sábado, 17 de junho de 2023

A Educação

 


A Suécia colocou um travão na digitalização nas escolas devido ao perigo de os alunos ficarem "analfabetos funcionais". É muito conhecida a relação dos leitores com os seus livros. São objectos pessoais, com história, com cheiro, com carícias e momentos. Os livros quase ganham o estatuto de gente. A educação em Portugal está toda mal e o facto de o Estado colocar a pata em todos os momentos escolares é o descalabro. A educação encontra-se pelas ruas da amargura porque responde numericamente a uma Europa burocrática que necessita de números para se manter à tona num mundo de grandes potências económicas. Tudo se tornou uma razão económica. Temos estatísticas que nos dizem que a população "não é renovada", por um lado e, por outro, nunca o planeta esteve tão povoado. Temos uma Europa envelhecida "encostada" ao Estado social, por um lado, por outro, temos verdadeiras potências e pró-potências com elevada taxa de juventude, de maneira que estar vivo num determinado país significa estar a lutar por um qualquer espaço que é o mesmo que dizer "recursos". O espaço é um recurso e os países só sobreviverão se o seu número populacional o justificar... a par disto temos todos os movimentos separatistas da Alemanha, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Chipre, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Itália, Macedônia do Norte, Moldávia, Países-Baixos, Portugal (Açores), Reino Unido, República Checa, Rússia, Sérvia, Suécia, Ucrânia ... é longa a lista e a questão dos recursos chama-se "sonho de autossuficiência", sonho impossível neste mundo globalizado. A Europa nasce do Aço e do Carvão e o seu baptismo foi e Economia. Desta feita, dessa fada traiçoeira que fadou o bebé, não se livra. E a educação em Portugal foi, a pouco e pouco, sendo engolida pela economia de maneira que, num mundo competitivo tecnologicamente, convinha criar seres preparados para essa tecnologia para não se ficar atrás nessa competição. Resultado: "analfabetos funcionais". Este analfabetismo funcional não se deve apenas à digitalização nas escolas, deve-se à ideia de um mundo competitivo em termos tecnológicos e competitivo relativamente aos recursos, sejam eles, água, alimentos ou energia, é esta a base de tudo, inclusivamente da desgraça em que se encontra a Educação, pois é devido a isto que são necessários os números para enviar à Comunidade Europeia, cuja única preocupação é sobreviver, no meio de todos os obstáculos: envelhecimento da população, grandes potências económicas, taxa de juventude de alguns países, luta pelos recursos no mundo, tecnologia de ponta, esta última servindo para tudo, desde a saúde às armas (que são o oposto da saúde). Ora, um português, antes de ser europeu, é português. Pela família, cultura e língua. Só depois descobre a Europa, o mundo e, se tiver oportunidade, o espaço sideral. Isto de estudar Antropologia é uma enorme desvantagem pois esta parece tender no sentido inverso do percurso do mundo. Esta disciplina ensina-nos que os jovens, na puberdade, na maior parte das culturas, eram introduzidos na sua cultura, no seu espaço, na sua História. Se pensarmos bem, vimos que não é mal pensado. A formação era, noutros tempos, humanística, e a tecnologia ficava remetida aos planos práticos. Entrar e pertencer a uma comunidade era um processo humanístico, sobretudo. Mas os iluminados modernos, inverteram o processo e o plano tecnológico, tornou-se prioritário na educação, sendo que este plano é global e não local. É o mesmo que começar a educação de uma criança explicando-lhe tudo sobre o espaço sideral, sem lhe dar a conhecer a sua própria comunidade, a história da mesma, a sua língua, etc. O analfabetismo foi quase substituído pela palavra literacia. Ler letras não é o mesmo do que compreendê-las. Mas donde vem a capacidade de compreender as letras? Da cultura humanística, a mesma que foi colocada de parte e que começa por introduzir os seres na sua própria comunidade (dando-lhes um sentimento de segurança e de pertença, já agora) para mais tarde, sabendo de onde são oriundos, poderem partir para o restante mundo e cosmos e saberem assim para onde vão. O analfabetismo é mau, mas o analfabetismo cultural é muito pior. Agora, com a inteligência artificial, a grande tentação irá ser a de delegar a memória e a cultura em máquinas e, os seres humanos, correm o risco de ficar reduzidos às tarefas básicas de "carregar ou não no botão", isto se não lhes for implantado um chip à nascença, algo que já se passa quase de certeza. Na Suécia, deram-se conta de que as crianças carregavam bem nos botões, mas que não sabiam nada. Eram funcionais a não saber nada. Lembro-me de já ter alertado para os riscos deste tipo de educação cegamente obediente aos números. Há "exames nacionais" com perguntas iguais para todos e com respostas previamente estipuladas. Só assim, dizem, há democracia porque todos têm de responder da mesma forma e às mesmas perguntas. Só um ceguinho é que não vê que isto é uma autêntica ditadura cultural dentro de um país. Uma criança de uma aldeia transmontana vive numa realidade diferente do que uma criança na capital do país, não tem, nem deve responder da mesma forma, nem tem ou deve saber as mesmíssimas coisas. A cultura, só se torna geral, mais tarde, quando já nem nos damos conta de que é cultura. Os professores tornaram-se apenas numa ponte obediente a um Ministério que obedece a uma Europa que obedece às exigências competitivas do mundo e isto não é ambiente para que quem quer que seja possa aprender. É a base que está errada. Profundamente errada. O ensino está assente numa ideia de competitividade, mesmo que não esteja visível e quando aprender começa assim, com a palavra competitividade, os resultados são escabrosos, como aliás se nota. Uma das piores palavras do mundo que enchem a boca de todos os políticos, e que a dizem com um sorriso, como se fosse a melhor coisa do mundo, é a palavra competitividade: ela está ligada ao jogo e está ligada à guerra. Pelo jogo, temos o entendimento imediato de que a vida é um jogo, coisa que não é, e pela guerra, temos o entendimento de que a vida pode ser aniquilada em nome dos recursos. A nossa civilização desceu até à animalidade mais primária: os cãezinhos brincam (têm sentido lúdico) em idades juvenis, e até mais tarde, e quando crescem, lutam pelos recursos. É este o plano em que nos encontramos e o plano que faz mover o mundo, por muito que ouçamos Mozart, Haydn ou Beethoven. De maneira que, o que está por detrás do recuo, por parte da Suécia, na digitalização das escolas, é apenas e tão só, um problema antropológico. O mesmo problema que sempre tivemos: o de sermos bestas, humanos, deuses ou anjos...  

