terça-feira, 30 de setembro de 2014

Iniciações....


O Bulling não é pedido, impõem-se. Os rituais pedem-se, não se impõem. Há iniciação sem ritual. Essa não se pede, impõem-se...


(Cynthia Guimarães Taveira)

Kairos


Há palavras de anjo e de consolo
Nas horas próprias, para cada choro
Uma resposta dada pelo pêndulo
Solta do além, da máscara, e do tempo

Segredos há não revelados, mas sentidos
E não deixa de haver sua face em luz
Que ora na hora fere, ora na hora salva
Os gestos, com ou sem culpa, cometidos

Kairos fala e sem querer morremos
Face a face com a nossa fase visível
Ensinando-nos no seu ser invencível
O quão longe do tempo somos e nascemos

 
(Cynthia Guimarães Taveira)

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Ciclo vicioso, nem sempre...



Luas? Somos todos nós. Depois, há as luas cheias que nascem em Sintra. Sintra que antes de ser lua era sol. As luas cheias que nascem em Sintra são proféticas.Têm uma memória mais viva do sol. Só porque nasceram lá. De nada serve a profecia face à vontade dos homens... todos os avisos proféticos são uma abstracção... uma tentativa de evitar o erro. Mas errar é humano. E somos todos luas. O luar é uma memória do sol. A residência do sol é o silêncio. Resta a Saudade. Só. As saudades são humanamente resolúveis. A Saudade, não, obriga à aproximação do céu e da terra. E quando isso se dá, de nada serve a profecia... face à vontade dos homens. Somos todos humanos. Somos luas. Os astros circulam por elipses, várias: a grande elipse e depois as outras invisíveis, com altos e baixos (onde reside a alegria).  Nessas elipses, estão mais ou menos próximos do centro. Quando estão mais próximos, apaga-se o mundo. Quando mais distantes, ele se reacende. Sair do mundo e voltar é uma condição. Uma condição solar. Por vezes, apressadamente interpretada, quando devia ser cuidadosamente interpretada. Porque a cada entrada e saída nasce uma consciência e cada consciência nascida é uma memória desperta. Uma memória que sempre esteve tão perto e nunca, até aí, havia sido percepcionada. O passo que vai da transformação à transmutação passa por essa consciência. Até que se torne uma trans-consciência ou uma consciência transcendente. Luas? Somos todos. Uma memória que, por vezes, nem a noção do que é a memória tem. Por isso, nem a noção de nós temos... por isso Fernando Pessoa, na Mensagem, escrevia:
 
"Ninguém sabe que coisa quer.
 Ninguém conhece que alma tem,
 Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
 
A Saudade é um choro. O choro mais saudável que há. Igualzinho ao de um recém-nascido acabado de chegar. Quem chora o choro da saudade, respirou um pouco de transcendência residente numa nova consciência. O povo português inventou a palavra Saudade para melhor tentar definir este momento com sentido. É nesta Hora suspensa, deixada em testamento, que o poeta afirmou toda a força da poesia e da palavra quando ela é destino... o mesmo intuiu Almada Negreiros quando afirmava ser toda a Arte uma estratégia para a Poesia. A Poesia é memória acesa e por isso, sem tempo. Dizia ter Fernando Pessoa saudades dos seus futuros leitores... por algumas razões do seu próprio contexto, talvez, mas talvez mais ainda por saber que para o ler havia que ser poeta... saudades dos seus futuros poetas... Sebastiões sem fim... verdadeiros guerreiros transmutadores. Loucos incompletos. Luas? Somos todos nós, mas quando somos poetas, somos luas cheias...  cuidar é gostar. Criar é amar. Quem ama, naturalmente, cuida... (mesmo a medo como António Ferreira) e um pouco mais... a tal condição solar que nos vai salvando. A salvação, aparece-nos sempre como algo repentino... como uma espécie de Livramento (a quantidade de terras com este nome, Livramento, em Portugal...). Mas talvez ela seja feita lentamente. Como um choro. O da Saudade. Aos apressados nunca foi dado o céu...
 
(Cynthia Guimarães Taveira)
              

domingo, 28 de setembro de 2014

Dois poemas



Quando quero, escrevo um poema.
Escrevo do que vejo,
escrevo do que escuto,
escrevo do que sinto.
Quando quer, o poema rescreve
O poema que em mim já escrevi


(Cynthia Guimarães Taveira)



Palavra




No tempo vário das palavras
em várias palavras vai sendo dito
da variedade delas e do que se pensa.
Mas a senda sentida não as sustenta...

Não são disformes mas precisas,
regulam e medem o infinito,
são passos acessos e ocos
estendidos além bruma do sentido...

