quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

A Relíquia


Num dos seus muitos e engraçados livros, Bill Bryson refere o factor "poluição" como uma realidade muito mais próxima do que suspeitamos. Segundo ele, os corpos humanos actualmente têm um nível de poluição muito superior (muito mesmo) ao que tinha no início do século XX. As toxinas são mais do que muitas e já não imaginamos um corpo sem elas. Lembrei-me disto depois de ver o último episódio da série "Relíquia Perdidas dos Templários" exibido na RTP 1 nas últimas quatro quartas-feiras à noite. Aquilo que mais me chamou a atenção não foi o ar desarticulado de tudo aquilo pois já estou habituada a séries assim, há muitas no Canal História, mas sim, os Cogumelos Mágicos que supostamente teriam dado uma ajudinha no convívio entre Templários e   o "mundo espiritual". Essa ideia é recorrente por entre alguns estudiosos destas coisas. Já não imaginamos corpos sem muletas e muito provavelmente a existirem tais coisas, existiram num planeta muito menos poluído. 

Em termos iniciáticos existe uma diferença fundamental entre a palavra "suporte" e "veículo". Nas cabeças modernas, essa diferença não existe. Um "suporte" pode ser dispensável. Ocorre-me a ideia escrita por Fernando Pessoa :"Quem tenha em si o poder de sentir pronta e instintivamente a vida dos símbolos não precisa de iniciação ritual." Nesta simples frase, o poeta esclarece. Sendo o rito, segundo Guénon, um conjunto de "símbolos em movimento", entende-se melhor onde o poeta quer chegar. Sendo assim, a nova forma de leitura de ritos iniciáticos antigos, na qual os alucinogénios que provocam alucinações estariam sempre presentes parece-me ser, também ela, dispensável. Não é com alucinações que se justificam iniciações. Até mesmo Fernando Pessoa, amigo do álcool, não pode ver a sua obra magnífica justificada graças a ele. E se não pode, é porque existe alguma coisa de transcendente que se impõe para além de tudo necessitando apenas de um veículo (um corpo) e nem sempre de um suporte. Convinha aceitar que as condições do próprio planeta, e com ele as do corpo humano, eram diferentes daquelas que hoje existem e, aceitando isso, talvez nós passe pela cabeça, que o cálice, o relicário, a espada e o almofariz talvez não tenham assim tanta importância, a não ser para uma visão materialista da espiritualidade. Dizem os supostos "donos" dos objectos que agora, com aquelas aquisições, fica provado "aquilo que se dizia" e ficamos sem saber a que se referem. "Aquilo que se dizia" e que se diz é que a Ordem dos Templários foi convertida na Ordem de Cristo e que, a partir daí, aconteceram os Descobrimentos e isso está mais do que provado. Aquilo que alguns dizem, por outro lado, é que as drogas são fundamentais para a existência de estados alterados de consciência. Não são. E relativamente aos estados alterados de consciência, também eles têm muitas gradações, basta estudar um pouco.

Este tipo de ideias promove a ideia de acessibilidade fácil a algo que é cada vez mais raro: a Iniciação. Tomam-se drogas, vêem-se e/ou ouvem-se umas coisas e está feito. O simplismo acaba com os "donos" dos artefactos sentados à beira do lago, muito cansados (passear cansa) a beberem um copo de vinho. De nada lhes serve a "verdade histórica". O vazio total. Como vazia é a televisão por ser poluição. E nem sequer um único poema. O vinho de Fernando Pessoa era diferente, só pode. 


 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Amanhecer





Há amanheceres diferentes que amanhecem primeiro em sonho. Foi o caso de ontem quando em passeios por casas antigas me foi dirigido o convite para espreitar o amanhecer, sentada num balcão. Um espetáculo. O azul, que nada tinha de crepuscular, era todo pintado pela manhã e, nele, em vez do sol, um festival de estelas cadentes matinais desenhando arcos como se fossem fogo de artificio. Ouro sobre azul turquesa claríssimo. Só depois amanheceu concretamente, quando acordei. Mas aquela manhã que se queria por concreta e legítima nada tinha a ver com a manhã do sonho, essa muito mais verdadeira. As estrelas cadentes, na minha mitologia particular, sempre foram boa novas, rasgos de luz viajando pelas estrelas e pelo negrume. O dia apagou-se face ao sonho e nunca o acompanhou naquela alegria explosiva do céu em festa. Desdobrou-se lentamente como um caracol mais preguiçoso do que o habitual e nada mais fez que não fosse ofertar-me elementos para mais uns quantos sonhos, a sua única missão no mundo. 

 

Análise Moderna de Poema


 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Foi quando...


-- Foi quando encontrei os criadores capazes de reconstruir o Jardim do Paraíso que me dei conta que, até aí, tinha andado com más companhias. 







quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Argumentos



Quando aquilo que nos transcende se apresenta sob a forma de factos, todos os argumentos, já diz a expressão, não existem. Sendo aquilo que nos transcende, transcendente, resta-nos então a contemplação como aquilo que melhor se pode aproximar ao e do sublime. Depois, na Queda, damo-nos conta da retórica cujo movimento é inverso e se mantém apenas devido aos argumentos. Os argumentos são sempre plurais e extensíveis na pluralidade. A grande diferença entre a poesia e a retórica é que a primeira nasce da contemplação que surge com os factos transcendentes e a segunda só se mantém de pé apoiada nos argumentos que lhe estão imediatamente abaixo. Sensível, como é, a retórica quer aproximar-se da arte não obstante a inestética do submundo argumentativo. A poesia, por seu lado, partindo da transcendência, quer apenas regressar ao Paraíso do qual ouve os ecos. A filosofia só se torna bela na demonstração e a demonstração não é uma apresentação de uma sucessão de argumentos, mas sim de factos transcendentes. A pluralidade deles assemelha-se a flores na Primavera; os argumentos assemelham-se a flores secas e mortas que as árvores dispensam e que vão formar o húmus na terra, o alimento físico da árvore. As flores nascem com o sol e do sol e viram-se para ele. Por breves momentos, as folhas caídas conservam vestígios de ouro solar para se apagarem na escuridão ao passo que as flores vivem todo o ano, independentemente das estações. As flores de Inverno têm calor.