domingo, 31 de março de 2019

Visões




A variedade de visões obriga-nos a não dar demasiada importância a uma só.
A ideia de evolução impede a ideia de simultaneidade mas não chega a impedir, nem pode, a existência de simultaneidade senão ninguém tocava piano.

sábado, 30 de março de 2019

As Rotas





Louis Charpentier no seu livro “Santiago de Compostela – Enigma e Tradição” [Minerva ed. 1971], levanta a hipótese, entre outras coisas que vai sugerindo, que existia uma rota de França até Santiago de Compostela mais antiga e, de certa forma, paralela à posterior. Diz, na página 182, apontando a data de 1025 que “É nessa altura que se organizam os Caminhos de S. Tiago em França que estão na origem da quantidade de mosteiros, de pousadas, de hospitais que sabemos. É esse excesso mesmo que nos revela o verdadeiro objectivo da peregrinação a Compostela. São caminhos de construtores. Sem dúvida que vemos aí desfilar penitentes, místicos, ladrões de estrada e peregrinos, mas os construtores seguem em frente, não como penitentes nem como místicos, mas como construtores, como aprendizes, candidatos à iniciação.”

A ideia é que, o caminho era, ele mesmo, uma fonte de aprendizagem do ofício de construtor, as paragens nesse caminho, locais de ensino e o culminar, perto do oceano Atlântico, o Ocidente, corresponderia ao ensino adquirido de uma vez por todas, ou seja, a mestria na arte. Pode ler-se nitidamente, nestas linhas, a separação entre o misticismo e a iniciação. Há uma rota pré-definida de saber. A pé-definição de uma rota de sabedoria nada tem a ver com a concepção de destino, noção passiva e apropriada ao misticismo, passivo e de uma outra ordem de ideias. Daquilo que o texto fala é dos “candidatos” à iniciação, o que pressupõe, naturalmente, um acto voluntário e objectivo na decisão da tomada desse caminho. Quando olhamos para trás há sempre um destino (como a pescada que antes de ser já o era), quando olhamos para a frente há uma candidatura à iniciação. Retirar a capacidade de improviso dos deuses é diminuí-los…

António Telmo chamou a atenção para a existência de duas matérias-primas distintas, a madeira (elemento vegetal) e a pedra (elemento mineral) situando o primeiro como tendo sido o original, o mais arcaico. A ordem não é tão importante assim, mas o efeito é. A precisão necessária à pedra não apela directamente à improvisação, ao gesto solto. O elemento vegetal incita ao acompanhamento dos ritmos da própria natureza aliando o improviso ao rigor. Obriga a uma interiorização da natureza, a tal ponto, que se possa reproduzi-la libertando-lhe o espírito. Na pedra, é o rigor da medida e do número (presentes desde o desenho inicial que é pensado até ao peso, textura, e características da massa e espaço ocupado por essa massa) que permite o reflexo sonoro e visual do espírito. Ele surge-nos por reflexo e pelo espaço que permite a circulação do éter.  No elemento vegetal, ele surge-nos pelo éter em si e, como tal, surge-nos como uma substância concreta, ou na substância concreta, mais exactamente. A pedra funciona por vibração, o elemento vegetal por fusão. Ambas se efectuam no espaço. Na pedra a geometria é visível, no elemento vegetal fica invisível, camuflado pela beleza que é a pele da natureza. Mas uma pele que se funde com o éter quando este é liberto por via desse acompanhamento desse ritmo e comportamento da natureza. É a própria natureza que responde infundindo a sua própria substância secreta no corpo, activando, por sua vez a substância secreta que há no corpo. O som da pedra pode fazer o mesmo em conjunto com o magnetismo. As linguagens são, porém, diferentes, até porque as rotas são também diferentes. Numa a rota de aprendizagem está pré-definida, como o caminho de Santiago, e daí a sensação que dá de haver destino. As construções são pensadas, pré-estabelecidas, com o elemento vegetal, e como há fusão com o próprio percurso da natureza, a essência da “candidatura” que é uma eleição pré-estabelecida mas cujo o desfecho, como “eleição” pode ocorrer ou não, essa sensação de destino fica “atordoada” e revela-nos que a interiorização dos ritmos da natureza, mesmo sendo cíclicos, como aliás são, nos conduz à sintonia perfeita que existe entre nós e a figura geométrica da espiral, mais de acordo com o determinismo que se casa com a vontade. António Telmo não errou ao falar do elemento vegetal como sendo o original como matéria prima e, sendo o original, será o que está mais perto da fonte. A Tradição há-de integrar tanto os ciclos como os “saltos quânticos”. Há mutações que são produto da técnica e da repetição dessa técnica e há outras que funcionam simplesmente porque a sintonia existiu. O elemento vegetal permite o discorrer do aleatório, abre ali uma porta à imprevisibilidade que é um dos atributos do Espírito Santo. A instantaneidade é a sobreposição de muitos elementos e de muitos contextos e a instantaneidade é a fusão. E dentro da fusão há aquela reviravolta que é a criação. Um ponto. Um único ponto em que ela se dá. Que René Guénon diz não ter dimensões… No entanto, para dizer a verdade, qualquer Arte possui esta capacidade. Tanto a Arte da Pedra como a Arte do elemento vegetal. Se a geometria está mais exposta na pedra, e menos no elemento vegetal, onde se encontra camuflada, a linguagem, por sua vez, está mais exposta no elemento vegetal e menos na pedra, ou seja, a geometria obriga à demonstração por via da linguagem, o elemento vegetal, no qual a linguagem é explícita, obriga apenas à presença, porque a presença funciona no plano da instantaneidade.