Quem dera fossem elas milagres,
ousadias do destino
Se as visse na imagem que não vejo
talvez soubesse do sentido sobejo...
 
No tempo em que as palavras falavam,
elas eram o destino,
hoje são vontade, apenas
resta o coração e seu ensino.

 
(Cynthia Guimarães Taveira)


sábado, 27 de setembro de 2014

Até lá...



Até lá que se negue, que se combata, que se sublime tudo o que não for isto. E tudo o que não for isto são palavras vãs, meros simulacros ou apenas oposições necessárias no espaço e no tempo, meras, também, condicionantes humanas... do que se poderia e de como se poderia ser... porque cada Religião é uma criação humana, porque cada Instituição que a representa é um mero reflexo dessa criação (reflectindo-o com maior ou menor fidelidade, mas nunca perfeito... não há Unidade Transcendente das Religiões – cada uma delas é apenas constituída por partes de um Todo... e essas partes são diversas entre si, podendo, no entanto, ter pontos em comum) e  porque há um astro que se eleva todas as manhãs e esse  astro, tal como um embrião de um mineral, tem uma função, um destino, neste mundo, dentro das nossas coordenadas espacio-temporais, das nossas possíveis coordenadas espacio-temporais... e essa função, esse destino do Sol, é deixar de ser negro. Isto é linguagem hermética. Ou a usamos ou não. A escolha é nossa... até lá, há um horizonte... talvez mais próximo do que suspeitamos, talvez mais longínquo. Mas até lá... há um horizonte. As últimas palavras das Mansões Filosofais escritas por Fulcanelli (quer seja um grupo, quer seja um único homem... mas sendo decerto uma sabedoria, essa sim, ancestral), foram escritas a Ouro. Aquele Ouro que só alguns homens, pouquíssimos na História recente dos últimos milénios do mundo (Kali Yuga) conseguiram  alcançar.

 (Cynthia Guimarães Taveira)

 
“A IDADE DO OURO

 No Período da Idade de Ouro, o homem, renovado, ignora qualquer religião. Rende apenas, graças ao Criador, de que o Sol, a sua mais sublime criação , lhe parece reflectir a imagem ardente, luminosa e benfazeja. Respeita, honra e venera Deus neste globo radiante que é o coração da natureza e o dispensador dos bens da terra. Representante visível do Eterno, o Sol é também o testemunho sensível do seu poderio, da sua grandeza e da sua bondade. No seio do brilho do astro, sob o céu puro duma terra rejuvenescida, o Homem admira as obras divinas, sem manifestações exteriores, sem ritos e sem véus. Contemplativo, ignorando a necessidade, o desejo e o sofrimento, guarda ao Mestre do <Universo este reconhecimento comovido e profundo que as almas simples possuem e este afecto sem limites que liga o filho ao Pai.”

Fulcanelli, “As Mansões Filosofais”, edições 70 – Colecção Esfinge – Lisboa, Página, 444

Evocação



Arquétipos, quantos são?
Trago-os na alma e no coração.
Quantos estão esquecidos
de quantos nos lembramos...?
Hermes, rei, onde te escondes?
Em que diálogos deixaste a memória?
Arquétipos, em quais vestes te camuflas?
Para trás de que cortina do olhar?
Só os podemos encontrar a evocar.
Luz, porque que te retiraste para tão longe
do bom senso dos homens?
Alegria, porque não te manifestas,
agora, no júbilo do sol?
Tantas trevas em nome do mundo a governar.
Tanta loucura na cegueira do ser Deus.
Hermes, rei, onde te escondes?


(Cynthia Guimarães Taveira)



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Impérios


Quantos Impérios trazemos ainda às costas? E que peso, que preço, que pressão nos deixam ainda para que não se  soltem as asas... ? O que deles são pedras, o que deles são penas, e o que deles nem pedras, nem penas mas leves plumas a voar?

(Cynthia Guimarães Taveira)

Brisas...




Procurava-se o vazio para que o espírito nele soprasse...

- Tu pensas?

- Penso.

- Eu apenas creio e o espírito sopra por mim sem que dê por ele... sou transparente... vazia e transparente... como as imagens que se querem negar...

- E assim transparente... acabas por ser todas as imagens que negas, porque todas passam por ti, não se detêm. A brisa de Elias passa por ti, mas não és a brisa...

- Tu pensas?

- Penso e vou nas imagens abraçada, uma a uma... provavelmente nunca serei a brisa mas, por momentos, de tão abraçada que estou, sou brisa. Breves momentos. Preciosos.

- Tu pensas?

