio para as crianças. Elas vivem no sonho e pedem a realidade. Para os  adultos, o contrário. Para eles não copio nada. Precisam de sonhos. E quando não precisam, então não são adultos, são crianças. "O melhor do mundo são as crianças", e o pior dele são os adultos que nunca cresceram.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O passatempo



O estatuto dado à verdade é o mesmo que se dá a um passatempo. Incrédula observo este dilúvio que me rodeia. Por alguma razão misteriosa começou com um mar de lágrimas. Apercebi-me de que a relatividade tomava conta de tudo. Há catástrofes que não têm de vir dos elementos da natureza. A maioria das hecatombes vêm de dentro e, depois, a natureza que nos é exterior simplesmente acompanha com os seus gestos o que há muito se deu no âmago dos seres. A tragédia das perdições não está propriamente nos comportamentos. Esses, são como ventos, que vão e vêm. Está n'algo de mais profundo. Um corte, uma recusa no diálogo interior. Na recusa em pensar. Na vida vista como um passatempo em vez de uma demanda que, para o ser, é sempre interior e, quando se torna exterior e se confunde com coisas como "a carreira" ou a aquisição de "prestígio" se torna sempre numa sombra assustadoramente grande e viva com a dimensão da escuridão de um cosmos sem estrelas. 
Pensei, porque me diziam, no início, que as minhas lágrimas eram de água salgada. Mas essas existem apenas quando há demanda nossa e circundante numa sintonia perfeita (ao contrário da demanda simplesmente exterior) como disse Pessoa sobre o mar salgado e a lágrimas de Portugal. Mas depois vi que não. Elas eram as lágrimas de um vulcão. De uma montanha ligada ao centro da terra. Elas eram lágrimas de fogo que atingiam tudo à minha volta. Vidas, pessoas, seres. Elas embatiam na ignorância com violência. Eram implacáveis. Atravessavam as paredes. Ouviam até por entre as paredes. Elas eram uma explosão que vinha de anos e anos de diálogos internos, de tentativas de perceber tudo o que me rodeava. Elas eram o resultado de que não tinha entendido o fundamental e, com elas, e apenas com elas e porque eram gotas de fogo e de luz iluminando tudo o que me circundava; isso, que era fundamental, aparecia agora iluminado e sempre tinha estado à minha volta sem o perceber: as pessoas eram profundamente ignorantes de si e de tudo. As pessoas não tinham imaginação nem sabiam o que isso era, a sua raíz. As pessoas eram, na sua maioria seres que vivam na escuridão e que tinham cegado, e ensurdecido e estavam paradas, inertes e sem vida. Era apenas o fogo das minhas lágrimas que conseguia iluminar o gelo à minha volta. Só ele. E também foi ele que iluminou, ou antes, retribuiu a luz dos poucos seres que a tinham. Dante, tão próximo dos suspiros de Camões. Depois, não houve mais gelo. Abriu-se um céu para além das nuvens de fumo. Azul. Leve. Perene. O céu nú. A verdade, cá em baixo parecia cada vez mais igual a um passatempo comprado num hipermercado. Os seres, pareciam ainda mais marcados pelos sulcos do engano e do desespero. Passei a dar-lhes a mão na proporção exacta dos seus desejos. A maioria nem se dá conta dessa mão, tão leve ela é. Esses só necessitam de si. Do que são. Outros, pressentem uma espécie de incómodo. Estranham o seu próprio vazio. Dura uns instantes. Uma sombra que passa pelo olhar. Os outros, muito poucos, de luz, são reflexos. E os grandes são como nós. Chispam luz pelas pelas palavras, pelos gritos, pela presença. Unidos. Únicos em si. Sabem o que é um passatempo e desprezam-no profundamente para baixo, e gozam-no na plenitude para cima. São grandes. Do tamanho do mundo. E não se vêem.  

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Naquele tempo e hoje

Na foto, Luíz Zagallo

Andaram, o meu pai e a minha mae, nesses anos sessenta do passado século, por esses cafés da intelectualidade, por esses meios académicos, pelos saraus, espectáculos e tertúlias espontâneas, onde se conheceram, aliás, e, conheceu, a minha mãe,  Luís Zagallo, actor, que mais tarde, nos anos oitenta, numa conversa tida com a minha mãe sobre memórias e a propósito de amores e paixões,  afirmou:

"Naquele tempo, estávamos todos apaixonados uns pelos outros."

Seja por razões cósmicas, seja pelas decisões políticas, seja, e vou mais por aí, por causa do interior, da interioridade das pessoas e da cada vez mais ténue vida interior dos seres humanos que se limitam ao exterior, sejam quais sejam as razões, desde aí, o mundo foi endurecendo e as relações humanas foram ficando cada vez mais superficiais.

Nasci no último ano da década de sessenta e dela restou-me o eco desta frase que, de vez em quando, me assalta e me faz sentir a possibilidade de um sonho. 

Mas o tempo não permite. É um tempo tosco e duro. Pesado como o metal. Enferrujado como o ferro ou sempre com a sombra da ferrugem em pano de fundo. A degradação é o que mais custa. Em tudo. No corpo. Nas relações humanas. Nas cidades. Nos campos. É o limite da ausência de estética, de beleza, de vôo. 

D'antes, pensava que a beleza, em comparação com a graça e a sabedoria, num triângulo de palavras era assim uma espécie de objecto decorativo sem importância. Hoje sei, já não penso, sei, que a beleza é a síntese da graça e da sabedoria. 

O único refúgio são os livros, a pintura e a paisagem (esta última como a síntese disso tudo). E a nossa alma sempre a caminho do Espírito. E vice-versa. 