O que é curioso é René Guénon falar em Jardim Terrestre e em Cidade Celeste e da passagem do elemento vegetal, para o elemento mineral como ponto culminante. Imaginamos logo uma cidade com prédios ou com os tais muros com pedras preciosas, tudo muito brilhante e, sobretudo, estável e fixo (a fixação é a irreversibilidade iniciática). E esquecemo-nos de uma coisa fundamental: as plantas alimentam-se de sais minerais, de gás carbónico e da Energia do Sol. Vai buscar ao solo os sais minerais e vai mais acima buscar o restante. E, se há fusão, com o ser humano, então temos a composição da cidade celeste como qualquer coisa que é possível de existir dentro dos nossos próprios minérios. A instantaneidade é mesmo surpreendente. A cidade sobreposta ao jardim. Coincidente. Por isso é que a tábua esmeraldina é verde. E Portugal é um Jardim.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Cada Um é Como Cada Qual



A variedade de "católicos" portugueses anda próxima da quantidade de católicos portugueses. Isto quer dizer que penso que nunca vi um católico igual a outro. Facilmente abrem a boca e dizem o que muito bem entendem, o que concordam e discordam relativamente aos dogmas da religião em que foram educados, até porque desconfiam que são voláteis.  Depois há aqueles que nem pensam nisso e outros que se dizem cristãos, simplesmente, e cuja paleta vai do mais vago cristão ao mais definido e até profundo.
O anticlericalismo é a nota dominante. O clero pode andar por aí, tudo bem, não pode é pisar determinados riscos porque à mínima coisa o povo perde todo o respeito pelos representantes do catolicismo e manda-os literalmente passear. Basta ver alguma notícias ao longo dos anos do país, de Norte a Sul, que relatam que os "populares", descontentes com o padre que lhes calhou em sorte, batem o pé, sugerindo que o padre da sua paróquia se vá embora pelo próprio pé.
Uma vez por ano lá vai um milhão, ou mais, para Fátima, porque a figura feminina é muito importante para os portugueses, mas não há, nem pode haver, um acordo entre as ovelhas que são todas negras. Mais concretamente, são todas às cores. O fundo mais intenso e cujo vento agita a chama interior da crença é a palavra liberdade. Dos dogmas, adopta-se o que se quer e como se quer ou nem sequer se adopta. E do cristianismo, em si, também.
Este tipo de liberdade é característico da nossa História desde os começos, desde a fundação do país (e é-lhe anterior) e não se encontra presente com a mesma intensidade em países como a Espanha ou a Itália. Sinceramente penso que essa diversidade é boa porque é genuína. A Inquisição fez mal ao país e ainda se notam resquícios na cultura. A delação e a bisbilhotice são alguns deles.
Mas creio ainda que a tónica portuguesa, hoje, está na liberdade de pensamento e de acção e que, o que há, é uma adesão, por vezes, e uma condescendência, noutras vezes, perante a Igreja Católica que nunca substituirá a soberania do povo face àquilo em que acredita e face àquilo que pratica. A frase muito repetida "cada um é como cada qual" define muito bem a indefinição dos portugueses face à religião proposta.

quinta-feira, 28 de março de 2019

Desculpa? Não percebi bem...



Estou à espera de um pedido de desculpas por parte dos portugueses em relação a mim. Antes disso não há D. Sebastião para ninguém. Nem Quinto Império, nem coisíssima nenhuma. E esse pedido de desculpas, já que gostam tanto de burocracia, parecem os indianos pós império inglês com a mania dos papéis, tem de vir devidamente descriminado. Não é pedir desculpas para o ar. É dizer porquê. Uma lágrima ou outra também é bem-vinda. Portam-se abaixo de cão e depois querem festinhas? Podem começar. Estou à espera.

O Cavalo Lusitano



Àquele que tinha os olhos entre o verde, o cinzento e o azul, tal qual o mar, em seus humores, e que tinha com as suas mãos, construído uma porta no meio da floresta, por onde passava, entrava e saía sempre que queria, de um domínio invisível para o outro (todos os domínios são invisíveis), encontrei-o certa manhã. Tinha regressado ao labor. Daquele que nos leva o corpo todo e nos obriga a um certo silêncio e donde surge a expressão mais viva do mundo, que é quando a ele se acrescenta o nosso próprio mundo interior. Pareceu-me que tinha regressado dos mortos, coisa impossível porque nunca esteve morto. Era daqueles que se perpetuavam por serem originários de um certo planeta, invisível, claro, onde a criação jorra sem parar. Tinha o corpo forte, suado, as olheiras de quem passou a noite toda no labor mais alto de que pode ser dado aos humanos.
Já vos disse que a presença se pega aos lugares onde estamos? Habitualmente diz-me que fulano de tal deixou uma marca. Normalmente é uma marca visível. Um lenço esquecido, uma moldura virada em determinada direcção. Mas não é a isso que me refiro. É à presença extensiva. As paredes ecoam as palavras de quem esteve junto delas por muito mais tempo do que se imagina. E isto é apenas o mais baixinho. Até porque é um som audível. Refiro-me à presença que enche os espaços que nos parecem vazios mas que pode ser vista, ouvida, sentida e entendida. Ele era desse tipo. Saía mas tudo ficava com as suas mãos a tocar os objectos, as paredes até ao telhado onde se via o seu olhar de águia sobre a paisagem. O lema desse tipo de gente é a liberdade. Porque só com ela conseguem e podem construir uma porta numa floresta que separa domínios invisíveis. Digo isto com uma alegria tremenda. Enche-me o coração. Dalila Pereira da Costa que, para além de mística, dava um pezinho de dança noutros reinos ainda maiores, escreveu uma vez, por causa do cantar dos pássaros, que estes cantavam a alegria do mundo e que o fundo do mundo era a alegria. Evidentemente que foi por senti-la , a alegria, assim tão dentro dela, que pôde dar um pezinho de dança noutros reinos que ficam além e aquém da mística. Os místicos ficam demasiado presos ao que vêem e ao que ouvem. Ficam ali parados e estáticos e até deixam de ouvir os pássaros porque este mundo se eclipsa quando estão assim. Mas quando escreveu estas palavras num livro qualquer (consultem que estou com preguiça de ir à procura) vi logo um vestido de baile todo debruado com jóias e via-a grande e esgotada de dançar, como se tivesse sido esse o seu labor. Podem dizer que isto é só literatura. Quem fala assim pensa sempre que a literatura é uma grande mentira. Mas não é. Os olhos dele têm mesmo essa cor, e nesse dia vi que tinha resolvido atravessar a porta só porque lhe apeteceu. Este só porque lhe apeteceu até faz impressão à vista nos dias d'hoje. As pessoas sabem lá o que é isso, o "apetecimento". O apetecimento não tem nada a ver com o "querer" nem com o "dever". Tem lá o bichinho do desejo que é coisa que a vontade desconhece por ser totalitária e o dever ainda menos por ser coisa democrática. O "apetecimento" é aristocrático, muito diferente. E lá estava ele assim, cansado, esgotado, grande, suado só porque lhe apeteceu acrescentar "algo" ao que já havia. E pelo caminho ainda viajou para um tempo recuado onde também o contemplei a contemplar esse tempo que o contemplava a ele. Penso que isto é demasiada liberdade para aquilo a que estão habituados. Sei bem que andam sempre encavalitados ou no cavalo do querer ou no do dever. E o cavalo nem conta. No apetecimento o cavalo conta. Porque também ao cavalo apetece... O cavalo é livre, óbvio. O cavalo lusitano é o cavalo de sela mais antigo do mundo. O primeiro a entrar em sintonia com o cavaleiro. Os outros vieram depois. Por isso é que são dois: o do querer e o do dever e significam a dualidade. O primeiro é único. Apeteceu-lhe. E sem ele não há arte de bem cavalgar a toda a sela.

