segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O teu nítido caminho

 


Vais, por esse nítido caminho

e, os teus leitores seguem-te,

sombras do teu sol.

Esteve um dia com nuvens de leques azuis

e todas elas eram os teus outros, refulgindo.

Reunimo-nos à mesa,

Erguemos os copos e, no nosso universo,

dissemos, em uníssono, que estás vivo.

Os passos das tuas palavras

regressam sempre às nossas casas

com se lhes pertencessem.

Portugal tende a navegar ao largo dos teus versos

e, uns tantos, lançam-se no mar, 

não se importando com as vagas dolorosas

ou com os ventos a desfavor.

Mais um pouco, e sentam-se em volta das palavras

como fogueira ardendo, aquecendo as almas d'Inverno

que todos somos quando não sabemos do nosso país.

Ecoam cânticos  de saudade, como se tivesses partido,

e, por entre eles, vem aparecendo,

tão nítido como o teu caminho,

o Anjo de Portugal. 



Um beijo eterno, da sempre tua, 

Cynthia

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Incomentável


~

Não comento o que nem é sequer digno de comentário por ser uma voz calada por entre notas soltas e deslavadas. Ainda que comentasse, de nada servia. Assisti, nos últimos anos, às maiores reviravoltas das quais tenho memória. Nem lá em casa, quando alguém mudava de opinião política se pode comparar com o que se passa agora. Permaneço nobre.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Adeus


 Um grande senhor, arquitecto, ambientalista e monárquico. O futuro, melhor dizendo. Partiu hoje, mas não as suas ideias. Até sempre e obrigada por tudo. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

És doce

 


(Desenho de Cynthia Guimarães Taveira)


Só me lembro de ti assim, tão doce
de mel, fabuloso
em dias que voltam sempre como o mar
os teus olhos de promessa
as tuas palavras pela tarde levadas
as pontas dos teus dedos
soltando a areia dos teus dias
que são sempre o entardecer
antes do entardecer
aquela zona do dia
quando o sol brilha solto, ainda
embora o horizonte já chame por ele.

E essa água morna, salgada mas doce
na tua pele, salgada mas doce.


só me lembro de ti, quando em voos
te envolvia
como abelha fascinada
em terras do fim do mundo
em torno do eixo do mundo
convertendo-me a ti,
meu polén indefinido
sem saber bem de que flor vinhas
e se me sabias, tão doce como tu


só me lembro de ti, a rir, doce
num planeta só nosso
a natureza a crescer a cada momento
um pouco mais e a agitar-se ao ouvir 
o teu riso doce, fazendo-me arrepios
de beleza, de beleza

só me lembro de ti como uma gota de luz 
tão dourada como o sol do entardecer 
antes de o ser.











domingo, 1 de novembro de 2020

Dia 1 de Novembro

 


Tive a sorte de conhecer Dalila Pereira da Costa, António Quadros e António Telmo. Eram pessoas absolutamente normais e capazes de trazerem um fôlego novo aos estudos sobre Portugal. De trato simples, nada complicados, agradáveis, simpáticos e atentos. Hoje lembro-me deles como se fossem de outro mundo. Um mundo que já desapareceu. Continuam a ser uma espécie de faróis, de luzeiros num campo que ora está num crepúsculo, ora está mergulhado na noite. Escreveram o suficiente para voltarmos sempre lá. E escreveram pela sua própria pena. Deram-me uma memória rica. Inigualável. Cada um deles era igual a si próprio. Por vezes pergunto-me por que é que esse mundo já morreu. Que diferença há entre hoje e ontem? Toda. O interesse pelas coisas nascia puro e assim se mantinha pelo percurso. Foi quando me dei conta de que esse mundo, de pessoas simples, tinha acabado que quase entrei em depressão. E foi o povo que me deu a mão porque nos seus gestos simples estava tudo o que esses outros tinham escrito. E foi o povo que me disse que tudo continuava vivo. Há, de facto, uma espécie de orfandade pela noção de que perdemos a companhia de sabermos que quem admiramos continua vivo. Os livros que eles escreveram, esses estão sempre vivos, à nossa espera. Ninguém preenche o vazio que deixaram. O mundo, entretanto, transformou-se num verdadeiro caos e, com ele, as pessoas. Ao ponto de os lerem sem os entenderem ou de os lerem e de se tornarem visíveis à sua custa, como se isso fosse o mais importante. O mais importante foram as memórias que nos deixaram e o facto de serem pessoas simples sem qualquer preocupação com a visibilidade, apenas alguma mágoa devido ao facto de, por vezes, não serem entendidos, os que é absolutamente natural. A falta de figuras assim acompanha a actual desfiguração de Portugal. Essa desfiguração é, por sua vez, um acompanhamento da desfiguração do mundo. O movimento é decadente, actualmente. A complexificação não é garante de sabedoria, nem a simplificação tampouco e há quem faça disso porta-estandartes quando nada mais tem para oferecer. Quer num caso, quer noutro, parecem espelhar apenas a ausência de reflexão. António Quadros pensava-se lunar face a António Telmo. Sol e lua lado a lado. Depois, essa figura feminina, Dalila, parecia conjugar os opostos com tranquilidade. Tudo naturalmente, porque a qualidade nasce, não se fabrica. O panorama actual é desolador. O deserto imenso, ideias inóspitas, quando são ideias… é possível viver-se com o trauma de se ter conhecido a qualidade humana. É possível viver num luto permanente. Mas é também essa memória que nos alimenta. O facto de poderemos regressar a ela e de revertermos o tempo. Quando as pedras falam. Quando as tocamos e vimos o que guardam. E quando, por sorte, encontramos alguém no caminho capaz de nos lembrar a nossa origem, nem que seja o povo simples, cheio de arte.