- Penso que Deus não é nome próprio, nem comum, nem comum colectivo... e que só por breves momentos Ele se ergue de verdade no vale, como uma brisa.

- Tu és a saudade?

- Sou.

(Cynthia Guimarães Taveira)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Sabedoria



Quantos de nós erguemos a nossa sabedoria por sabermos do movimento dos astros? Mas quantos de nós, alcançam tal amor, que por ele os astros se movam?

(Cynthia Guimarães Taveira)

Saudade



Diz-me com antecedência
para onde vão os teus passos
Diz-me antes de o seres
o que serás

Diz-me dos teus apetites
antes que os tenhas
E das tuas dores
antes que se revelem

Diz-me fora de tempo
os sonhos que te hão-de raptar
E todos os encantos
que te hão-de ensinar 

Diz-me tudo o que não sabes
sobre ti
E tudo o que vieres a saber
e que a ti te encontrará 

Salta para fora do tempo
(e para o interior de ti)
para dentro e fora dele,
te poder esperar.

(Cynthia Guimarães Taveira)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Rir ou chorar, that is de question...




A Tourada

Não importa Deus ou deuses
Pentagramas ou bandeiras
Toureamos ombro a ombro
As trevas
Ninguém nos leva à verdade
Toureamos mano a mano
Só nos podem causar dano
As secas 

Entram sufis, lamas e ocultistas
E as éguas pretas
Entram espadas, aventais e barretes
Mas não os poetas
Entram bravos templários e archotes
E sem os contar,
magotes

Entram búzios depois dos turbantes
Que não levam nada
Soam trompas em apocalipses
E não soam nada
E só ficam  tontos aspirantes
Cuja profissão
É crer. 

Com medalhas e excursões
Afugentamos o ter
Estamos no centro do cosmos
E somos....
 
Nós vamos pegar o segredo
Pelos cornos dos tabus
E fazermos do negro chumbo,
Gurus
 
Entram et's doidos e esoteristas
Entram em bandos-cruz
Entram as agendas e revistas
Entram sem raiz
Entram rosa-cruz com pistas
Por que tudo o mais
É vista 

Entram energias à pancada
Em liberdade presa
Entra a deusa desgarrada
do fosso do mundo
Entra máscara e a vela acesa
E o v.i.t.r.i.o.l. em fundo
E fujo...
 
Entram catequeses e orgias
Entram frustrações
Entram muitos mitos e magias
E justificações
Entre muita lábia e muita regra
E contra-tradições

E diz o falso profeta
que acabaram
As opiniões...


(Cynthia Guimarães Taveira insuflada de Ary dos Santos)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Geometria fractal e não só....





A geometria fractal  ensina-nos a transformação. Ensina-nos como ela é feita, gradualmente. O grande assemelha-se ao pequeno. No pequeno, (que compõe o grande), por vezes, dá-se uma pequena alteração. É o suficiente para o desenvolvimento ficar diferente e existir a possibilidade de todo o padrão se ir transformando em função dessa pequena alteração. Quando isso acontece, o grande fica alterado, também. Há certas músicas celtas que funcionam assim. Quando damos por ela já a música está toda alterada. Isto aplicado em várias áreas é curioso. Se dermos fatias do mesmo bolo a várias pessoas partimos do princípio que cada fatia bolo tem exactamente a mesma quantidade e proporção dos mesmos ingredientes. Na verdade, cada fatia de bolo é uma parte de um todo,  igual a si própria e não igual à fatia do vizinho do lado. A partir daí, todos os participantes da festa pensam que comeram o mesmo bolo. Na verdade, comeram do mesmo bolo, não o mesmo bolo.  Cada um vai ter uma digestão diferente em função dos ingredientes que absorveu (isto para além das diferenças naturais entre pessoas). Muitos dos mal entendidos entre os seres humanos partem daqui. Daí que se possam observar os mesmo erros e as mesmas virtudes repetidas ad eternum e daí que tenhamos, por vezes, uma sensação de claustrofobia. Vivemos numa sociedade de fragmentos, de segmentos. Muitas vezes, até, aquilo que nos parece radicalmente diferente, é no fundo, muito semelhante, porque obedeceu à geometria fractal. E aquilo que nos parece, radicalmente muito semelhante, é profundamente diverso na sua origem. Estou em crer que há quem já tenha dado por estes mecanismo geométricos, e sei que a informação hoje se confunde com o poder. No entanto, como o mundo é um bolo complexo, e não há só este mundo, a grande tentação de quem possui a informação material das coisas e o mecanismo segundo o qual a matéria se comporta, é o de pensar em termos de poder, como se existisse uma tentação profunda do ateísmo ou da ausência de sagrado na qual, nem sequer o fogo aos deuses é roubado por não existirem deuses... isso é o que produz a ausência de transgressão, ou seja, a possibilidade de transformação. No outro extremo há outro tipo de situações que promovem, até sem querer, essa ausência: o tomar uma não transgressão por uma transgressão, só porque, aparentemente, todos os dados fornecidos pela “imagem” conduzem a uma falsa noção de transgressão. A isso chama-se manipulação e, como sabemos, a imagem é a marca das grandes ditaduras. Entre a imagem e a sua semântica, na verdade, às vezes ergue-se um vale de sombras a atravessar. E digo, ergue-se, mesmo sabendo que um vale não se ergue. Mas se o virmos, assim, erguido, estamos ao menos, despertos e talvez aptos a perceber a diferença entre transformação e transmutação.

