quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Os estrangeirados



Os estrangeirados resumem todo o país a um passado mal resolvido. Como se o nosso país não tivesse um passado mais do que resolvido. É uma forma de argumentar que os ajuda a perpetuar a traição,  a impor-nos uma língua e um imaginário (com a desculpa vaga de uma qualquer aliança antiga, muito mal conhecida, muito mal explicada) que não é o nosso. Tornam tudo medieval porque, segundo eles, nessa altura, as coisas viviam lado a lado, mais do que isso, embrenhadas umas nas outras. Mas o que trazem eles senão uma língua e uma pátria que não é a nossa,? E mesmo que essa pátria tenha nascido cá e ido para países longínquos, não foram eles, mas sim nós, que fizemos os Descobrimentos. Desdobram-se em jogos de cintura mas não passam de "transformadores" de mentes pela língua estrangeira. Vendem iniciações pelo correio, como os americanos, vão sendo um pouco de tudo, à vez, daquilo que é esotérico,  como se isso se comparasse à Alquimia dos Descobrimentos. Infligem iniciações "crísticas", com a escola toda dos teosofistas que baralham para terem a última palavra. Vendem aliás um pouco de tudo para baralhar ainda mais. Não são nossos primos porque as gerações se afastaram. Vêm simplesmente de fora. O passado deles é que está mal resolvido. O nosso não. E não escapam ao olhar atento do anjo Custódio. Não escapam a quem deu o corpo como testemunha. Não escapam a quem é Portugal. No presente e não num sonho vagamente medieval. Para sonhos desses estão cá os de Alá. Nós, por termos feito os Descobrimentos, podemos dizer, sem dúvida, que viemos do futuro. E que a 'Língua Portuguesa, é a nossa pátria". São traidores e tomaram de assalto a serra sagrada. Que não é deles, nem nunca será. Têm o mesmo pensamento que os canais de televisão que nivelaram tudo por baixo. Dão um bocadinho de tudo a todas as pessoas e muito do pior a todas também. Já tinha acontecido antes, vindo do mesmo lugar. Os estrangeirados não largam o osso até obterem o que querem. Até destruírem por completo o melhor que temos. São vendedores mas o seu propósito é muito pior. Não têm a classe de um indiano, não têm a fidelidade de um africano, não têm a sabedoria de um índio, não têm o segredo de um extremo oriental.  São ruínas deles mesmos que vendem a terceiros.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Os fazedores e os que fazem


No filme realizado e protagonizado por Clint Eastwood, com o título “Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos”, a páginas tantas do guião, o actor diz. “Hoje em dia todos querem ser celtas”. Na altura achei graça devido ao gosto que tinha e que tenho, pela chamada música celta. O actor deveria vir agora a Portugal. Por aqui, todos querem ser celtas, ou templários, ou rosa-cruz, ou magos, ou vikings, ou bruxos ou extremo-orientais, ou tibetanos ou o que seja. Depois dos últimos representantes maiores da filosofia portuguesa terem partido, pergunto-me sobre o que se passa. Os grandes, maiores, como Dalila, Agostinho, Quadros, Telmo, limitaram-se a ser eles próprios. Os desalmados de hoje pertencem a grupos, ou étnicos, ou esotéricos, e até mesmo dentro da filosofia passou a existir uma cisão muito vincada entre católicos e maçons em jeito de Dan Brown (por muito que façam pouco do autor, ele limitou-se a espelhar a realidade). Pessoa que é pessoa tem de estar agrupada e em muitos casos “agrupalhada” ou até bi ou tri ou poli-agrupada ou agrupalhada.