Único

https://youtu.be/xy8Zk9j_qqE



Terra, sonho, corpo, índio
Sensual, cobra, pedra preciosa
Fundo, terra, corpo, esguio,
Força, ritmo, memória, índio
Voz, água, fonte
Sensual, rolando, pedra
Penas, dança, doçura
Brilho, corpo, suor
Ombros rectos, pernas
Olhos fundos
Único, índio, todo
Voz estendida no horizonte
Todo vivo, chama, jóia
Palavra, olho, tudo num
Corpo dado, exposto
Dom, rebelde, graça
Amor, doçura, música
Sensual, nú, nosso
Único, semente, sémen
Homem, mulher, força
Único, tudo num
Choque, penas, aves,
Índio, graça, luz
Som, pedra, mato
Água, voz, cascata
Transparente, mistério
Tudo num, dor, amor,
Visão, arte, sensual
Nú, verde, negro
Branco jóia, pele
Suor, tudo num
Único
Que
Amo
Todo
Princípio
Fim
Grande
Mágico
Explosivo
Amo
Tudo
Nele


Em vez disso


Estive mesmo, mesmo para escrever um poema mas em vez disso fui fazer um arranjo de flores porque só onde não há tempo nem espaço o arranjo de flores é igual à poesia. Isto das flores deve-se ao ovo. O ovo que contém a gema e a clara e no qual as crianças desenham cabeças sorridentes pela Páscoa. Quando fui às flores tropecei num coelho que por ali estava e lembrei-me que era Primavera. Depois, no jardim, lembraram-me dessa história do ovo. O caminho de volta serve sempre para juntar as coisas na nossa cabeça. E pensei, a sério que pensei escrever um poema. Um poema que abanasse o gnósticos que herdaram os defeitos todos dos gregos e dos romanos depois do que ouvi no jardim. Mas não quis. Não vale a pena falar do paraíso e do quanto de infernal há para além da cerca que o cerca com caracóis, lentos e babados a trepar por ela. Antes fazer um arranjo de flores do que me chatear com os ordinários dos gnósticos que apregoam raminhos de violeta, com os pés descalços numa eterna pobreza que se sobrealimenta a si própria. Depois do que ouvi, da cabeça desenhada por crianças no ovo, peguei nas margaridas, cor de tijolo e amarelo torrado e cortei-lhes as pontas dos caules para poderem beber água fresca, tirei-lhes as folhas de baixo para não ficarem a nadar em água e coloquei-as numa jarra vertical. As pontas dos caules são cortadas quando estão secas ganhando uma nova raíz se misturadas com terra e as folhas não devem ficar inundadas em lágrimas. Mas isto é uma linguagem inacessível ao gnosticismo. Os gnósticos detestam flores. E adoram ser venerados em vez delas. São incapazes de perceber quando uma raiz está seca. São incapazes de as fazer rejuvenescer. Não admira que estejam mal. E maldispostos também. O arranjo ficou lindo.