terça-feira, 13 de junho de 2023

Parabéns, Fernando.

 


Meu querido:

Escrevo-te hoje, dia 13 de Junho, para te dar os parabéns. Passam 135 anos desde o dia em que nasceste e todos devíamos celebrar o teu nascimento. Porque és, de facto, único. Ultimamente tenho andado a pensar em ti e na distância que vai de ti a este mundo actual. Conseguiste a proeza de gerar Literatura, de quem hoje se pode dizer que o faça? Conseguiste a proeza de seres um mistério vivo. Quem hoje o é? Tu que te afirmaste como sendo nada, à parte de todos os sonhos do mundo, terias de conviver com esta civilização de gente imbuída do espírito de que são tudo, um sonho vivo e sobretudo, muito importantes. Adivinha-se já a crítica, não é? Todos conhecem a tua imagem e poucos te lêem. Todos reconhecem o teu chapéu, os teus óculos e a tua expressão entre o triste, o sério e o ensimesmado. Sabes porquê? Porque estamos na época das projecções de imagem. Primeiro começou, este hábito, com as fotografias, depois com o cinema e agora, todos podem tirar uma foto ou gravar um vídeo instantaneamente e colocar a coleção de imagens em ecrãs para todos verem. E é o que fazem. Sistematicamente. Projectam imagens de si próprios como se isso fosse crucial para se sentirem vivos e para serem dados como vivos. Das palavras, da consciência e da alma, pouco sabemos. Sabemos apenas das imagens, a maioria delas vazia, sem nada a reter senão elas mesmas. Tu que te preocupaste com as palavras como espelho da consciência, estranharias tudo isto. Todo este mundo de fantasmas sem consistência. E, aqueles que se preocupam com a alma, também são estranhos. Muito estranhos. Unem-se em grupos e almoçam ou jantam juntos. Dão muita importância às refeições. Tu que comias ovos estrelados solitariamente, devias estranhar estes banquetes daqueles que se preocupam com a alma. E retratam-se a comer, ou no fim das refeições para mostrarem a todos que são amigos. Tu, que tão poucos amigos tiveste… deverias estranhar o tempo dedicado ao convívio como coisa maior do que qualquer obra. Também creio que se hoje existisses, ninguém te entenderia na mesma. Pensariam que serias um ser estranho, longe do burburinho visual e das duas uma, ou te tomavam como guru, ou te invejariam de tal forma que te ignorariam. Se te tomassem como guru isso seria porque hoje todos precisam de orientação, de alguém que lhes diga qualquer coisa, que os distraia, que os anime e que os façam ganhar esperança não se sabe bem em quê… podemos questionarmo-nos se as pessoas querem sabedoria, ou se querem “evoluir espiritualmente, ou se querem salvar o mundo, ou se querem apenas andar por aí a distraírem-se com alguém que os distraia. Na verdade, não vejo ninguém tão ocupado como tu andaste, assim inquieto, com a tua obra que é maior. Talvez as pessoas me intriguem como a alma humana te intrigou a ti. Muitos ou dizem ou julgam-se estando numa demanda. Mas demanda de quê? Se lhes perguntarmos diretamente, saberão responder? O problema é falar com as pessoas de maneira que elas entendam, embora o entendimento possa ser um mau entendimento, ou um bom entendimento ou apenas parcial. Sabes como ando? Com a alma calada. Ela