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Incomplementares

A Divina Proporção e a Deslavada Promoção

https://www.publico.pt/2019/02/17/culturaipsilon/noticia/razao-ha-polemica-faz-exposicao-joana-vasconcelos-portugal-1862139?utm_source=notifications&utm_medium=web&utm_campaign=1862139#gs.Da5AlktF

Pois é, só que a convicção de um artista no que faz é íntima, pessoal e intransmissível. O público pressente-a. Por outro lado, a pressão que se faz sobre as instituições para a auto-promoção é privada e o público não dá por ela... A contaminação provocada por este tipo de posição que pensa que a auto-promoção é um acto natural e, mais do que isso, algo que é benéfico, que faz parte da "evolução", acaba por contribuir para o horror ao belo. Este horror ao belo é o próprio espelho, aliás, destas mentalidades confusas encharcadas de si mesmas. Não há, nestes casos, qualquer diferença entre o meio artístico e o meio político. Também não há arte. Há meios, há política e há auto-denominados artistas.  Não há arte. Há artistas que só são políticos e políticos que são verdadeiros artistas na manha e no engano. Arte nem vê-la. É demasiado íntima para este clima tóxico, do sorrisinho, do risinho, do "passou bem", da palmadinha nas costas, da gracinha, da graxinha, do almocinho. Estão a ver? Não há diferença. O clima é o mesmo, "artístico" ou "politico". 





sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Angola e Fernando Pessoa

https://observador.pt/2019/02/13/polemica-na-cplp-sera-que-as-frases-de-fernando-pessoa-sao-mesmo-racistas/

É necessário o envio de professores de língua portuguesa para os países da CPLP para que possam leccionar cursos de curta, média e longa duração sobre a obra de Fernando Pessoa para que não se caia no ridículo relatado nesta notícia.
Se se cair noutro ridículo e se disser que o ensino, estudo e divulgação da obra de Fernando Pessoa nestes países é um acto colonialista, entendemos que o ridículo passa a doença crónica com a qual temos de viver.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Circunferências Interseccionadas e o diálogo com o mundo

Na primeira imagem as duas circunferências são desenhadas a partir de duas linhas horizontais diferentes, na segunda são desenhadas a partir da mesma linha horizontal o que produz, entre outras formas o losango, que, tal como o ovo, necessita de dois centros (polos) para ser desenhado. Dei por mim a pensar num sonho que tive e que consistia numa espécie de espaço em que várias vozes, que não a minha, eram possíveis de ser ouvidas, constituindo isso um segredo. O losango é símbolo de segredo como li em Fulcanelli. A diferença entre a primeira figura e a segunda é a mesma que vai do "Espírito Santo de Orelha" ao "Espírito Santo". Se tivermos em planos horizontais diferentes, há uma comunicação que só é possível pelo Espírito Santo de Orelha o que constituí apenas um espíritozinho, com a sua utilidade, mas, de alguma maneira descentrado, apanhando só uma parte ou fatia das questões e não está de acordo com o Segredo-Losango porque nem o gera nem é gerado por ele. O segundo caso, o das circunferências intersseccionadas a partir do mesmo plano horizontal entra no domínio do sublime e aí sim, a comunicação é de tal modo total que gera o Segredo/Silêncio. É muito curiosa a forma do losango. Está, evidentemente ligada à forma quadrilonga de Portugal, tal como o ovo, a começar pelo ovo da Serpente e a acabar no ovo da Pomba. E está, igualmente ligada à duplicidade dos cavaleiros em cima do mesmo cavalo. Esta questão da comunicação é muito importante: quando é produto do Espírito Santo de Orelha tem tudo para se tornar parcial quando não é mesmo errada, ou seja, percebe-se, apreende-se, essa comunicação, erradamente. Não digo "ao contrário" porque "ao contrário" faz parte do sublime, digo erradamente propositadamente porque é um desvio para lado nenhum. Quanto nos encontramos no mesmo plano, o mesmo é dizer que nos encontramos em sintonia. A sintonia é sublime. É um pouco como a Providência que não deixa margem para erro, ao contrário do Destino que facilmente se desvia de si próprio. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O Cinismo da Esquerda


https://observador.pt/2019/02/12/a-debandada-em-bloco-dos-criticos-do-bloco/

Há uma esquerda em Portugal, nascida das estantes dos pais e das histórias heróicas daquele tempo de sombras cinzentas da Pide, crescida e regada a ideias bélicas de "combate" político, ensimesmada nos seus valores igualitários transversais a uma Liberdade que funciona sempre como utopia. Até lá, há que haver a ditadura do proletariado. O problema é que nasceu como uma reação à ditadura. A ditadura é sua mãe, e a liberdade, bem no fundo, não é desejada, é uma espécie de promessa em jeito de consequência natural do combate. Está, essa esquerda, sempre em combate, nunca em paz.  Nem a deseja, senão morre. Vive  e é o combate. E cega quantas vezes forem necessárias. E é inconsciente quantas vezes a consciência o pedir. Os tiques ditatoriais estão enraízados no mais profundo dos seus gestos: o que se deve pensar, o que se deve dizer, como se deve agir. O sentido de liberdade é outra coisa. A começar pela ausência de "partido". Só nos movemos livremente sem "partido". Só nos movemos livremente quando não trocamos a nossa cabeça pela do "grupo". Em Portugal, graças às anarquia inata, qualquer ditadura está condenada. Qualquer grupo está condenado. Qualquer partido é um episódio triste. A ditadura é a fraude da alma portuguesa. A democracia é a camuflagem resignada da anarquia. A anarquia é a condição da liberdade. E se tiver de ser interna e clandestina, é. Mas não deixa de ser e quando pode, vem cá para fora ver o sol. E o rei. E a luz. Quando pode.