Nos olhos, na cara, nas palavras


O que lhe estava estampado na cara, confuso nos olhos e atabalhoado nas palavras era o facto de ter passado pela vida sem fazer ideia do que isso era. Dizer "a vida é assim" é a mais antiga fuga ao entendimento e até mesmo à capacidade de raciocínio. E nem isso dizia. Chega-se, por vezes, a um ponto, na velhice, em que essas palavras, "a vida é assim" já estão gastas de tanto serem ditas. Não vi sequer curiosidade. Era um estado de confusão total. Nem uma pergunta sequer. Estive mesmo para lhe dizer, em jeito de pobrezinha: uma perguntinha, por favor. Mas nada. Há pessoas que morrem numa autêntica tempestade e, por fora, parecem idosos normais. E são idosos normais. O estado de confusão, que não é demência nem outra doença do foro psiquiátrico, é o aglomerado de ondas, de ventos, de nuvens pelos quais passaram a vida inteira. Podem até parecer serenos mas aqueles olhos dizem logo tudo. As palavras, também. Morrem sem saber que alma têm, como disse Fernando Pessoa no fim da Mensagem. Ora, a primeira coisa é não perder a alma que espreita mais na infância e que facilmente se perde pela vida fora. Não saber da alma é andar com ela perdida. Para quem pelo menos faz um esforço para não a perder por aí ou faz um esforço para a encontrar, então sim, deixa as ruas secundárias da cidade e encontra-se em dia de festa no largo da aldeia à porta do templo (passei da cidade para a aldeia de propósito, não é erro no texto). Mas ainda e só à porta do templo e já é muito bom.  As almas perdidas não são o oposto das almas salvas. São simplesmente o contraponto da demanda. Da salvação, sabe-se lá... Isso não é connosco, é somente uma possível consequência da demanda. Os pobres, à porta da igreja, pedem uma moedinha. E talvez seja também uma daquelas que nos deram e que devíamos multiplicar. Os dons. Os dons concedidos à alma. Só então se pode dar como deve de ser, ou seja, em total sintonia entre o alto, o baixo e o assim assim. E é tão difícil isso. Doloroso mesmo. As portas manuelinas são maravilhosas porque dão toda a importância à porta. Todas trabalhadas. Só para se fazerem portas assim era preciso ser mestre. Só a porta. Entrar lá para dentro é complicado. É ir ainda mais longe na viagem. Já escrevi algures por aqui que é frequente encontramos o sol e a lua lado a lado nas portas dos templos. A dificuldade desse equilíbrio é total. Quem o consegue, sabe que alma têm. Daí que a arte presente nas portas seja sinal de mestria. De se saber o como. Há certas situações em que ver o símbolo não é um delírio poético-fantasista. O símbolo está simplesmente lá. Mas não é só em certos idosos que encontro os olhos, o rosto e a palavra de quem não sabe de si. É em todas as idades. E com eles vem sempre a ausência de uma pergunta. Que é o que dói mais ver. Se não têm apetite definham... daí o nevoeiro do poeta e essa ilha, como alma encontrada, próxima e remota. Ocultando-se e desocultando-se ao longo de vidas, intermitente demais. Estamos cada vez mais submersos no facilitismo ao nível do ensino, isto é dito por várias pessoas. Mas esse facilitismo no ensino corresponde depois à frase "a vida é assim" sem se fazer a mínima ideia do que é a vida. Viver não significa saber o que é a vida. São coisas tão distantes como o saber ou não fazer uma porta manuelina de raíz, e não copiá-la de qualquer modelo. A Anarquia Superior, é a Monarquia Interior. E só depois se pode dar sem que ninguém nos diga para dar. E só depois se pode esculpir uma porta de raíz, sem que ninguém nos diga como fazê-lo. E isso é o contrário do facilitismo. Alcançar só isso é tão difícil como saber dizer que a vida é assim e explicar porquê à medida que se vai esculpindo, unindo, dessa forma, o alto, o baixo e o assim assim. E hoje? Quem faz uma porta manuelina de raíz com as suas próprias mãos? Quem faz a sua própria porta para poder entrar e sair para dar como deve de ser e não com gestos atabalhoados e consequências inconsequentes?

quarta-feira, 27 de março de 2019

A cabeça


Sinto-me maquinista de um comboio inexplicável. De um comboio impossível. De uma viagem feita por quem não conheço. Sinto que atravesso paisagens sem querer e que atrás de mim  fazem essa viagem por terem pago bilhete.

terça-feira, 26 de março de 2019

De rosa ao peito

Tenho um irmão que sempre quis ser pastor e, por isso, foi viver para a Serra da Estrela. Arranjou lá umas ovelhas. É o meu Caeeiro. Tenho outro que é o Álvaro de Campos, vive na Alemanha e trabalha numa fábrica. E ainda mais um, classicista. Anda pelos palácios à noite. Chamo-lhe "O Reis", mas tem qualquer coisa de Poirot. Anda sempre com uma lupa a tentar descobrir portas secretas. Portas clássicas. 
Quando nos encontramos, é uma festa. Portuguesa. Pão e vinho sobre a mesa. Faço sempre uma bonita mesa. Com dois candelabros e o oposto que é uma jarra com flores para dar um ar tétrico e primaveril à refeição. Depois, claro, falamos de rosas. As negras, as vermelhas e as brancas. Cada um traz a sua ao peito. A minha é transparente de maneira que nenhum deles dá por ela. À mesa, coloco um labirinto de pedra. E eles perdem-se nele. Perdem-se nas palavras. Prosseguem por ele, com as rosas ao peito. A transparente que é a minha, reflecte a saída. As vezes dão com ela por acaso. Outras vezes, tenho que lhes dar uma ajuda e estendo-lhes a minha rosa. Por fim, acabam por sair todos, a rir a a conversar de copo na mão e palavras ao vento. Pão e vinho sobre a mesa. E o mar ao fundo. Transparente como a minha rosa. Como só ele sabe ser. E o tempo e o espaço do labirinto também. Tão antigo, tão profundo que ele é.




Facebook: se nem a foca se foca porque já nasceu focada...



Só consigo explicar a minha saída do Facebook com a razão que me fez entrar. Divulgar a minha pintura. Depois percebi que tinha sede de comunicar. E não devia ter comunicado pela inutilidade que isso é numa plataforma como aquela. O meu amigo Nuno disse-me que tinha feito muito bem em sair e disse-me com estas palavras: “O Facebook é bom para ganhar inimigos e perder amigos”. Resumiu muito bem o que se passou. E estou-lhe muito agradecida por esse resumo e ainda por outras coisas que não tem nada a ver com o Facebook. 

Mas há mais.

Aquilo que me levou a sair foi, em parte, o facto de não ter atingido o propósito inicial. Percebi, depois de algumas exposições e da sua divulgação, que as pessoas no geral, cerca de 99,9% não queriam saber do que pintava. Um “gosto” não é uma presença. E nunca ninguém me fez perguntas pertinentes ou que revelassem alguma inteligência sobre o que pintava. O desinteresse era total.

Mas há mais.