que me é tão exterior, parece-me que não está interessada em palavras. Assemelha-se a um lago tranquilo. Não sei se já alguma vez estiveste assim. Sem palavras por as pressentir inúteis. Mas quem disse que as palavras têm de ser úteis. Se fossem sempre úteis ninguém falaria no estado do tempo que é indiferente às palavras. Só gosta de danças da chuva. Lembras-te de pedires à Lídia para se sentar contigo à beira-rio? Parece que Lídia se sentou à beira-lago, olhando o mundo como um espelho de uma outra realidade, invisível e sobreposta. Como aquela ilha que escreveste estar próxima e distante. E mesmo assim, Lídia fica imóvel, numa quietude estranha, tão parecida com a do lago que se fundem. Talvez saiba que por mais que agitasse o lago com qualquer pedra que lançasse, este voltaria à sua forma estática e impassível e poupa-se, assim, a movimentos da alma demasiado complexos. O mundo permanece em queda livre e nessa queda é estático como um lago. E Lídia, acompanha esse movimento que é um não-movimento. Não se quebra porque o abismo não tem fim. Por isso, estranho esta quietude. Parece quase irracional. Até um voo picado de uma ave tem mais sentido, porque procura alimento, ou simplesmente sentir o ar a percorrer-lhe as penas. Se calhar é a vida bucólica que a torna assim. Não tem estradas para atravessar, apenas caminhos para percorrer, numa sucessão de paisagens indiferentes à sua presença. Mas hoje é o dia do teu aniversário e celebro-te com saudade. Ter saudades de um poeta é a glória deste mundo, tal como está. Mesmo que sejam umas saudades silenciosas, sem palavras, mas tão fortes que produzam um qualquer som no universo. As saudades têm essa capacidade. E da Saudade, nem se fala. Essa, altera mesmo o cosmos. Dá-lhe uma tonalidade fascinante, e une os tempos desunidos. Talvez a queda se transforme em voo e procure então as cúpulas em vez dos absimos. Talvez se lance de repente para cima e talvez as palavras surjam como estrelas.

 

Um grande beijinho

Da sempre tua,

 

Cynthia



segunda-feira, 5 de junho de 2023

O dito e o não dito

 



Queria ajudar-te a florescer, dando-te um ofício que tem o poder de produzir alguma beleza, para reparar o mundo. Enfim, ao nosso nível. Pelo gesto. Pela beleza  do gesto”.

 

”Não lhe custa coser vestidos que custam os olhos da cara e vir trabalhar ao Sábado, para depois ganhar uma miséria?

- Para começar, eu não ganho uma miséria. (...) O que conta não é o preço de uma coisa, e sim o seu valor. É o valor, não é o que custa. Percebes a nuance?

- Dedica toda a sua energia ao seu trabalho.

- Ao trabalho? Porque falas em trabalho? Isto que estás a aprender é um ofício! Vale todo o dinheiro do mundo! É um ofício que poderás transmitir. Que poderás levar contigo. Isso é que é a verdadeira riqueza!

- Um trabalho alimenta-nos, um ofício...

- Um trabalho não alimenta, minha infeliz! Um ofício é que alimenta! Alimenta o teu orgulho, alimenta o teu imaginário. O sentimento de se ser útil.”

 

Frase e diálogo retirado do filme “Alta Costura”,

 realizado por Sylvie Ohayon 

 

Em poucas palavras, se diz parte do que é importante. A outra parte, é indizível e só pode ser vivida.