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Ovo, galinha e cisne



A leitura de temas esotéricos orientais tem, aqui no Ocidente, apressado e ambicioso, um efeito semelhante ao que os adubos químicos fazem aos morangos: aumentam o seu volume e peso, mas retiram-lhes o perfume, a cor e o sabor, ou seja, fazem vista mas perdem a essência. É assim que nos damos conta da frequente atitude adoptada como veste de "impassibilidade". Sim, a mesma que possuí o cisne, alvo e deslizante sob o movimento das águas. Ser que é deveras Ser, depois dessas leituras orientais,  não reage e das duas uma, ou age ou não age, a não reacção é o que o torna (sob esta perspectiva deformada) superior. Pode não agir e já chegou a um estado, digamos, quase celeste, pode agir e já chegou a um estado, digamos, próximo dos deuses, não pode é reagir. Reagir é menor, é baixo, é não estar nem ser elevado.
Faço em seguida uma citação de parte de um texto meu (o que, segundo a perspectiva apressada ocidental, me coloca imediatamente no patamar do egocentrismo, isto para quem se esquece de que, se fôr necessária uma auto-citação, provavelmente, talvez haja um qualquer puzzle - mencionado neste blogue no texto da Rosalina e do Puzzle - que esteja a ser descrito, pelo menos) e a citação é retirada de um outro texto, também deste blogue, sobre três pinturas de minha autoria publicado no dia 14 de Maio de 2018 (os caça-egos já devem estar loucos a esta hora com tantas autocitações) e diz assim:

"O cisne como o que consegue não sentir nem frio nem calor, uma certa pureza inocente nas suas alvas penas, cuja curvatura do pescoço é suave e o seu deslizar pelas águas turbulentas do mundo mais suave e sereno ainda… o local, por excelência, onde se descobre que o sol é negro e que o verdadeiro sol é interior ou anterior à criação deste mundo turbulento a partir da volatilidade das águas, turbulentas e instáveis, às quais se sobrepõe o cisne deslizante, quase imperturbável na sua forma externa… um paraíso acessível. Talvez até demasiado acessível… Se assim o é, porque é que a figura o “domina” de alguma forma? Por vontade dupla de se fundir com ele e de o transcender, de estar para além dele (mundo crepuscular, lembro, onde os opostos convivem em fusão – o Regime Nocturno ou Místico lembrado por Gilbert Durand na sua obra “Estruturas Antropológicas do Imaginário”, dando este “Regime” o nome a um capítulo inteiro subdividido em vários. Um Regime, ou um estado apelativo, com intenções de permanência eterna, mas, ainda assim, demasiado acessível. Lembro a Confraria a que pertenceu Hieronymus Bosch, esse grande pintor e também visionário, cujo animal escolhido para a assinalar era um cisne que, estranhamente, acabava num prato, uma vez por ano, e comido pelos confrades numa celebração… estranho rito este, associado a este sereno animal, capaz de deslizar em ritmo permanente nas águas, símbolo de impermanência. A ambiguidade ritual é extrema, integrando o animal no corpo ao ser comido e, em simultâneo, uma espécie de “corte” com o símbolo, muito semelhante, aliás, ao “partir da cruz” de que foram acusados os Templários… talvez porque, até o próprio símbolo seja algo a transcender, tal como aquilo que o símbolo simboliza."

Temos então aqui vários elementos: a galinha (a acção), a reacção (o ovo) e a não reacção (o cisne) que está acima disso tudo. Também podemos trocar o ovo com a galinha, o que vai dar no mesmo pois não se sabe quem nasceu primeiro se o ovo ou a galinha. Um belo trio. É belo, sim senhor, mas, segundo o que foi escrito no primeiro parágrafo, não está correcto porque de acordo com a leitura do dito e mencionado, agir é muito superior a reagir, ficando assim então algo semelhante a: a galinha (não açção), o ovo (acção), o cisne (não reacção). Isto constitui um grande problema. Dei por mim a consultar a descrição de René Guénon (esse tradicionalista pesado e mal encarado) e ele afirma na obra "A Grande Tríade", no Capítulo "a Dupla Espiral" o seguinte: " Podemos falar da dupla acção de uma força única (...), ou seja de duas forças produzidas pela polarização de esta e centradas sobre os dois polos e que por sua vez produzem, pelas acções e reacções que resultam da sua própria diferenciação, o desenvolvimento das virtualidades compreendidas no "Ovo do Mundo", desenvolvimento que compreende todas as modificações dos «dez mil seres.»", acrescento que estes dez mil seres são um símbolo extremo oriental da própria Humanidade. Acrescento igualmente que o ovo, a forma oval, para ser produzida necessita de dois centros de duas circunferências que, naturalmente, se transformam em polos, e sendo o ovo o símbolo das virtualidades e do seu potencial desenvolvimento já se poderá ver a acção e a reacção como produtoras do desenvolvimento da própria Humanidade que um dia, se Deus quiser há-de ser cisne... para ser comido num banquete. Estraguei tudo com isto do banquete.

Posto isto, há vários níveis de acção, de reacção e de não reacção ao contrário do que é comum afirmar-se. Assim a pseudo não reacção é uma reacção. Uma reacção torna-se mais verdadeira porque pelo menos não é pseudo, ou seja, não tomou uma atitude, ou seja, não produziu uma acção a partir de fora só porque se leu um qualquer livro que veio de fora. A reacção pode ser tão verdadeira como a não reacção do cisne. Mas se o cisne é para comer então é porque alguma coisa acabou e de novo, após a morte do cisne, vem um novo "ovo do cisne", símbolo do "Ovo do Mundo", com esses dois polos, onde, provavelmente, as acções e as reacções são elaboradas num plano um bocadinho mais acima, o que torna as não reacções do plano abaixo completamente dependentes das acções e reacções do plano que lhe está acima e que passou a existir depois do canto e da morte do cisne. Os antigos confrades, quando serviam o cisne à mesa do banquete sabiam muito bem o que estavam a fazer. Estavam a iniciar outro ciclo. E é exactamente, segundo os planos em que se encontram, que os hermetistas se encontram também e conseguem comunicar uns com os outros. Mas o que estou para aqui a escrever? Algo de inútil e repetitivo. Camões, já o tinha escrito há séculos: "E sabei que, segundo o amor tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos". É por isso que nem o Oriente é tão fácil assim, nem o Ocidente tão difícil assim. Reagir é tão normal como não reagir ou agir. Depende do ângulo, e do triângulo, do Vento e do Amor.