Ser naturalmente o que se é, é sinal de heresia. Ir sendo, ainda é pior por causa das incoerências francamente insuportáveis, no meio da esquizofrenia e bipolaridade como formas de “respiração” consideradas normais. Ainda estou para encontrar um que diga que não é nada, nem coisa nenhuma. Essa maravilhosa taça zen vazia. Normalmente os “cheios”, cheios de si que se colam a um grupo maior, étnico, esotérico ou qualquer outro, não colocam o seu nome no centro do labirinto, como Dante, Dürer ou Camões (Pessoa colocou-se em todas as partes do labirinto) porque isso seria considerado “ego” a mais. Mas o que noto é que os egos que nunca mais acabam, templários, rosa-cruz, magos e etc... e tal, são muito pouca coisa, e, por isso, sentem necessidade de juntar qualquer coisa ao seu apelido. São os tais casamentos por conveniência que os levam depois e, pelos anos fora, a saltitar, por aqui e por ali, aos encontrões e aos desconcertos enquanto produzem aquilo a que chamam “obra”, embora de criativos não tenham absolutamente nada; limitam-se, a grande maioria deles, a eliminar quem tenha um pingo de criatividade do seu caminho. Qualquer tipo de criatividade só serve para lhes fazer sombra ou para os remeter para um altar de sabedoria se calha serem eles os visados (positiva ou negativamente) pelo artista, ou seja, andam às cavalitas dos artistas quando podem, como, aliás, qualquer bom burguês -- sim, essa burguesia enfadonha que criticam tanto e que muitos deles dizem contrariar com laivos de gnosticismo onde a moral serve para tudo: para puxar por ela quando estão à beira de se escaldar ou para a recusar quando já estão a morrer de tédio com o enfado da vida que levam… são, de facto, maravilhosos – perfeitamente assumido. É o tal gnosticismo plástico e adaptável às necessidades do momento e, até mesmo, às da idade.
Mas, continuando. Ser natural, ser-se quem se é, isso é coisa difícil. Por dois motivos. Quando não se é grande coisa isso é uma chatice, quando se é até mais do que aquilo que se pensa, eis as portas do sofrimento, da desgraça e dos tais perseguidos e amaldiçoados em terra, a escancararem-se diante de si. E todo o trabalho que isso dá e todo o trabalho que se tem pela frente quando essa realidade é desvendada, conscientemente ou inconscientemente. Neste caso a consciência é suplementar porque aquilo que interessa é o que se é, de facto e, aí, estamos a lidar com uma coisa que está fora de moda: a verdade. Uns dizem do alto do púlpito celta: “Ah, a verdade, ou, o que é a verdade?”, outros, do alto do púlpito “seja do que for”, que ninguém possui a verdade. Ora aí está meio caminho andado para se “agrupalhar” ou “agrupar” (há uns grupinhos um bocadinho muito pequenino melhores do que outros); quando ninguém sabe, ou ninguém tem a verdade, como bolinhas de mercúrio, agrupam-se. E, como ele (o mercúrio) comunicam muito, espelham-se muito, aglutinam-se muito e são acéfalos porque só há uma gota, uma cabeça que é a do grupo porque “juntos somos mais fortes” e somos todos uma família, democrática, claro, nada de Pater ou Mater ou quando os há é por fidelidade à tradição seja ela qual for… qualquer coisa serve porque ninguém estuda, de qualquer forma.
Ora os exemplos destas figuras exemplares da nossa história, como Pessoa, Camões, etc  (basta consultarem algumas biografias na Wikipédia), mostram que, difícil mesmo, é ser-se forte sozinho. E ninguém quer coisas difíceis. O ser-se forte sozinho implica um confronto frente a frente com Deus. Um confronto com o Anjo. Um confronto com nós mesmos. Um confronto com a Verdade, em suma. Terrível, mas muito mais iniciático, incapaz de enganar na imagem projectada que é sempre decadente, suja, maltrapilha, vacilante, duvidosa, temível, frágil, mas densa, muito densa. Exactamente o oposto dos fazedores de discípulos, de adeptos de equipas, de perdidos da verdade que dão a imagem de a terem.
Clint Eastwood, o durão dos filmes de murro e pontapé, intuiu isto muito bem (o filme é praticamente todo dele), quando disse, com um ar ligeiramente irónico e sábio: “hoje em dia todos querem ser celtas…”. Quando não se quer ser coisa nenhuma, então a estrada abre-se à sua frente, e é ainda a estrada larga, porque a outra, estreita, é, quando se quer fazer alguma coisa sem se saber muito bem o quê… e repito, sem se saber muito bem o quê. É apenas uma vontade. Mais forte do que o mundo. E há outras estradas ainda mais estreitinhas mas dessas... 

As bodas


E lá está. Aquilo que se aprende neste país é que não há um projecto para ele porque quem deveria conhecer e amar este país não o conhece nem o ama. Andam meia dúzia de gatos pingados por aí que ainda percebem alguma coisa disto. Mas àqueles que decidem, o país passa-lhes ao lado. O Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso, foi falar ao Primeiro Ministro das Bodas de Canaã. Disse que estava escrito que o primeiro vinho era melhor do que o segundo. Pedir um milagre a um Primeiro Ministro ateu é um alto grau de exigência. Às vezes não sei se ria ou se chore. Ou se espere por melhores tempos. E foi logo às Bodas de Canaã... Quando decido rir, vejo o Governo Sombra, assim finjo que está tudo bem e que o mundo é uma imensa gargalhada. Quando decido chorar, entrego-me ao estudo e espero que a bomba estoure. Há sempre mais qualquer coisinha para nos chatear.
Nos entretantos passeamos por aqui e por ali. E esperamos mudanças de comportamento visíveis e palpáveis. Isso sim, seria um milagre.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Há birra no supermercado



“Ah! Mas o que queremos é recuperar o «espírito» dos Templários!”