O Facebook alimenta-se de polémicas. Parece um pouco a literatura do José Saramago depois de se casar com a Pilar. Uma boa polémica, e a Pilar sabe-o bem, é a maior divulgação… e isso francamente parece-me pouco. Muito pouco. É uma americanice publicitária. “Falar de” bem ou mal, já é “falar de”, ou como os americanos dizem: “Não há má publicidade”. Por acaso até há, mas isso só se passa se o objectivo não forem as vendas…

Mas há mais.

A repetição. A gota de água foi a monotonia. A repetição. Todos dizem sempre as mesmíssimas coisas. Quando acontece alguma coisa, uma tragédia, por exemplo, é sempre a mesma coisa. E quando não acontece nada, as pessoas revelam sempre as mesmas fotografias, os mesmos dizeres, os mesmos radicalismos e os mesmos relativismos em contraponto. Um tédio infindável. O mesmo filme repetido com a bandeira da “novidade” que funciona como uma autêntica droga.

Mas há mais.

Alguns levam essa droga tão longe que utilizam como se fossem traficantes de droga. Mantém as pessoas presas e drogadas, inebriadas com as selfies, com os sentimentos de culpa, com a coscuvilhice, com o bullying.

Mas há mais.

A repressão e o desafio à repressão. O Facebook é uma criação americana que copia modelos das ditaduras para poder manter uma democracia que não passa de uma sinarquia empresarial. Tem o poder e o contrapoder. O governo e o governo sombra. O polícia e o ladrão. A verdade e a mentira. O “Eu” e os “outros”. O Facebook é o novo grande circo de César.

Mas há mais.

O Facebook é ideia de um “isolado”. Quem adere já está de alguma maneira isolado. E quem de lá sai ainda mais isolado se sente depois. Há uma espécie de ressaca. Uma ressaca de uma droga.

O que tenho a agradecer ao Facebook?

A facilidade com que fiz inimigos. A facilidade com que nos faz notar quem é, de facto nosso amigo. Graças a ter passado por ele, e como às tantas, ficamos alerta, esse estado é bom. Os que nunca passaram por Gurdjieff pensam que o estado de alerta é uma coisa menor. Não é. Se não sentirmos a presença do nosso próprio corpo, dormimos em pé. Nunca o estado de alerta foi impedimento para que a pálpebra do olho se fechasse, nunca foi impedimento do sonho. Só um tolo confunde sono com sonho.

Mas só quem estudou algumas coisas consegue sobreviver ao Facebook. Aquela plataforma está aqui para destruir as pessoas. E é um foco de ignorância. É a diferença que existe entre o “foco” e a “concentração”.

 

segunda-feira, 25 de março de 2019

Na via láctea, a rosa


Num espantoso diálogo que ocorreu a determinada altura, a via láctea foi ter com uma rosa e segredou-lhe a sua origem. E disse-lhe:
- A tua origem é tão antiga e tão forte que não se altera. Nem pelo frio, nem pelo calor, nem pelas nuvens, nem pela neve, nem pelo sol, nem pela chuva. Nem quando tudo à tua volta gira, nem mesmo quando levo em mim o sistema solar que gira em torno de ti e por ti passo. És mais antiga do que eu. Tiveste pétalas antes de eu ter as minhas estrelas. Antes de eu jorrar em luz, já tu jorravas o perfume divino, já as tuas pétalas se abriam vertendo sabedoria em todas as direcções, já os teus espinhos eram os atritos vivificantes, já o teu caule ascendia, já as tuas folhas eram sempre novas, já as tuas raízes tocavam o céu que só mais tarde toquei, já o orvalho te cobria pela manhã que és, bordando-te com o brilho que só depois me aconteceu. Passo por ti com uma miríade de estrelas, veloz, e tu tens todos os movimentos possíveis.  Sou o teu cometa e trago-te dentro de mim como meu germe. Caminho para ti. Corro para ti. És a origem da origem. Escuto todas as tuas palavras ocultas.
E esse espantoso diálogo ficou para sempre a acontecer. 

Óralilólela


O problema, num país estupidificado, é que quando alguém mais inteligente se põe a falar, a maioria que está estupidificada  não percebe o que o inteligente diz.  A diferença é que os inteligentes reconhecem tanto os estupidificados como os inteligentes e os estupidificados nem se dão conta de que o andam a ser, quanto mais da presença de um inteligente. É o valor do Óru como já ouvi alguém dizer  (traduzido é euro), que se sobrepõe a tudo. Nem sei como a gente óguenta, como já ouvi alguém dizer e que traduzido é, "aguenta". Venham mais destes para dizer umas verdades que fazem falta.

https://www.noticiasaominuto.com/fama/1221049/as-televisoes-so-nos-tem-dado-a-estupidificacao-do-povo-portugues

sábado, 23 de março de 2019

Sonhos


Dos sonhos dos outros nada sei a não ser que me contem o que sonharam. Impossível bisbilhotice porque não há janela pela qual espreitar.
Mas dos meus vou sabendo. Têm o condão, muitos deles, de desvendar a realidade. Pessoas que me aparecem tal qual estão interiormente, estado do qual não me apercebo se acordada. Depois, acordo, observo, e dou razão ao sonho. Sonhei com isto e com aquilo. Será mesmo verdade? Vou ver e é mesmo. No outro dia escrevia por aqui que as crianças necessitam de realidade porque tendem a viver no sonho e que os adultos, pelo contrário, necessitam de sonhos por viverem demasiado submersos na suposta realidade. Digo, suposta, porque há sonhos que aprofundam, com uma exactidão espantosa, a realidade. Este tipo de sonhos não são premonitórios. São uma espécie de flecha que chega ao coração das coisas. Uma espécie de Cúpido inteligente, porque o outro, mais conhecido, anda a reboque dos tiques dos auto-proclamados gnósticos (como se não houvesse uma quase multidão de gnósticos o que se torna suficiente para a impossibilidade de definir o que vem a ser, verdadeiramente, um gnóstico...)  mas que são repetitivos demais para serem inteligentes. Este Cúpido, não deixa de ser Cúpido porque, ainda assim, o amor está presente, mas tem uma precisão na análise da moldura humana que o outro não tem. Estes sonhos-cúpido são de uma definição tal que os tenho como uma ajuda incontornável neste meu caminho. Quando alguém me aparece nesse tipo de sonhos. Já sei. E mesmo que não acredite, a realidade demonstra-me que já sei. São de uma precisão tal, que nem eu própria, que os sonho, consigo escapar-me dela. Quanto aos sonhos dos outros, não sei. Só se me contarem. E se calhar ainda vou sonhar com os sonhos que os outros me contaram...