Cynthia

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Erros e acertos


"A mulher, que é um ser inferior (...)"
Fernando Pessoa, Obra em prosa de Fernando Pessoa - "A procura da verdade oculta", organização de António Quadros, Publicações Europa-América, 1989, pág. 149

"Erros meus, má fortuna, amor ardente"
Camões

Claude Lévi-Strauss, antropólogo, afirmou que o homem sempre pensou bem. Das duas uma, ou incluímos a barbárie das Guerras do Século XX nessa afirmação e as tornamos legitimas, aliás, legitimando tudo assim, ou a afirmação está incorrecta. Este antropólogo foi um estruturalista e o estruturalismo foi uma tentativa de aproximação da "ciência" antropológica à "ciência" matemática. 
A escrita é também produto do pensamento e um exercício de liberdade. 
Haveria muitos homens, no tempo de Fernando Pessoa (e ainda há) que, ao lerem a citação acima, nem a estranhavam, nem pestanejavam e a liam-na com a tranquilidade com que iriam ler "está um bonito dia, hoje". Existe uma coisa chamada contexto cultural e histórico que nos obriga a relativizar se formos capazes.  Antigamente também se falava em "raça" portuguesa quando os portugueses eram referidos. Era o modo de falar próprio da época. Assim, rasurar um texto só porque se encontra uma expressão que parece incontextualizável na época presente é não ter lido o suficientemente sobre outras coisas de modo a que, ao não se conhecer o contexto, a história e a intenção subjacente à época, resulta essa rasura num exercício de tirania que, pior do que aquilo que é "pensar mal" , é dizer aquilo "que se deve escrever ou dizer". Sendo assim, nunca o homem pensou sempre bem, nem escreveu sempre bem, nem falou sempre bem. Nem ontem, nem hoje. Do amanhã não falo, teria que pesquisar melhor o passado para o fazer. "Erros meus, má fortuna, amor ardente". Só esta afirmação de Camões é um compêndio do amor errado, do erro do amor, da má e da boa fortuna e, sobretudo, do fogo. O hermetismo permite uma liberdade que não é permitida aos não-herméticos. É incómodo dizer uma coisa destas. É pouco "progressista", ideologicamente reaccionário. Avança a afirmação directamente para as elites e deixando alguém de fora. A igualdade não é igual à liberdade. O cavaleiros são iguais "entre si", já o afirmou Pessoa no final do volume citado. Entre si. 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Em nós


Sentir em nós uma presença em nós.  Se nossa ou não, não o saber. Presença que desbrava com a consciência o mundo e mais do que isso o seu mistério. Um pouco como Fernando Pessoa de quem maioria dos textos são explorações aventureiras da observação e do sentido das coisas, numa união íntima entre a descoberta do que há e das possibilidades do que há e das possibilidades das possibilidades de vir a haver. Isto tudo feito como uma caravela lançada ao mar. E descobrir a Ilha dos Amores dessa maneira, sem distinção entre a palavra e a consciência. Descobrir com ela, a consciência, símbolos e sentidos, entender cada passo como um ritual interno e secreto, entender os mitos por se ser um "fazedor de mitos" urgentes, auxiliares desses passos. Sentir em nós uma presença em nós, a mente absolutamente viva cavalgando todos os tigres e temas, inventado personagens e ritos como pequenas crianças cuja consciência, presença anímica e íntima, não sendo desdobramento, é a nossa melhor amiga, uma espécie de protótipo do segundo cavaleiro cavalgando o mesmo cavalo que nós. Habituamo-nos a essa companhia filosofante por sede de sabedoria. A sede dela é tão importante como o deserto que a acompanha. Até que um dia, tão crescente essa sede é que caímos inanimados nas dunas da ignorância. Já sem vida e só vontade ou desejo que são a mesma coisa, na total consciência da falta da importância da nossa vida e desejando-a, porque pressentindo-a  já sem forças e rendida a essa vontade que preenche cada espaço da palavra, "pronto", em morte concedida porque e apenas porque algo assim quis, dar uma volta nesse útero que é a morte e voltar a sentir a presença dentro da presença, e sabê-la, então sim, tão independente e soberana. Quem escreveu "matar a morte" não traduziu de verdade e engana com as palavras ditas de heróis. Não, não é matar a morte, isso faz quem tem medo dela e a ataca. Ter medo dela é o maior disparate alguma vez escrito. Trata-se antes de ser "vida sobre vida". Tudo revive. E deixar que, quando quer, essa presença soberana seja soberana e que nada tem a ver com a "escrita automática" que é apenas uma espécie de sonho escrito em papel com o "sem nexo" de tantos sonhos... Foi essa aventura primeira, a descoberta com a consciência do mundo e do seu mistério, em união íntima, quase indistinta entre causa e efeito que permite, mais tarde o lugar devido, dessa vida sobre vida, dessa presença outra, muito além da consciência, de uma outra natureza. É por isso que os escritos de Fernando Pessoa sobre Portugal são uma espécie de Graal imergindo da sua obra. Essa vida que pulsava, independente e soberana falava, pensava, sentia, lembrava, sonhava, e tornava próximo o futuro. Era o próprio ente de Portugal que vivia dentro do poeta, com o seu próprio anjo, também ele, trazendo mensagens desse núcleo em forma de rosa... Eram quatro, na verdade, mas porque era o poeta, o ente que é Portugal, o anjo desse ente e o centro que coincidia com o do poeta, com o de Portugal e com o anjo de Portugal. O anjo do próprio poeta, simplesmente anuia e sorria. Hoje os móveis que se vendem por aí não têm qualidade nenhuma. A madeira não é de nogueira. É um contraplacado o que se encontra por aí. O mesmo com as gentes (as mesmas que fazem contraplacados porque não conhecem nem sabem fazer mais nada). Têm até aversão à qualidade e acham que a devem matar por verem nela uma espécie de morte. E ainda a confusão vai no adro.  Sem se envolver essa primeira aventura com essa consciência íntima tudo o mais é um lugar obscuro e de morte do qual se aproveitam retalhos para preencher os espaços em falta da própria consciência (algo impossível porque a consciência é pessoal e intransmissível), ficando apenas com isso um aglomerado de gestos desarticulados e desalmados, inconsequentes. A qualidade, como tudo o que é verdadeiro, é interior, por mais gritos de vitória, heróicos, que se lancem ao ar para anunciar que se escolheu isto ou aquilo, que se descobriu isto ou aquilo ou que se é muito boa pessoa. Se não se enganam os animais vão enganar os anjos? A falta de qualidade é isso mesmo e coincide com a falta de consciência. Que não tem nada a ver com o "afastar" a consciência para a "soberana presença" passar. A falta de consciência é a ausência dela no coração. E assim nunca se pode sequer afastar...