Ora bem, ninguém é templário por querer recuperar o espírito seja do que for. Em primeiro lugar o espírito não se “recupera” porque nem está doente, nem é “recuperável”. Ou está ou não está. Em segundo, há aquela noção muito estranha de que o espírito é o auto-convencimento, a sugestão e até mesmo a auto-sugestão. O espírito parece estar muito distante de tudo isso. Conquista-se e não se conquista. Não há diferença entre uma criança que finge ser índio ou cowboy depois de ver um Western e este tipo de “espiritualidade” templária feita à custa de várias imagens e de várias leituras. Como já disse num dos textos deste blogue, se formos por aí, todo o mundo é uma mera e grande sugestão até porque estamos rodeados por símbolos quer tenhamos consciência deles ou não.  Viver a vida com sinceridade parece ser hoje o mais difícil, sem artifícios neo-rituais. Em terceiro, a vontade é surpreendentemente simples e lembramos que a vontade é atributo da Iniciação ao contrário do que se passa no misticismo (como bem apontou Guénon) cujo caminho pode desembocar, ou não, na Iniciação e se o faz é porque sim. Apenas porque sim. Lembro que Dalila Pereira da Costa faz exactamente a mesma distinção como já foi apontado também num texto deste blogue (os interessados que façam o favor de ter vontade e de procurarem porque o facilitismo desta época é a base da inércia que é o oposto da vontade).
A vontade, aqui, aparece como uma palavra isolada porque, neste caso, ela é tudo. Ela não necessita de paramentos, de rituais, de fardas, de armaduras ou de palavras outras, quaisquer que sejam.
Evidentemente que estamos num estado de pré-guerra se é que não é já mesmo de guerra, mas nunca estas foram ganhas com boas intenções (está cheio, está). Elas são travadas com e para o Espírito ou contra ele. Se se parte do princípio de que o Espírito é algo que se perdeu e que tem de ser “recuperado”, então estamos a ver tudo ao contrário. Se se parte do princípio de que o Espírito é obediente ao “auto-convencimento” ou à sugestão auto infligida ou não, então é uma imagem rarefeita e invertida do Espírito, porque definitivamente isso não é Espírito. E se se parte do princípio de que o Espírito pode ser evocado então estamos a falar de magia porque estamos a falar de evocações. Não me parece que o Espírito vá nessa… porque seria contradizer as palavras do Evangelho de Mateus. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei presente no meio deles”.  “Em meu nome” não é o mesmo que dizer “a chamar por mim”. O nome é uma presença, neste caso, se partirmos do princípio que Cristo é espiritual, então faz sentido e, ou está, ou não está.
Tudo isto se torna deveras complicado porque não estamos a falar de crianças que “querem” e são até capazes de fazer birra no supermercado. O terreno é quase paradoxal sem chegar a sê-lo. Conquista-se e não se conquista. A vontade é uma palavra isolada de tudo e, no seu último grau (na sua elevação máxima) é união.
Deste modo podemos dizer que esta onda neo-templária é produto da política, com o seu modo de ser desenraizado, sem espírito (está perdido, não é? Um pormenor engraçado: a Catarina a quem dou explicações, disse-me no outro dia que tinha pena de ter deixado de ser um espermatozoide porque, por causa disso, tinha que fazer os trabalhos de casa – cada um sabe o que perdeu…), sem sabedoria e, quando é assim, mais vale reconduzir as pessoas à realidade, colocando-as a limpar o chão, a lavar a louça, a fazer os trabalhos de casa e coisas assim, até que… talvez sim, talvez não. Depende da vontade e de como é escutada. E do “porque sim”, claro. Pelo menos é uma forma sincera de estar na vida, ou de fazer um trabalho honesto como diz o povo.


RTP 1 às Quintas à noite


https://www.rtp.pt/programa/tv/p37838


Numa época de miserabilismo talvez este programa da RTP possa chamar a atenção de algumas pessoas. Independente da classe ou estatuto social, os ofícios são um modo de aprendizagem, tanto prática, como teórica e ainda a um nível bastante superior.
Por causa desta onda dos Templários onde os seguintes tópicos facilmente se confudem e baralham qualquer um, tópicos como:

- interesse pela História
- Iniciação guerreira
- snobismo e magalomania pessoal
- iniciação real e sacerdotal
- gosto pelo traje (reminiscências da iniciação pelos ofícios?)
- prestígio
- vaidade
- esquecimento fácil do triplo juramento
- falta de cavalos
- falta de uma frota
- falta de templos
- e falta de juízo

indicamos aqui a "coisa difícil", que era ser Templário. Era. Sendo meio monges, meio guerreiros proposeram um lugar na iniciação um tanto ou quanto ambíguo, navegando por entre as águas do sacerdócio e por entre as águas da iniciação guerreira.

Os ofícios, por seu lado, parecem estar em vias de extinção, ao contrário destes ímpetos Templários que crescem. A razão deste crescimento do interesse pelos Templários deve-se à pressa. É preciso acabar com o inimigo e então fazem-se fornadas de Templários umas atrás das outras. Depois, ficam todos vestidos a rigor (mas que bem vestidos) e ficam  também envolvidos no imbróglio dos tópicos acima. Isto se forem conscientes, se não o forem não dão por nada...