sexta-feira, 22 de março de 2019

As Flores


O problema das flores é que ninguém repara nelas. Reparam, quanto muito, na cor, na forma, no perfume, mas poucos sabem as palavras que contêm. Há uma linguagem própria das flores. No que difere da língua dos pássaros é apenas naquilo que acrescenta a esta última. É que, na linguagem das flores há uma forma de expressão única de quem a fala. Assim, a linguagem dos pássaros é comum a quem a fala. Um pouco como aquilo que é dito dos místicos "que falam todos a mesma língua" e por isso se entendem. A língua das flores obriga à presença. É um processo criativo comum. É uma descoberta e uma certeza imediata. É a total transparência. Não há cifras. Não há segredos. Há a total fusão de quem a fala porque se encontram no mesmo processo criativo. Contém em si a linguagem dos pássaros no que tem de técnica. Supera-a no que tem de fusão entre o jardim e o jardineiro. O pássaro desce, a flor ascende. A tónica está em ganhar asas sem perder as pétalas.

quinta-feira, 21 de março de 2019

A música das esferas



Não me fales mais pelo silêncio
Porque o meu preenche todos os espaços
E não necessito do teu
Por mais que queiras falar pelo silêncio
Não espero outra coisa que não seja a tua voz
Cansei-me dos teus olhos
Do teu cabelo
Do teu medo
Não silencies porque o universo
Não quer saber do teu silêncio para nada
Nem eu, que sou todo o universo
As vozes passaram a ser música
Aquelas da música tradicional
Quando a voz do povo se solta
E o Universo faz uma vénia
Se silencias o universo silencia
Não quer saber das tuas leituras
Dos teus "acho que" silenciosos
Das tuas manias encurraladas no tempo
Só tu podes mudar o tom do teu silêncio
Fazendo-o falar
De nada serve que não queiras
Ou que não possas
Não é a mim que o Universo despreza
É a ti, nessa solidão silenciosa embasbacada
Só porque alguém te a ordenou
Não dou a mão aos silêncios
Tenho em mim todo o silêncio do Universo
E não quero mais, quero esquecê-lo
Como se tivesse andando mil anos
Numa nave, pelo espaço
As estrelas só me encantam
Quando as ouço
E a sinfonia do sol
Não se compara ao silêncio negro
A cobrir a existência de todos nós
A fatia da realidade mais colorida
É a mais colorida fatia da realidade
E nada mais há para além disso
Um simples som
E o Universo responde
Com um acorde acima
Num crescendo que não se sabe
Onde vai parar
Já ouviste, de facto, a música das esferas?
Temo que Pitágoras quisesse dizer mais
Do que comummente se diz que ele disse
Se lhe tirarmos a geometria, fica a alma 
E é essa que nasce da geometria
Em forma de música
Vês como o teu silêncio para nada serve?
O teu silêncio é geométrico e frio
Como a arquitectura moderna
Nem o universo é assim, nem eu
O teu silêncio é o embaraço da palavra
A nave vazia pelo espaço
Um sem número de máscaras todas iguais
Um fragmento de um papiro mal lido
O sal a mais na textura da vida
O cardume perdido e disperso
O maior logro para ti mesmo
Sabe-se lá onde vão parar as palavras ditas
Mas não param nem se detêm no silêncios
Que só querem saber de si
A metafísica? Está na física. 
A metafísica da metafísica não existe
E andas fardado de metafísica sendo metafísico?
Não existes. És só silêncio. 
Sou o universo e estou por todo lado, até na metafísica que julgas chamar
Pelo silêncio.
Não fales pelo silêncio. 
Ele é demasiado grande para ti
E, mais tarde, abater-se-á sobre ti
Como o céu se abate sobre os néscios
E tu te abaterás sobre ele, néscio mudo
O teu silêncio é vago demais para a minha verdade. 

(Cynthia Guimarães Taveira)




quarta-feira, 20 de março de 2019

Género



Estive a consultar a lista de géneros porque senti uma ligeira dúvida e cheguei à conclusão que sou do género "duplo espírito", a caminho do terceiro.
Costumo sair à noite para atacar e ando pelas vielas e calçadas, já sem corpo, e sugo a alma e o espírito das minhas presas de forma a prosseguir com a minha colecção de espíritos que saem à noite para atacar. Mas isto de não se ter corpo é um problema porque tenho que me ir encaixando em vários e alguns não são propriamente perfumados.
Tudo aconteceu numa experiência alquímica lá em casa. Nesses tempos ainda tinha corpo e andava à procura da panaceia, do elixir, da pedra, do graal, enfim, de qualquer coisa que pudesse encontrar. Uma noite, espreitei para dentro do forno e uma força puxou-me para dentro dele. Andei lá às voltas, como numa máquina de levar e, quando saí, não tinha corpo. Tornei-me num espirito que atacava à noite. Apoderava-me dos espíritos, e houve um dia de tal fartura no ataque, que me dupliquei. Passei a ser dois espíritos. E também passei a ver tudo em duplicado. Uma autêntica bebedeira espiritual. Socialmente, a coisa tornou-se complicada. Julgava falar com um espírito, no início, mas depois reparava que eram dois. E ainda havia aqueles que, tendo só um, fingiam um outro porque um dia tinham ouvido falar de um alquimista que tinha sido puxado para dentro de um forno e que quando tinha saído tinha passado a ser um espírito que atacava à noite e, com profunda admiração, queriam ser como ele.
Se me encontrei? Ainda não. Ainda tenho muito que penar. Muitos ataques à noite. Mais de cem.

