quinta-feira, 30 de novembro de 2023

No dia em que voaste


Meu querido Fernando:

Neste dia de aniversário do teu vôo, escrevo-te a partir de um Portugal em ruínas. A gulodice de estrangeiros abastados, de estrangeiros desamparados e de muitos portugueses nascidos em berço de inveja e de cobiça estão a dar cabo do país. Isto sem contar com a classe política que não é classe nenhuma. Já não há classes sociais com base na função, há classe monetárias. Portugal desaparece a olhos vistos, engolido por seres que não o merecem. Nada fica de pé, nem as gentes, nem a natureza, nem a cultura, nem a memória, nem os símbolos e isto porque a desumanidade diz que as gentes não interessam, a cobiça diz que a natureza é dispensável, a ignorância abaldroa a cultura, o medo afasta a memória e o ódio vence o símbolo. É disto que Portugal é feito hoje, uma mescla inabalável e cujo estrangeiros pés descalços ora em cultura ora em educação, ajudam a calcar ainda mais todos estes defeitos. Até há alguns anos estávamos entregues aos bichos nacionais, agora juntaram-se-lhes os internacionais. E digo bichos porque o mundo está e é cada vez mais uma selva eufórica que mete medo e não cheira bem. Nada disto é xenofobia, meu querido Fernando, porque só há xenofobia quando culpamos os estrangeiros por tudo, não, não é isso, a culpa é de dois terços dos portugueses e de um terço dos estrangeiros que se deixaram encantar pelo pseudo-paraíso. Ora porque são ricos chateados de morte em busca da humanidade (aqui só a encontram pontualmente numa certa doçura que ainda temos), ou são pobres, desesperados de morte que encontram aqui a promessa de uma vida melhor (raramente encontram uma grande vida). Mas pior do que eles, somos nós que já nada esperamos de nós mesmos. Os portugueses estão adormecidos, para não dizer mesmo mortos para o sonho que os devia animar. E estão-no por vontade própria. Parecem estar possuídos por formas puras de autodestruição. Ainda há quem diga que a culpa é das ideologias sem perceber que a luta ideológica é a base da democracia que nos mina. Quando a democracia vive e subiste dessas guerras, a essência de Portugal que é o comunitarismo (jamais comunismo!) a par com o individualismo (como sinónimo de seres despertos para si e para os outros), essa essência, dizia, afasta-se subtilmente da festa, dando passos para trás e saindo pela porta da criadagem para não dar nas vistas. É isto que se passa, meu amor. É deveras triste assistir a tudo isto sem poder intervir, nem interferir. Se as vozes de burro não chegam ao céu, também a dos anjos não chegam a uma terra povoada por burros. E a burrice é quem mais ordena (já não há sequer povo). Quando os portugueses vão votar, vão a uma pastelaria do século XIX. Lá dentro não há ninguém sentado nas mesas, apenas fantasmas. E na montra têm à escolha bolos, alguns petrificados, outros podres, outros ainda irreconhecíveis como bolos. E lá apontam o dedo cadavérico para a sua escolha. Os fantasmas ainda tentam lançar farpas para os avisar, mas o pior cego é aquele que não quer ver. 

Desculpa meu querido. Sabes que de vez em quando és citado pelos políticos? Sempre que o fazem, sinto uma náusea. Se eles te tivessem lido, veriam que não são dignos de te citar, nem sequer as notas de rodapé que escreveste à margem do rio das tuas palavras. 

Vivo envergonhada com o meu país, mas ainda pior, revoltada. Só Deus sabe e ouve o quanto.  As massas podres avançam a passos largos. É um exército desalmado, louco e invencível. Só o meu grito os vence. Aquele que Deus e tu ouvem. 

Uma grande beijo,

Da sempre tua,

Cynthia 

terça-feira, 14 de novembro de 2023

O meu reino não é deste mundo...


 Quanto maior o custo de vida e menores os recursos financeiros para lhe fazer face, maior a corrupção. Desta feita, temos a nossa "democracia" entregue aos abutres e são eles os corruptos, os potenciais corruptos e os futuros corruptos em todos os partidos, isso é certo.
Temos o Bloco de Esquerda que enche a boca com a palavra democracia, mas que em termos ideológicos é mais radical que o Partido Comunista e nenhum deles está livre da corrupção a começar pela corrupção das ideias: vendem a alma ao diabo e daí a facilidade com que ambos se refiram a si próprios como democratas quando, não são. Se chegassem ao poder, sem ser como bengalas de outros partidos, acabavam com a democracia num piscar de olhos. Depois temos o centrão, rotundo, gordo e anafado, como o S que compõe o seu nome, a saber, PS e PSD, onde fervilham velhas raposas dos negócios e jovens vestidos de escuro com camisa branca e, claro está, mochila às costas para passearem o computador, todos eles, se não corruptos, circulam, porém, na linha ténue que separa o serviço público (" deixa-me rir... Esta história não é tua" - obrigada, Jorge Palma) e o abismo distópico da corrupção, de vez em quando caem alguns lá dentro. Temos uma Iniciativa Liberal , cujo mote é "Homem que é homem, é empresário", ou outro "Cresce, homem! Faz-te a ti mesmo". Ora sabendo nós do papel das empresas na corrupção, não advêm daí grandes esperanças. E temos também, a grande novidade de raposas oportunistas acompanhadas dos seus jovens que não o são menos aos quais é dado o ridículo nome de Chega. Outros que tais cujo o mote é "junta-te a nós, irritado de morte, e baila connosco. Dá uma oportunidade aos oportunistas" e os idiotas, alimentados a futebol, furor e Facebook (estes são os verdadeiros "efes"), são arrastados na onda de um pénalti do oponente que "foi ao lado", de maneira que o meu reino não é deste mundo. Só sei que está tudo mais caro e que quanto mais caro está, mais estes monstros  neste caso, de seis cabeças, sete se pensarmos no próximo presidente, cresce e dá voltas sobre si...

 "Aqui ao leme sou mais do que eu..." 

Fernando Pessoa, continuo a amar-te. Sem dúvida. As tuas palavras são o sal da vida.