Meter as mãos na verdadeira massa é coisa para gente "menor", mas será?

O melhor será experimentar... artes e ofícios com gente que Já Experimentou parece algo de interessante.

Na imaginação podemos ser tudo, Templários, por exemplo, ou até anjos a esvoaçar pelo mundo, mas aquele frio de Inverno, quando se entra na oficina e nem os dedos se sentem e se tem de começar a trabalhar com as mãos que não se conseguem mexer, isso, meus irmãos, é muito chato.  E ainda mais chato é fazer coisas tão pouco heróicas como por exemplo lavar o chão. Durante meses. Anos. Décadas.

Enfim, talvez de entre esta onda de Templários (que nada mais é do que política pura), alguns acordem e percebam que não percebem nada.

Confundir iniciação com trabalho intelectual é coisa estranha mas fica bem na fotografia.

Mas, de qualquer forma, isto já está muito confuso há muito tempo. Em associações de ofícios introduziram o elemento "espada". Ficou também uma coisa híbrida entre a iniciação pelos ofícios e a iniciação guerreira. É caso para pensar que numa mão levam uma pedra (deve ser para atirar) e noutra levam uma espada - e isto quando não misturam mesmo tudo: são iniciados em ofícios, na guerra e, acredite-se ou não, dizem ter ainda uma costela templária (e por isso obrigatoriamente monástica), ou seja, sacerdotal. É obra!

Este programa de televisão deve ser interessante. Sabe Deus, o que alguns ofícios escondem...





quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Aos "sensitivos"


Os meus cães, que são o meu reflexo, são seres amorosos e sociáveis. Qualquer pessoa que aqui entre tem de se equilibrar bem, segurar bem, porque graças ao exagero de sociabilidade, atiram as pessoas ao chão com lambidelas e caudas a abanar que parecem chicotes. Para os vegetais, que lêem o que escrevo, as teorias psicanalíticas são mais do que muitas: conflitos interiores, esquizofrenia, transtornos vários. No outro dia li aos meus cães, veementemente, o texto "mornofização". Fiz gestos, elevei a voz zangada enquanto eles abanavam a cauda. No fim, pediram mais festas, giraram à minha volta, felizes. Há previlégios e visões que só alguns cães parecem ter, bem como apenas algumas pessoas. Quanto aos vegetais, que não percebem nada de textos nem de pessoas, são para comer, acompanhados de um bom bife de novilho. Coisa muito sensitiva, como se vê.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O Bastião



Sempre existiram civilizações (que são modos de viver) que se destacaram. Mesmo por entre a imensidão dos reinos, as civilizações foram modelos dos quais os reinos dependiam, sobretudo culturalmente, naquilo que continham em si de vanguarda, no seu sentido profundo que é o da aproximação à Tradição. A civilização de hoje, é uma só. A norte americana. Rússia, China, Índia, Europa, sucumbiram ao modelo norte americano, um a um, ou em simultâneo, ao aderirem a três vectores fundamentais norte americanos: o valor monetário, o ideal da eterna juventude (para não dizer infantilismo) como indicador maior cultural e a tecnologia como apêndice e/ou complemento do ser humano.
Portugal guardou alternativas:
Uma língua rica, um temperamento em simultâneo doce e exigente, o comércio nato com dimensões que vão para além do aspecto monetário, a preferência do trabalho manual em detrimento de uma tecnologia invasora e dominadora do ser humano, a poesia (mais até do que a literatura ou a vã filosofia), a História e a Iniciação na/e com a História.
Ter a percepção disto é fundamental para o desenrolar do tempo.
Ter a percepção de que este conjunto de valores, intrinsecamente portugueses, são indissociáveis, de que são impossíveis de serem copiados e de que são apenas susceptíveis de serem vividos é ter a percepção deste país como sendo, em muitos aspectos, um bastião qualitativo.

 

 

 