Cynthia Guimarães Taveira

sábado, 20 de setembro de 2014

Incorreção




Ainda que tudo seja falso,
há nos olhos inseguros,
a exigência da exposição
de tudo menos dos nossos segredos
Ainda que vacilemos
na humanidade que somos,
e duvidemos
e questionemos sem fim
e estremeçamos
e que não saibamos....
Ainda que sonhemos
sonhos de longe,
e de tão longe assim vistos,
que não possam ser sonhados,
e memórias vacilantes,
que de tão presentes
não possam ser memórias
mas presentes em verdade.

Ainda que revelemos
olhares de orações,
ainda que se caminhe
com a graça
de uma coreografia sagrada...

Ainda que despejemos pelo dia
todos os símbolos
de todos os Graal
ensinados nas noites
inesperadas...

Ainda que avistemos
a terra como mistério,
o mar como segredo,
a vida como amor,
a flor como revelação,
as cores como ideias,
os caminhos como reais,
a luz como fim dissolvente
de intuições não pedidas...
 
Ainda que os nossos ossos
se reduzam a pó
face à grandeza da carne...
E que a carne se petrifique
face à grandeza da alma...
E que a alma se evapore
num sopro de Espírito...

Ainda assim
há sempre o ilimitado
em limitado disfarçado,
caricatura gasta da História
levando-nos a um caminhar sereno,
corrector mundo,
na ilusão limitada
que no limitado
se corrigiu e ascendeu.
(Cynthia Guimarães Taveira)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Estojo

 
Há um pequeno estojo que guarda vários lápis.
Nele estão contidas as grandes paisagens vastas
Nas urduras vacilantes o que conhecemos mais
É o corpo que nos sutenta, já da alma que o alimenta,
Poucos são os que a escrevem e menos os que a lamentam.
Esse estojo descansando na mesa tem o nome de seu dono
em sete letras que o marcam: “Saudade” do que a alma é...
Fechado, incluso no compromisso de estudo,
de nada serve saber dos livros e do culto,
se não for aberto e das cores lá dentro se tornar desperto.
Lida cada letra de cada livro na casa de cada um, atento...
Lápis a lápis sublinha as linhas, fragmentos, reuniões de cada tempo.
Linha a linha, de lado a lado e tendo lido o que se foi relendo,
vasta era a alma, muito mais afinal, do que julgávamos ir sendo...
Há um pequeno estojo, num espaço que mal se vê
E é ele que em verdade vê o que sem ele nem se lê nem revê.

(Cynthia Guimarães Taveira)

domingo, 14 de setembro de 2014

Inimigos


Os inimigos que o ocidente de hoje contém em si e não apenas fora de si são: a traição, a falsa-tradição, o materialismo e o radicalismo. Para a traição há que descobrir onde está e o que se trai. Para a falsa-tradição há que responder com a verdadeira. Para o materialismo excessivo há que o combater com a simplicidade. Para o radicalismo há que o vencer.


(Cynthia Guimarães Taveira)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Histórias nulas



Existirão histórias nulas? Existirão histórias que já nascem sem existir, histórias que não são histórias, histórias que nem se chegam a contar ou que se chegassem não seriam histórias sequer? Ou serão essas histórias, por serem a antítese da História produto directo do Espírito, como se este não tivesse sequer necessidade de se desenrolar no tempo. Diz Fernando Pessoa que um ritual são símbolos em movimento. E quando esse movimento não existe? Se a História é tempo, se um ritual é a tentativa da ausência de tempo, então, no momento parado do conjunto de símbolos há mais do que um não tempo. Há uma evidência do Espírito. Sempre me fez confusão o mestrado dado a Alberto Caeiro como se alguma coisa me escapasse... as coisas são como são. Só? Apenas...  e o mais estranho é que nessa História nula, as coisas são como são, e isso, pela presença sublime do Espírito é difícil de reconhecer. Só mais tarde, como um eco, uma memória mais saliente, essa História nula repõe os elementos que não a compõe no devido lugar. E nesse momento o Espírito volta a manifestar-se, porque sempre esteve lá, nessa ausência de História e de um para aquém de um não-tempo e, provavelmente, tem ainda mais sentido do que qualquer história que exista, de facto, ou pelo menos, um sentido imediato.