Cynthia

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

No mais profundo fundo da Alma Portuguesa


 
Se a função de um filósofo-poeta ou de um poeta-filósofo é a política, ele é político e enganou-se.
Se o político tiver como função filosofar ou ser poeta, ele é filósofo-poeta e enganou-se.
A política é o nível mais baixo da função espiritual de um poeta e não está ao mesmo nível da poesia/filosofia.
A política está para a poesia como a magia está para a metafísica.
Um político não escreve poesia.
Um poeta não escreve política.
Um político cala-se para ouvir poesia.
Um poeta não ouve política, vê cravos.
O sentido descendente da política não é simétrico do sentido ascendente da poesia.
Um político é eleito depois de nascer.
Um poeta é eleito antes de nascer.
Um Rei-Poeta é eleito antes de nascer, nasce eleito e é eleito.
Um Rei-Poeta ou um Poeta-Rei não é um político.
O político é servente do Rei.
Um Rei é Soberano, o político, um subalterno e dispensável.
O socialismo é subalterno da Liberdade e dispensável.
A revolução é subalterna da poesia dos cravos e dispensável.
O dia é subalterno da Liberdade.
Quando o dia é Liberdade passa a ser a Hora, e o dia é dispensável.
Não é o povo que é soberano,
É o soberano que é o povo.
O povo é livre porque o soberano é livre.
Um político não gosta nem sobrevive na Anarquia.
Um político não gosta de Reis, sobrevive apesar deles.
O político é um profissional.
Um Rei é um destino.
A política é grega.
A anarquia e a monarquia são portuguesas
A anarquia-monárquica é a soberania exercida na Idade de Ouro.
A democracia, a sinarquia e o socialismo são perdas de tempo.
Subverter cada uma destas frases é não entender o Povo Português
no mais profundo fundo da sua alma, a raiz da sua soberania e o Rei-Poeta do futuro que o Povo-Poeta já vê, como vê D. Sebastião, para além das brumas, sublimado e libertado pela morte e dela livre.
 
 
cynthia

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019



Aqui deixo a resposta a um amigo que me questionou se sabia, por via de Cavalcanti, que este tinha escrito que um semi-heterónimo de Fernando Pessoa de nome Jean Seul De Méluret, tinha, por sua vez, por via da astrologia, adivinhado o ano e a forma como Salazar morreria.

"Olá! Já dei uma vista de olhos. Fui consultar um outro livro " Fernando Pessoa - Eu sou uma Antologia - 136 autores fictícios de Pizarro e Ferrari (envio fotos do livro e das páginas que referem esse semi-heterónimo - mais figura do que heterónimo, por enquanto porque o baú vai a menos de metade) e nenhum dos textos apresentados como sendo dessa figura mencionam tal previsão como poderá constatar pelas fotos anexas. 
Cavalcanti não é, à partida, confiável e quanto a mim tem uma imagem distorcida (provavelmente propositada para vender livros - para ele foi um filão...) de Fernando Pessoa. Basta lembrar que afirmou que o poeta "não tinha imaginação" o que é no mínimo ridículo. 
De maneira que há estudiosos mais sérios e que andaram pelo baú, como a Teresa Rita Lopes, a Manuela Parreira, por exemplo e que uma dessas não deixavam passar ou se deixaram foi lapso (que pode acontecer a qualquer um). Assim, o meu conselho é que tente entrar em contacto com alguém mais sério do que o Calvacanti e que tenha dispensado boa parte do seu tempo a estudar a obra de Pessoa. É certo que se interessou, o poeta, por astrologia (ou não fosse hermetista) e que corrigiu o vigarista e perturbado Crowley (uma espécie de Blavatsky do Satanismo) numas cartas astrológicas que esse "mago" toxicodependente do seu próprio ego havia elaborado (provavelmente durante um achaque químico, pois a nada mais esse tipo de magia obriga, sendo contra-iniciático pelas pouco duradouras iluminaçōes de origem duvidosa...), e lançadas logo em propaganda porque na publicidade, já naquela altura, é que estava o ganho, qualquer que fosse esse ganho. 
Os poetas, como muito bem lembrou Dalila Pereira da Costa, são os herdeiros dos profetas e os profetas, ao contrário do que é vulgar dizer-se, não adivinham coisas (isso são os adivinhos que fazem e estão abaixo dos profetas e dos poetas), simplesmente avisavam porque eram visionários (aquilo que um visionário vê não é o futuro, pode acontecer ou não) e avisavam em alto e bom som, na maioria das vezes contra a sua própria vontade (já vê que ser-se profeta é ter um papel ingrato ao contrário dos adivinhos que ganham sempre qualquer coisinha, nem que seja prestígio), e, embora gracejassem alguns, na época dele, apelidando-o de "bruxo do Oeste" (coisa curiosíssima, aliás), de adivinho e bruxo nada tinha, era um poeta com tudo o que isso acarreta, sendo uma dessas coisas a entrada numa espécie de caixa de ressonância onde tudo ecoa, do mais próximo ao mais longínquo, como essa ilha descrita na Mensagem como estando "próxima e remota" (sublimes versos). Respondi conforme soube. Se adivinhou que o Salazar ia morrer isso pode ter sido como o Manuel Alegre que também sete anos antes do 25 de Abril falava num poema de ruas com cravos vermelhos. É que ser poeta "é ser mais alto", e junto com a astrologia até pode ter resultados, mas como disse, um profeta não é um adivinho até porque os tempos se sobrepõem por não haver tempo (o tempo tal como o entendemos é apenas uma percepção nossa) e daí os "dejá vu" de que todos pedecemos sem saber porquê. Neste mesmo instante em que lhe escrevo há todos os passados e todos os futuros... dentro dos ciclos a que estamos submetidos e cuja precisão é sobretudo qualitativa. A quantidade de tempo é um mero efeito de uma causa maior. 