Mornoficação





Banho Maria, águas de bacalhau, em suma, “mornoficação”, palavra inventada agora para tentar descrever os efeitos e movimentos da teoria da guerra suave e amorosa, autêntica massagem de egos, ternura incomparável, fusão sublime com o inimigo por entre um (muito vago) perfume de rosas, teoria proposta pela camada fina que cobre o bolo actual da pseudo-filosofia que nada mais é do que um modo de vida. Bato-te. Oh! Mas bato-te com uma flor porque estou tão, mas tão perto da Santidade, da Perfeição etc… & tal, Lda. Poupem-me a estes comportamentos adoptados porque produtos do raciocínio, apenas do raciocínio e nada mais, porque o corpo não está lá, nem a presença, nem a luz, nem nada que valha a pena.
A agressividade passiva, topo dos topos do feminismo, é o timbre dessa filosofia de vida que nem sabe ser agressiva, nem amorosa; nem sabe ser amorosa, sobretudo, depois das tormentas e dos raios e da violência e das vagas e das tempestades e das “lágrimas do céu” como cantam os “Heróis do Mar”. Querem uma espécie de Descobrimentos da Sabedoria, fácil, com menu a bordo e uma grande festa num palácio improvisado no convés. Querem uma viagem sem Moby Dick, sem Baleias, sem Jonas, sem segundos nascimentos de verdade e não essa fantochada imaginária produto da volta que deram aos desgostos da vida. Uma viagem tranquila, feita de sonhos vagos e visões/desejos para a sua própria vida, apimentada com uma ou outra colher de erudição.
Ai! Que enjoo, mas que grande enjoo isto provoca. Antes o enjoo de não ter tempo para guardar as velas, não vá o vento rasgá-las, o enjoo da vaga que cobre o barco, o enjoo das balanças que nos levam a saltar na casca de noz para ficarmos a saber que sabemos voar. Mas não! Anda tudo em gôndolas! Por esses canais apertados por palácios (em ruínas) que são montras do luxo cultural orientalizado, meditado, sentado em posição de lótus a pensar em coisa nenhuma enquanto o barco se afunda. E ninguém puxa as cordas e ninguém vai ao leme (quanto mais o “mais do que eu”, pois claro, nem nasceram de novo…) e ninguém grita (é de mau tom) por Deus, por Santa Maria e se sacode e salta e voa porque tem mesmo de ser. Porque têm de Ser!
Oh! Poupem-me a esses retratos mandados fazer a metro para caberem na parede do palacete. O vosso coração nem se aperta, nem se rejubila:
-- Dê-me Vossa Excelência a honra de vos dizer que o que está a dizer é uma inverdade, uma aproximação ao largo, um ligeiro desvio da rota, um erro, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e humano, isto não desfazendo a Magnífica pessoa que é, bem com a sua Obra! Oh! A sua Obra que tenho o prazer de ter em casa numa prateleira central; central, percebeu? Isto não desfazendo, claro…
E mexe os dedinhos, e faz um sorrisinho, na sua posição de Lotús. (Onde é que andam as flores de Liz, onde???).
Poupem-me a essa esperança vaga na humanidade que é sempre construída mentalmente, raciocinada a partir de Um Exemplo Particular que Aconteceu na Vida do Próprio e que é imediatamente Amplificada para toda a humanidade (megalomania da mais pobrezinha que há…), poupem-me a essa poesia florida que tem de ser toda explicada, símbolo por símbolo (quando os há) porque ninguém os conhece. E porquê? Porque não querem saber. E porquê? Porque a humanidade se estupidificou (isto não desfazendo) e vamos tentar dizer E-s-t-u-p-i-d-i-f-i-c-o-u com um sorriso. Soa a cinismo, não soa?
Meus lindos, camaradas, companheiros, colegas, parceiros, partners, se Jesus viesse à terra e visse os vendilhões (que não são só de lembranças de Fátima, mas pior, de sentimentos e de poses baratas) teria que pedir ajuda a arcanjos, multiplicar até, aquele que traz uma espada na mão e começava numa ponta, por esses meditativos de sorriso prostrado, co-adjuvantes desta humanidade de trapos embebida em água morna e acabava noutra, feita de vendilhões de filosofia de banha da cobra.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Noés


Pintura de Cynthia Guimarães Taveira


Ainda alguns hão-de deixar arcas sabendo que a sua acção só pode ser reservada num mundo dissolvido e no qual a política se imiscui em tudo, até nos mais inocentes actos como a escolha de um nome, de uma cor, de uma palavra. A política avessa e contrária ao espírito gravada na consciência dos homens como sendo o mais elevado, a mais elevada aspiração, a mais gloriosa das lutas e guerras a travar. 

Neste meu quarto, onde ouço tudo amplificado, mais tarde ou mais cedo, as palavras que parecem grandes, os gestos que parecem nobres, têm na sua raiz a política, a ideologia, a escolha democrática obrigatória para quem se quer dizer gente porque assim foram educados desde o 25 de Abril e desde o antes 25 de Abril. Homem que é homem, mulher que é mulher, define-se politicamente.

Quando nos encontramos com o passado e com as horas nele passadas a trabalhar para aquilo que nascemos, porque o outro tipo de trabalho é só fadiga, tédio e perda de tempo, quando entendemos que esse trabalho é desconhecido, resta a arca que guarda o arcano e o arcaico, quer seja uma arca visível ou invisível. Na realidade, tanto faz.

O gosto do lucro, do prestígio e do poder, sem contar com o da imortalidade mais frágil de todas que é a da memória,  de se ficar com o nome preso a uma qualquer memória,  qualquer encantamento temporário, torna em ouro tudo o que não é isso, como a outra face de Saturno, o outro tempo que não este escorreito e dos quais  Saturno é ambos senhor. A arca é uma responsabilidade voluntária meramente pessoal. Nada nem ninguém obriga a ela uma vez estando feito algum trabalho.