PS: o género "duplo espírito" existe mesmo. Consta nas listagens de género das Associações que todos os géneros associam.

terça-feira, 19 de março de 2019

Portugal, Pessoa e o Universo




"Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes."
                                   
                                   Álvaro de Campos
                                    in Poema "Opiário"

O interesse de um estrangeiro pela obra de Pessoa, é muitas vezes, produto do que na sua obra existe de Universal. Quando falamos de Universal, dizemos, aquilo que pode ser comum ao pensamento humano onde quer que ele se encontre. Quem  começa a ler o poeta pelo seu carácter Universal encontra-se difundido, disperso e também abrangente e abrangido pelos raios que se difundem a partir de um centro. Dizer que Fernando Pessoa não é Português, é Universal, faria o poeta rir e talvez o levasse a repetir a célebre frase de sua autoria: "Um português que só é Português, não é Português".
Se "A minha pátria é a língua portuguesa", frase, também, do poeta, encontramo-nos irremediavelmente num centro. Um centro a partir do qual se faz a Descoberta, a circum-navegação...
Para se ser universal há que, primeiro tentar ser, só em seguida se é Universal. Foi exactamente isso que sucedeu a Portugal e, também, a Fernando Pessoa. Só com o território constituído de Norte a Sul, as fronteiras definidas e uma relativa ordem interna é que se iniciou a Demanda. O movimento não foi ao contrário. Embora, com graça, Agostinho da Silva tenha dito que nós tivemos de fazer todo o esforço para descobrir os outros enquanto os outros se limitaram a ficar no mesmo lugar, sem esforço, para nos descobrir a nós, com toda a graça e sabedoria que este pensamento de Agostinho contém, a realidade é que aquilo que marca a Iniciação, como ensina a Tradição, não é a passividade, mas sim, o movimento. Para haver movimento, há sempre um local onde ele tem início. Assim, agradará a um estrangeiro a Universalidade de Pessoa, mais até do que a sua Portugalidade, no entanto, a relação do poeta com a língua portuguesa, sua pátria, é incontornável. Como foi demonstrado pelo poeta, é diferente o acto de se pensar em Português do acto de se pensar em Inglês ou em qualquer outra língua. O timbre da língua define o temperamento do ser. É exactamente esse temperamento o responsável pela Demanda e pela Universalidade. Um português entende de maneira diferente Pessoa, porque o entende de dentro para fora, um Inglês, ou qualquer outro habitante do planeta que não fale a língua portuguesa ou não esteja imbuído da sua cultura, entenderá, com todo o agrado do mundo, a sua universalidade, num movimento que vem de fora para dentro. Seria caso para se dizer: um cidadão do mundo que só é Universal e não é Português, então não é Universal. Daí a complexidade da questão e que se prende directamente com o facto de Portugal ser um país iniciático, em si e por si. Um budista sorrirá satisfeito com a Universalidade do poeta, a diluição almejada no todo. O problema é quando se toma isso como princípio e não como fim, ou seja, é necessário primeiro aprender Portugal, para depois se aprender o Universo e não o contrário. É por isso que qualquer saloio pode dizer: "venha cá, porque tudo o que aprendeu até agora, vai desaprender". E não mentimos porque ouvimos isto da boca de um saloio. Quando se parte da Universalidade e se é de outro país, muito provavelmente, existe uma qualquer característica nesse povo de origem, que incita à Universalidade como Ideia, à qual se acaba por aderir como se adere a uma Ideia. Mas a Ideia de Universo não é o Universo em si. Para que haja o Universo em si, há que desaprender a Ideia que temos daquilo que somos como Portugueses e aprender a ser Portugueses, em seguida, para que a Universalidade que existe em embrião dentro de cada Português, (que o seja, de facto, com o território em relativa ordem) possa eclodir. Como, aliás, Fernando Pessoa, teve de o fazer, re-descobrindo a língua portuguesa, vindo da África do Sul. Desaprendeu o que era, re-aprendeu a língua e foi raptado e adoptado por essa mesma língua que o iniciou pela vida fora. Há um reconhecimento da pátria daqueles que são seus, porque a Pátria, como se diz pelos corredores de quem anda pela Portugalidade, é um "ente", um ser vivo. Absolutamente vivo.

The spot


Como conviver, por escolha, com hipócritas é um exercício de autoflagelação, Fernando Pessoa remeteu-se ao seu mundo e não re-negando a multivisão das coisas escolheu submeter a potencial hipocrisia que em si trazia, à sua própria vontade, criando figuras que nunca conseguiam ser hipócritas na totalidade, porque todas sabiam umas das outras, por via do centro do poeta. Esse lugar central, representado pelo próprio poeta em relação a todas as suas figuras e personagens, mesmo que algumas tivessem até existência subtil, é um símbolo solar, concentrando em si todo o universo. E esse símbolo solar é, por sua vez, o símbolo de um lugar efectivo.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Fragmentação