Boa noite

Cynthia"

A memória não nos falha - Pérolas de António Quadros



Aos estrangeirados

Os estrangeirados deste país, deveriam rever as suas próprias origens e prosseguir a partir da raíz, da fonte e não dos ecos exteriores que conduzem, naturalmente, a um desvio humano, demasiado humano, sintomático de uma fase de decadência. Podem começar por ler estas citações da obra de António Quadros e depois, se estiverem mesmo interessados, poderão ler os dois volumes. Se estiverem interessados...

" Já vimos que a Atlântida nos foi apresentada por Platão nos dois citados diálogos como uma civilização muito antiga, por assim dizer uma civilização-padrão. Foram aliás os sacerdotes egípcios que descreveram a Sólon a localização, a constituição, a organização e o destino infausto desta ilha antiquíssima, anterior à civilização egípcia.
   Ora foi precisamente no Egípto que a herança megalítica e dolménica se elevou a um estádio mais elevado de civilização, sem perder aliás a sua identidade, sendo pois natural que só os sacerdotes dos templos sucessores dos antigos cromeleques tivesse o saber para transmitir as tradições arcaicas da sua cultura.
   Pondo de lado o corpo poético e moral do mito, o desaparecimento da ilha no fundo dos mares por castigo dos deuses, desaparecimento que a arqueologia submarina nunca conseguiu provar e que é a nosso ver uma metáfora da extinção ou metamorfose da primitiva corrente dolménica de oeste para leste, aproveitada pelo filósofo para a sua utopia, subsistem contudo pistas que claramente relacionam a Atlântida com a civilização megalítica portuguesa em sua irradiação para o Mediterrâneo." Pág. 122
"  Descartando as imprecisões ou erros geográficos da época, bem como os exageros próprios da função mítica da narrativa, Platão evoca pois uma ilha que (seria na realidade um continente), situada para além do estreito de Gibraltar, isto é, no Oceano Atlântico.". Pág. 123
" Por outro lado a descrição do sacrifício de um touro, sacrifício purificatório, em que o sangue do animal era misturado numa cratera, dele bebendo em seguida os dez reis da Atlântida em vasos de ouro, precedendo a sua reunião solene em redor do santuário para se julgarem mutuamente (...)." pág. 124
" Facilmente poderemos estabelecer aqui a conotação da narrativa do apresamento dos touros para o sacrifício, no Crítias, ao descrever os rituais da Atlântida, com os trabalhos e as lides taurinas subsistentes na Península Ibérica desde o Paleolítico." pág. 125
"Tal é sem dúvida a origem das ganadarias ibéricas. e não será por acaso que as corridas de touros e as touradas, as única manifestações actualmente remanescentes dos antigos rituais cretenses ou mitraístas, continuem a realizar-se, como uma tradição viva, na Península Ibérica." pág. 125
" Um outro dos grandes e fundamentais mitos gregos, o do Jardim das Hespérides, é também relacionável com a civilização megalítica sudoeste-ibérica. O Macisso Hespérico, de forma aproximadamente triangular, constitui o solo fundamental da Península Ibérica, que foi chamada Hespéria pelos antigos. O triangulo abarca todo o lado ocidental da península a partir do planalto castelhano, sendo limitado ao norte pela fossa arturiana e pela depressão do Ebro, ao sul pela depressão bética ou andaluza e a oeste pela orla atlântica galaico-portuguesa." pág. 125/126
" A árvore das maçãs de ouro é identificada por Mircea Eliade como a árvore da vida, que segundo o Génesis se encontra no Paraíso ao lado da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Deus não a menciona na sua proibição, o que para Eliade, seguindo Paul Humbert, significaria que estava «escondida», pois a imortalidade é um prémio que só se pode obter depois de duras provas, como na epopeia de Gilgamesh ou na aventura de Hércules em busca das maçãs de ouro no Jardim das Hespérides." pág. 126
"   Se na realidade - e tudo como vimos o indica -, a primeira grande religião solar, onde surge a crença da imortalidade, foi transmitida pela civilização megalítica portuguesa, dela evoluindo as mais antigas civilizações mediterrânicas, não seria para estranhar que a ela remontassem os mitos arcaicos da imortalidade. A Hespéria, particularmente a Hespéria Ocidental foi o lar de origem das grandes antas sepulcrais e dos altos menires, erigidos em nome dos princípios religiosos da ressurreição, tanto segundo o arquétipo lunar como segundo o solar e o heróico. É pois mais do que plausível que mitos como o do Jardim das Hespérides tenham aí as suas remotas raízes. Por outro lado, e vendo as coisas pela outra face, ambos os mitos, o do Jardim das Hespérides e o da Atlântida, confirmam ter sido o sudoeste ibérico em ambos indicado, o berço das civilizações mediterrânicas (Egipto, Creta, Grécia), o lar da sua infância espiritual." pág. 127
"    Poderemos encontrar também, no berço megalítico os traços do mito da Idade de Ouro, talvez o mito mais poderoso de entre os que sobreviveram aos tempos antigos, chegando intacto até aos nossos dias, por exemplo nas ideias de abundância generalizada e de sociedade sem classes? já vimos que as maçãs da imortalidade são de ouro, cor simbólica do sol, do fogo da imortalidade  através dos tempos, desde as  pinturas funerárias egípcias até à talha dourada das igrejas barrocas ibéricas, representando o ideal estético-escatológico da igreja de ouro." pág. 127
"   Assim, esses antigos e misteriosos navegadores e missionários dolménicos, os atlantes, depois de terem explorado os rios em barcos evoluídos a partir das antigas jangadas, de que terão derivado os rabelos e os moliceiros, adaptaram as suas embarcações à faina marítima, nelas partindo mais tarde em longas explorações oceânicas para o Norte da Europa e para o Mediterrâneo, deixando por onde passavam, a par dos tumulus ou das antas, dos menires e dos cromeleques, partes integrantes e solidárias do mesmo tecido religioso, também suas técnicas de construção naval, a sua arte cerâmica, os seus cultos, os seus mitos e os seus símbolos.
   A toda a parte onde chegavam apareceram como os inovadores, como os representantes de uma raça sagrada, que vinha trazer a salvação pela imortalidade e por uma religião mais depurada do que o esboço de uma religião animista e mágica que até ao seu advento subsistiu". pág. 129