Imagino uma série de Noés, com barba longa em fila indiana, guardando pedaços da sua viagem, não vá a humanidade precisar deles quando resolver crescer qualitativamente, coisa que não o tem feito.

O presente torna-se um mero subterfúgio para esse envolver em panos, em rito funerário e protector, o corpo das obras, mais para os outros do que para Deus, porque Deus já as viu.

A arca é sempre um berço reunindo forças. Se há coisa de valor nesta época é esta espécie de solidão benéfica atingida e em que alguns são largados. Aí, encontram-se nos seus olhos as suas experiências e os seus entusiasmos escutados apenas acima deles, sem intervenções políticas que são sempre transitórias e mudam de lugar no xadrez do mundo que é feito de tempo e de espaço. O tempo contribui muito mais para esse jogo de xadrez do que se supõe porque o tempo é essencialmente memória e fadiga.

Alguns tiveram a sorte de ter tido um percurso tão rico e tão simbólico que permite que a arqueologia do seu próprio passado seja uma revelação, ou uma série delas.  Esses, quando se olham ao espelho, são caleidoscópios vivos, mas que só a eles dizem respeito. Hoje os homens odeiam-se porque têm medo. Os que não se odeiam têm passado e os que amam têm futuro. São, esses os mais reservados, boas colheitas, na cave que é caverna onde é guardada a Luz do Espírito.


Ele não engana


Nesta época de fragmentação a caminho da dissolução, o hiato entre a palavra e a imagem é cada vez maior. Se no início andavam juntas, agora, as palavras parecem por vezes um pouco perdidas e as imagens, sem essa irmandade da palavra, são cada vez mais ilusórias. Tornou-se muito mais importante mostrar o rosto do que mostrar as palavras ainda que o rosto seja uma breve fotografia, tirada num breve segundo, uma captação de coisa nenhuma a comparar com as imagens que somos durante uma hora, por exemplo. A imagem foi, a pouco e pouco tomando o lugar da palavra de honra, dar a cara tornou-se muito mais importante do que dar a palavra de honra. A palavra de honra está ligada a uma franqueza absoluta do coração. A imagem, sem a palavra perde essa franqueza. Qualquer escola de actores sabe isso. É assim que podemos ver pessoas com uma excelente imagem que projectam para fora a vacilar na franqueza do coração que nada mais é do que a honra. Qualquer gesto que façamos, para além da imagem que lhe é inerente, vem acompanhado da palavra. Essa palavra pode ser de honra ou não. Aquilo que é mais difícil de encontrar são as duas coisas juntas. O gesto e a palavra de honra. Até porque a palavra e a imagem andam cada vez mais separadas. O algodão divino não engana. Numa guerra "absolutamente imaginária" estas coisas pesam muito. Neste mundo verdadeiramente de faz de conta, sem aspas, estas coisas não pesam nada. É por causa disso que se assiste a tantos e tantos a vacilar. Como se, no íntimo, soubessem que alguma coisa não está bem e, é claro, soubessem também que o algodão divino não engana. E tem sido tão fácil fazer o teste.

domingo, 20 de outubro de 2019

Quadro


Tantas são as raízes como as pétalas, Têtraktys.
O muro separa o jardim do exterior.
A flor tem as raízes nela própria, o seu vestido é a terra
O jardim é o centro
Ela oferece a flor à flor
A flor é o espelho dela
Três flores, uma minha, outra tua
Outra para o mundo
Sob o olhar do puro espírito que espreita
Nem do lado de lá, nem do lado de cá
Porque ele está acima.