(Cynthia Guimarães Taveira)

domingo, 7 de setembro de 2014

Comparações possíveis e impossíveis



Comparam-se estes tempos a quaisquer outros na História, estudados, investigados? Comparar-se-há porventura se se tomar a perpspectiva tão na moda de que os extraterrestes é que fizeram tudo por nós: pirâmides, arte, engenho... mas se não tomarmos essa perspectiva como totalizante das explicações para a totalidade de tudo, comparam-se estes tempos, a quaisquer outros? Compara-se a nossa arte, o nosso engenho, a nossa quase ausência de pirâmides a quaisquer outros tempos e atitudes? Como se na Era da vigilância em nome da segurança aquilo que se produz é insegurança?  Fórmula acrescida de sobrevivência da Iniciação, como se algo nos dissesse, como num circo: “E agora, ainda mais difícil, o número que se segue!”, quase como se exigisse um silêncio acrescido ao já grande silêncio. Nos abismos da alma, dizem, vive o Espírito. E que alma é esta que “agarrada” a televisões, aparelhagens, máquinas e fuzíveis se avaria e desvaria num percurso que se tornou duplamente sinuoso como um labirinto desdobrado. Não se anulará o Barroco a si próprio na dupla afirmação? Talvez sim, talvez não, como resposta dupla, em sintonia com a pergunta. E que se espera afinal senão esse acordo  (re)conhecível como sempre se esperou? E hoje só será possível esse acordo se se adequirir uma dupla sensibilidade? Talvez seja isto a evolução da espécie... ou talvez não passe de um esforço desnecessário, como se se perdesse energia, ou antes, se deixasse que a energia fosse para onde nem sequer faz falta. A duplicidade, para além da condição da manifestação, tende a tornar-se quadriplicidade alterando os dados do jogo, ou então, puxando-nos mais para além? Daí que quando falamos em Tradição hoje, e tanta gente fala, de que falamos afinal? Comparam-se estes tempos a quaisquer outros? Ou será necessária uma dupla atenção alterando-nos assim a nossa condição uma vez desdobrados? Estará também aí, não só, mas também aí, onde reside essa dupla atenção o Sebastianismo de Bruno, o Supra Camões de Pessoa, uma das leituras da tri-peça de Bandarra, a voz dos poetas que vêem do futuro, presentes já em crianças coroadas como imperatrizes? Ou será tudo um dispêndio de energia, de facto, como aquele a que assistimos quotidianamente como sintoma de fim de ciclo? Que tempos são estes?
 
Cynthia Guimarães Taveira
 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Pena inquieta



Peneira a peneira
com pena de peneirar
Com tanta pena nem empana
com a pena a chorar.
Na pena há uma pena
de viver a peneirar
escolhe de um lado e do outro
retira, põe, na peneira volta a entrar.
Leva a peneira o tempo que levar
tanto tempo leva e pena...
que mais vela do que pena
É com pena que o faz
chora mas logo mais peneira
para não se enganar
É com pena que a pena
Põe a peneira a peneirar
mas peneira que se prese
continua e não emperra
peneira aqui, peneira ali
E vai sabendo da pena que fica
depois da peneira e de tanto penar.


(Cynthia Guimarães Taveira)

 

 

 

 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Tempo




São os momentos de ler e reler
E por outra vez saber
Da alma que no cerne rege
A península exacta do ser
 
Na voz incandescente do futuro
Não mais é o tempo em vão
Todo uno e assim murmúrio
No qual benditos navegam e vão

Não se omite a palavra
Mas apenas o som que sustém
No choro adivinhado da saudade
Está suspensa a eternidade

Vagas marés de desdém
Nada são para a espuma das ondas
Cantada alegremente
No palco em concha da Mãe
 
Deus permite que assim seja
Porquanto se cante a graça Dele
Ergue-se a chama acesa
Que nem dormindo cessa

E o que é permitido ver
Pode ou não acontecer
Ou são os tombos dos barcos
Ou força que o Homem quer 

No grito e na dor reside
A força do mundo aflito
Mas no Amor vivo e profundo
Está a salvação dele e num segundo

(Cynthia Guimarães Taveira)