"  Obviamente o labirinto deriva da espiral, também chamada labirinto da via única, que tem como uma das suas significações mais antigas e mais universais a viagem da alma depois da morte, ao longo de caminhos por ela desconhecidos, mas conduzindo-a por desvios ordenados para o lar central do ser eterno." pág. 131
"  Assim se compreende porque razão a espiral surge principalmente ligada aos dolmens, pintada ou gravada nos seus esteios, na sua cripta, ou em pedras ou rochedos das suas áreas." pág. 132
" Seja como for, para que a espiral passasse a uma cultura mais tardia, como a egeia, necessitaria de portadores, que só podem ter sido os navegadores dolménicos. É inconcebível, com efeito, a travessia do Mediterrâneo, num ou noutro sentido, pelos caçadores paleolíticos ou mesmo pelos homens de transição ou do mesolítico.
   É no seio da civilização megalítica, com efeito, que os motivos da espiral, da dupla espiral e também do labirinto por assim dizer se universalizam, passando da Europa ocidental ao Mediterrâneo e em especial em Creta, onde atingiram o seu clímax, nas pinturas murais dos palácios e na decoração das cerâmicas, quer sobre a forma linear, quer através da representação de polvos, conchas e caracóis. Os motivos curvilíneos são aliás próprios das civilizações marítimas, sugestionadas pela ondulação oceânica e pelas cascas dos mariscos.
   Figurações espiralóides, espirais plenas e círculos concêntricos, esboços de labirintos, a par de desenhos de inspiração astral (o sol e a lua) surgem abundantemente em Portugal e em insculturas nos esteios dos dolmens, do lado da cripta, ou em abrigos e rochas de lugares nesse tempo provavelmente sagrados." pág. 133
"   A simples observação do imaginário simbólico revela-nos a olho nu as três fases de um barroco de linhas curvilíneas e de matriz marítima, produto de culturas essencialmente oceânicas, navegadoras, colonizadoras, comerciantes e descobridoras.
A civilização megalítica portuguesa ou atlante, em primeiro lugar, com as suas antas, os seus cromeleques, os seus menires e as suas imagens gravadas enigmáticas, representando espirais, linhas serpentiformes, rodas solares, labirintos e danças cerimoniais, expandindo-se pelo mar do Norte e para o Mediterrâneo e deixando as sua sementes e as suas colónias nas ilhas, nas embucaduras ou deltas dos rios e em geral nas costas...
   A civilização minoica primitiva, em segundo lugar, placa rotativa para o Mediterrâneo Oriental e o Egipto, receptora e transmissora dos caracteres dolménico-atlantes, que viria a expressar toda uma simbólica oceânica, o predomínio do curvilíneo sobre o rectilíneo (que os dóricos iriam inverter, recebendo contudo toda a herança cultural de Creta e do Egipto, para atingir um grande nível de civilização) e ainda polvos, conchas, linhas ondulatórias, um barroquismo que se reflectiria na sua própria estrutura arquitectónica e na pintura dos seus vastos palácios cuja planta é um dédalo de salas, pátios interiores, escadarias, etc..." pág. 139
"   A civilização megalítica portuguesa, assentando numa religião astral, com predomínio solar, embora também lunar, e num culto escatológico orientado para a ideia de imortalidade pessoal, foi quanto a nós a Atlântida a que se referia Platão, se para além das roupagens poéticas da lenda e das alegorias utopísticas do mito, buscarmos não só a solidez de uma realidade cultural e histórica como também a lógica de transformação e evolução das culturas". pág. 149
" Sabemos que, na transição do eneolítico para Idade do Bronxe, a civilização megalítica decaiu na Península   e na Europa Ocidental. Os povoados neolíticos da região portuguesa penetraram numa zona sombria, de degenerescência e anonimato, só voltando a reanimar mais de mil anos depois, com a cultura dos Castros e com a Lusitânia celebrizada pela sua longa e singular resistência aos romanos." pág. 149
"   Terá sido pois especialmente em Creta e no delta do Nilo, regiões agricolamente mais fecundas ou com melhores possibilidades comerciais, que a civilização atlante continuou, transformando-se, apurando-se, requintando-se e progredindo, mas não perdendo inteiramente a memória da pátria-mãe, transmitida por via egípcia à cultura grega através do mito da Atlântida." pág. 150
"   Ora, se no seu arcaico fundo rácico e étnico, os Lusitanos são os descendentes, celtizados na Idade do Ferro, do povo dolménico e atlante da antiga matriz suduoeste ibérica, por seu turno os Portugueses  não são mais do que os descendentes dos Lusitanos, que a romanização e as posteriores invasões suevas, visigóticas e islâmicas fizeram evoluir através de novas contribuições culturais e de novas enxertias étnicas, sem contudo destruir, tão poderosa era a cepa original." pág. 153
" (...) são os portugueses a nosso ver os directos descendentes da cepa atlante sobre cujas sementes espalhadas pelo mundo, se ergueu o edifício da civilização mediterrânica. Tronco antigo e nodoso, que recebeu ao longo do caminho muitas enxertias, mas que permaneceu basicamente o mesmo. Parece ser seu destino a capacidade de criar os grandes ciclos da cultura e da civilização, para logo depois, como se esgotado pelo esforço ou como se castigado pelos desvios da sua fragilidade humana, demasiado humana, entrar em longos períodos de decadência de que aliás volta a emergir para de novo dar novos mundos ao mundo. Não para sermos uma nação feliz parecemos ter nascido, mas para sermos construtores de história em épocas axiais ou fundadoras...
Uma nação de destino, uma pátria missionada e missionária, um povo sacrificado e heróico, sempre dividido entre a queda e o abismo e a promessa divina, que mesmo quando nega, sente obscuramente na sua complexa vida psicológica.
   Povo da saudade e do saudosismo, mas também povo teimoso, povo de esperança, ainda que absurda, projectada em última análise no mito quando tudo parece perdido ou quando já não há confiança nos dirigentes, nas elites, nas condições sociais, económicas e materiais". Pág. 155
Todas as citações foram retiradas da obra de António Quadros "Portugal, Razão e Mistério", Vol. I, Guimarães Editores, 1986
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domingo, 3 de fevereiro de 2019