Directamente do jardim


Os textos são espontaneamente feitos com flores que nascem espontaneamente no jardim.
Diz povo que a verdade é como o azeite e é curioso o simbolismo do azeite que servia para ungir vindo da oliveira, árvore biblicamente conotada com a bonança. Senti no ar choques que não provinham de mim com o último texto aqui publicado. Numa época em que a malfadada palavra tolerância (palavra e sentimento que nada tem a ver com o amor, antes pelo contrário, soa a comportamento adoptado ou a raiva amainada pelo politicamente correcto), dizia, numa época em que a palavra tolerância anda nas bocas de todo o mundo mas que, ao observar à volta, facilmente se vê que ninguém se tolera e se o faz é por causa do politicamente correcto, dizer que a verdade se deve sobrepor a esse sentimento impingindo pelos políticos parece ser chocante. Na verdade, de verdade e em verdade, facilmente largam das suas bocas a palavra tolerância enquanto a palavra verdade parece esquivar-se por implicar dois preconceitos. O primeiro é que ninguém é dono de verdade, se fôr dono da verdade é um tirano, o segundo é que a verdade mata a desonestidade e isso não é muito interessante nem para políticos nem para os carneiros que os seguem. Ainda assim, mau-grado ter tido a sensação de que confrontar a tolerância com a verdade não tinha caído nas boas graças de pessoas que têm de si a imagem de caridosas - a generosidade nada tem a ver com a caridade - tive há pouco tempo uma história de vida, que não vou contar porque envolve terceiros, cuja base é exactamente essa. A tolerância que pratiquei por alguns anos tinha uma razão de ser. No meu íntimo, na verdade, sabia que ao ser tolerante iria tentar suavizar a fúria contida de algumas pessoas, daquele animal que está agachado nelas e pronto a saltar e que sempre o vi, agachadinho mas ao qual dei muitas festinhas tolerantes e com quem pratiquei a caridade (generosidade não foi porque o animal agachado não sabe o que isso é), até que um dia, depois de anos nisso, fiz uma observação simples, coisa de nada que teria passado despercebido se o animal não estivesse especialmente nervoso - o animal é um conjunto de pessoas e eis que a verdade irrompeu, e o animal deu um salto incrível. A verdade que guardava no meu íntimo sobrepôs-se num instante a toda e qualquer espécie de tolerância até aí praticada por saber que se tratava de um animal cruel e sedento de violência. Deste modo, este paraíso artificial de tolerância que nos querem vender a toda a hora pode ser até praticável por algum tempo mas, mais tarde ou mais cedo, por uma qualquer razão razoável ou pouco razoável, é engolido pela verdade do próprio inferno em que as criaturas vivem e sempre viveram. Somente a verdade nos pode dar um cheirinho do paraíso e, contra factos, não há argumentos. É coisa de azeite e de oliveiras acima das águas tenebrosas e turbulentas. Do jardim vêm as flores com que se faz um texto. Do jardim do paraíso, claro, porque as histórias são os homens que as fazem e as contam.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Para os inovadores

Desenho de Cynthia Guimarães Taveira

Antropologicamente, a beleza é cultural, um dado adquirido culturalmente.
Mas aquilo que a beleza é, de facto, é uma Revelação. Nesse sentido (quem não a sentiu assim, não a sentiu e disso não passamos), ela é Celeste. Há uma tribo para a qual os dentes pretos são considerados belos, há um povo para o qual são os dentes brancos assim considerados. Mas quem viu a Luz passa a vê-la onde ela está. Exactamente onde ela está. A cultura não condiciona aquilo que se apreende do alto. No alto, não há tolerância, há verdade. É nesse ritmo com que dois corações procuram pela floresta os sinais da beleza que, subitamente, numa clareira, a luz se revela fazendo com que tudo à sua volta se dissipe em direcção ao seu verdadeiro lugar, o lugar do incerto. E apenas quando regressam da floresta sabem reconhecer a luz onde ela está. Não há corrente filosófica, por muito vanguardista que seja, digna de lavar os pés da Iniciação.

A exteriorização


Pintura de Cynthia Guimarães Taveira

Chegados a este fim de ciclo parece não haver vida interior que, uma vez exposta publicamente, não fique sujeita ao ridículo. Se o poeta canta é apedrejado por uma qualquer pedra ainda que outros o louvem num exagero imperdoável. Já de si, a vida interior exposta sofre uma espécie de queda, raramente ela aparece sob a forma de um único símbolo o que tornaria o facto menos vulnerável, mas, estendendo-se pelo espaço, difundindo-se, expandindo-se, a vida interior afunda-se no inconsciente dos outros aos quais não pertence e se se afunda no consciente dos outros, aos quais igualmente não pertence, rapidamente adquire todas as formas possíveis, numa perda irremediável de tempo. O mais que há a fazer é uma arte que nos redime no silêncio e no lado oculto da lua ao qual ninguém chega com os seus tentáculos do sol fisicamente negro. Toda a extroversão corre o risco de ser um contributo para o estado caótico actual. A ser feita, deve indicar o belo, o bom, e a inteligência, três virtudes apenas reconhecíveis por elas mesmas.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Tu...


Continuas a ser
Comigo
Um Amor
Apenas e só
Por seres tu
Sempre
A dizer-me
Ao ouvido
Essa verdade
Tão deliciosa
Como cerejas
Como as conversas
Deliciosas
Como verdades
Nos caminhos
Verdes, azuis
E de luz
Nesse compasso
Feito de montes
Vales
Um cavalo
E dois cavaleiros
Se soubessem
O quão simples é
Desmaiavam
Desmaiavam
Desmaiavam
E alguém tinha
De os levantar
A rir, a rir, a rir
Como nós rimos
E nos banhamos
De luz

(Cynthia Guimarães Taveira)

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Satie










Nave, asa única do anjo
na subida densa,
leva-te pela mão devagar,
passos à frente no espelho do futuro.
 
Disseste quem eras quatro vezes,
e das quatro uma quinta nascida,
última , segreda-te o segredo
da rosa ardente no beiral...
 
Mais à frente, asa do anjo
de pétalas vermelhas vestido,
diz já teres visto a beleza
da cabeça da criança acordada,
vinda do outro lado,
como dum outro poema nascida
 
Olha severa e sorri:
Não te castigarei,
mas lá de cima virão aqueles
que te dirão o que nunca ousei.
 