Meia Laranja


Uma laranja tem gomos em forma de crescente o que implica que esses gomos podem ser associados ao crescente lunar que tende para a lua cheia. Uma lua cheia acontece quando metade dela reflecte metade da luz do Sol. Assim, um crescente reflecte menos de um quarto de luz do Sol. Como um quarto minguante o faz. Quando partimos uma laranja ao meio isso significa que partimos uma série de quartos crescentes ao meio, o que significa que ficamos com um quarto de laranja e não metade. Assim é a vida, simbólica, e na qual a matemática é apenas uma parte e não a totalidade. Assim, é certo e sabido que, se como a mulher de Lot, olhamos para trás, em pleno caminho, em sal nos tornaremos, porque esse "olhar para trás" é feito aquando um quarto do caminho, de luminosidade quase nula, qualquer coisa que vai a crescer e, aí, se detém. Mas se prosseguirmos, nesse caminho onde "o que está em cima é igual ao que está em baixo", só que de pernas para o ar e formos por aí fora sem vacilar na naturalidade de o fazer, a páginas tantas, temos metade do caminho. Essa metade encanta-nos porque pensamos que vemos o sol todo na lua ou que comemos metade da laranja. Na verdade, vemos metade da luz do sol e comemos apenas um quarto da laranja. Nessa metade do caminho, quando se olha para trás (e aí Deus nunca nos proibiu de olhar), como já temos metade da luz solar, o olhar já é solar ou antes apenas um olho é solar, para ser mais precisa, o outro é finalmente lunar, com luar e já nada se vê como quando se via na escuridão da face oculta da lua. Vê-se nítidamente aquilo que nos parece ser metade de um caminho e um quarto de sabedoria nele encontrado, a laranja da fotografia, o que já não é mau. A depuração é isto só que qualitativamente...  Depois, para não contradizer por sistema a Tábua Esmeraldina, "o que está em cima é mesmo como o que está em baixo" sem que haja, neste caso o "ao contrário", se visto com o olho solar e ao contrário, (percebendo efectivamente esse "contrário", coisa que não acontecia sem a luz do sol, nem luar), se visto com o olho lunar e só com esta capacidade se pode , enfim, entrar no templo. É por isso que, à entrada de alguns templos antigos, a lua e o sol se encontram lado a lado, em harmonia, antes disso andamos todos no adro... na escuridão da face oculta da lua e, só depois de entrar, se inicia a viagem, propriamente dita. Perguntar-se-ão se não estará este raciocínio viciado. Não está. Para se comer verdadeiramente uma laranja, há que provar igualmente, a sua essência, o seu arquétipo, o seu princípio. É por isso que, e muito bem demonstrado pela natureza, a lua só reflecte metade da luz do sol ficando a outra metade por reflectir. Nem o sol se dá a conhecer na totalidade (só dirige uma face para a lua), nem a lua faz a rotação necessária sobre si mesma, para dar a outra face a reflectir ao sol, mesmo estando aparentemente cheia, coisa que, em verdade, não está. Fica pela metade. Dai que, a depuração seja necessária e consequência de qualquer caminho. Porque há sempre dois caminhos no caminho: o caminho da vida, mais longo e o caminho da sabedoria, mais curto, porque produto de depuração da própria vida. Só nos dias d'hoje, extraordinariamente quantitativos, se confunde "mais curto" com "mais rápido" quando ninguém aqui afirmou uma coisa dessas... Afinal, quando estamos a comer uma laranja, estamos a comer só metade, por muito rápidos que sejamos e, se há uma metade da lua que reflecte há, naturalmente, metade de um sol reflectido. 

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Seja o que seja


Seja o som que consola,
o olhar que não magoa,
a dor fugidía de uma flor,
a anedota que não destoa
a lebre que corre por alegria,
os versos soltos de um poema
as margens esquecidas de um rio,
seja o que seja é sempre fonte viva,
correndo eterna, paralela e tocando o dia.