Que a rosa é só verdade,
só jardins prometidos,
só luz entrando pela casa,
só água da fonte
que por água tenho bebido.
 
Ainda baloiça ao vento
esse verde que tenho por amigo,
esses pinhais, esse ouro,
esse barca serena
num mar de trigo.
 
Satie, a ilha da rosa,
feito único por o ser,
nota a nota  canta o sol
do ocidente vir a nascer.

 (Cynthia Guimarães Taveira)

domingo, 6 de outubro de 2019

Para poucos....


Retrato do Herói

Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.

                                Ary dos Santos

sábado, 5 de outubro de 2019

A gruta


Ia a subir a rua e a pensar: há pessoas que não acreditam no transcendente-transcendente, com ifen, porque se forem inteligentes percebem facilmente que há coisas que as transcendem porque se assim não fosse, sabiam tudo. Por isso, acreditam, mesmo que não o digam a si próprios (o que se diz aos outros é cada vez menos importante), no transcendente. Aquilo em que não acreditam é no transcendente-transcendente, numa sobrenaturalidade. Nascem, crescem e vivem como aqueles que acreditam nela, se a vida for assim tão redutora quanto isso. E pensei que no meu caso (o caso dos outros é com os outros), mesmo que não quisesse, teria mesmo que acreditar no transcendente-transcendente, porque, então sim, estaria a ser completamente irracional se não o fizesse. É a evidência de um conhecimento que me é superior que me leva a ser racional quanto a isso. A clarividência de qualquer pessoa não é um caminho para o encontro com os outros é, na maioria dos casos, o percurso para a mais-do-que-consciência da distância que nos separa dos outros. Um encontro existe sempre entre, pelo menos, dois seres, duas coisas. O facto de o "mais" perceber e conter em si o "menos" não é, em si, um encontro porque o menos não se dá conta do mais e daí que haja, sim, uma distância cada vez maior. A reciprocidade nada têm a ver com a reacção a um estímulo. O que existe é a aceitação de que as coisas são assim. Qualquer pessoa hoje que leia meia dúzia de coisas é levada a pensar que foi convidada para o baile, que pode e sabe dançar. Ora a dança é das poucas actividades humanas que requer reciprocidade, até porque o baile é sempre entre deuses. Em castelhano, "hostia" quer dizer "murro", "estalo" e asneiras bem fortes. Dou este exemplo porque o resultado de um baile entre "gente que não sabe dançar" consegue ser ibérico nas potencialidades que a palavra "hóstia" contém. E a Península Ibérica é constituída por dois países. O baile acaba por receber crentes no transcendente que não sabem que são, por crentes no transcente que sabem que o são, por crentes no transcendente-transcendente que não sabem que o são e por crentes no transcendente-transcendente que sabem que o são. Já não é um baile, é um concerto do Tony Carreira... Onde todos vão lá parar, quer queiram quer não. Raros são na verdade os encontros e quando insistem nessa coisa do "amor ao próximo", numa espécie de caridade (dizem que é o outro nome do amor, mas não é, é apenas a sua parte mais baixa) esquecem-se de que o amor assim é o mais passageiro que existe, até muito mais do que a paixão que está muito mais unida ao Amor do que aparenta. Quando cheguei ao cimo da rua, já não queria saber destes pensamentos para nada. Já estavam embutidos na minha alma há tanto tempo. O tempo que levei a subir a rua. Como aquilo que dizemos aos outros tem cada vez menos importância, aquilo, pela lei do pêndulo, que dizemos a nós próprios, torna-se importante, ganha grandeza e amplifica a vida. Quando aquilo que dizemos aos outros tem importância, então, pode ser que haja um encontro, e aí, já podemos falar de um baile à moda antiga ... porque naturalmente aquilo que os outros nos dizem entra na esfera dessa amplificação. Na verdade, quanto maior for essa amplificação que só é possível na medida em que nos distanciamos dos outros, menor a probabilidade de um encontro, porque o encontro entra naturalmente na obra que o transcendente-transcendente vai fazendo com a nossa ajuda. Somente o transcendente-transcendente nos dá a verdadeira dimensão do outro. Esse outro é raro, precioso e único, como nós e só assim ambos se reconhecem. Tudo mais são tácticas de venda que podem ir desde os livros, ao prestígio, ao poder até à caridade de valor transitório, útil mas transitória. Depois disso, de subir a rua, o meu irmão, que fala pelos cotovelos, encontrou-se comigo e disse meia dúzia de coisas que confirmavam o que tinha pensado. Apareceu com um caderno de frases de escritores debaixo do braço. Frases que algumas delas já conhecia. Uma delas falava dos véus. E pensei: até os véus deixam de ter tanta importância quando percebemos em que baile estamos... E de que gruta viemos.