A fragmentação actual nacional é semelhante às mais de cem figuras criadas por Fernando Pessoa ao longo da sua vida. Foi o preço da imprudência. E o preço da falta de ligação à Tradição Portuguesa. No outro dia, a Catarina, a quem dou explicações, disse-me que a professora de Português dela, tinha dito na aula que não gostava de Fernando Pessoa. Disse-lhe, em resposta, sem medo: -- Então, Catarina, a tua professora não é professora de Português.
A Catarina vinha indignada, no cimo dos seus onze anos, porque tinha ouvido a irmã mais velha a ler-me, no outro dia, deliciada, um poema de Fernando Pessoa. De maneira que à irmã mais nova, aquilo que a professora lhe tinha dito não fazia sentido. Fez-me lembrar o Cesariny, quando disse: "Tanto Pessoa, já enjoa". Para uns, esta frase corresponde à indignação, de quem a proferiu, do uso e abuso do poeta. Para outros, seria inveja pura e simples. Uma simples frase, divide-se em dois fragmentos.
Mas o fragmento, a parte, é comum. O cata-vento gira em todas as direcções e, no salão todos trocam de par com um grande sorriso. Nos espelhos dele, as caras e os vestidos confundem-se acabando numa massa de cor rodopiante e a música, alta, claro, acompanha em desarmonia esta convulsão de gentes, opiniões, parelhas convenientes, usufrutos de uma pseudo-liberdade e de uma pseudo-felicidade. As vítimas fazem-se de heróis e os heróis de vítimas, quando os há. A maioria nem é uma coisa nem outra. São des-sonhados e sub-desenvolvidos no sonho.
A fragmentação de Pessoa, correspondia, na época, aos estilhaços do Estado de Guerra na Europa. Foi uma época triste e sombria. Estes fragmentos de hoje, são vidas inteiras, fragmentadas, rápidas, como balas estilhaçando os seres que variam e desvariam conforme as distâncias do que querem, sobretudo, ter, não ser.
Seria necessária uma intervenção do "alto" para recompor alguns corações fragmentados. Isto se o alto estiver minimamente interessado em compôr o quer que seja.

domingo, 17 de março de 2019

História & Geografia


No passado dia 10 de Março, insurgia-me neste blogue, no texto "Bibliografias", contra o facto de se dar, no ensino, cada vez menos atenção às áreas humanísticas. A resposta a esta preocupação veio na última manchete do Expresso que em letras gordas mencionava a intenção do nosso Ministério da Suposta Educação de diminuir a carga horária das disciplinas de História e Geografia.
Isto é muito simples: assisto ao Alvorecer de uma Velha Humanidade que não vai durar muito tempo, tal como as árvores sem raízes não duram. Podia utilizar não sei quantos argumentos mas a comparação com a árvore diz tudo para pessoas inteligentes e que não necessitam de grandes explicações relativamente a esta comparação. Qualquer dia há meia dúzia de pessoas inteligentes para vários milhões de pouco inteligentes (isto para ser elegante - e com isto estraguei a elegância toda) que é tudo o que se quer numa suposta democracia (uma ditadura encapotada, diria antes).
Assisto ao Alvorecer de uma Velha Humanidade que não vai durar muito tempo. O que é pena. Dantes dizia-se que os velhos eram mais sábios mas agora o testemunho, sabotado claro, da sabedoria, foi passado aos mais novos que não têm nem, pelos vistos, devem ter memória.
Dei por mim a perguntar-me se valeria a pena preocupar-me com o destino da Humanidade. Cheguei à conclusão que isso era completamente irrelevante. Ela vai seguir o percurso pelo caminho que traçou até ao abismo. Devo antes preocupar-me  com o meu testemunho e, assim, de uma forma absolutamente egoísta, preocupar-me apenas com a minha consciência se der o meu testemunho com a minha vida, as minhas acçōes, as minhas escolhas. Só elas podem contar no meio desta, cada vez mais miserável, humanidade.
No fundo, até há bem pouco tempo, nunca me ralei muito com o destino escolhido pela humanidade, foi só há pouco tempo, uns aninhos, que isso me começou a preocupar. Foi uma verdadeira estupidez da minha parte. Uma espécie de megalomania temporária, porque ninguém, à minha volta parecia preocupar-se com isso. O máximo que alguns faziam era lutar por causas. O ambiente, o voto das mulheres, os direitos e liberdades dos cidadãos. Tudo fragmentos pelos quais as pessoas se dividiam, algumas até por moda, num "vamos a isso" porque "diz que é bom", sem conseguirem articular um frase, um discurso, vindos de si próprios, com princípio, meio e fim.
A minha grande e enorme burrice dos últimos anos foi pensar que as pessoas poderiam pensar pela sua própria cabeça, que poderiam elaborar frases, que  conseguiriam explicitar um pensamento ou até um sentimento. Eu queria que as pessoas fossem uma cambada de intelectuais. Que fossem todas inteligentes. Que fossem todas interessadas. Que todas estudassem para saber o que andavam cá a fazer. Que todas fossem freneticamente curiosas. Que fossem despertas. Que conseguissem unir o coração e a razão com a mesma facilidade com que bebem um copo de água. Eu fui uma absoluta e total ditadora dentro de mim. Eu própria não tenha sabido unir a razão ao coração quando este último me dizia tudo o que queria. Até que a razão conquistou todo o território. E desgastou todos os sonhos do coração. E arrasou a humanidade que havia dentro de mim, e me impediu de sonhar, e me impediu de querer. E mostrou-me que tinha inventado um mundo novo dentro de mim e que esse mundo novo só existia dentro de mim e que a humanidade continuava a sua marcha abrupta para o abismo independentemente do que eu quisesse. E que dispensava todos os meus sonhos e não via interesse nas minhas palavras. Nem via sequer interesse nas palavras. Nas histórias. Na História. Na Filosofia. Na Geografia. Na Antropologia. Nos Símbolos. Na Arte. Na Geometria. Nas Estrelas que brilhavam acima de nós. No Mistério. Na Procura. Na Curiosidade. No Ser Humano.
Só queria saber de máquinas e de dinheiro.
E foi assim que vi o Alvorecer do Fim de uma Velha Humanidade. E a seguinte, veio vazia. Com fios. Confortável. E estúpida. Não durou nem um segundo porque essa humanidade já não era uma humanidade. Era outra coisa. Distante do Mistério. Descarnada de conteúdo. Era um impulso eléctrico que nascia e morria em si próprio sem nunca ter ouvido a palavra Mistério. Sem nunca ter ouvido qualquer palavra , aliás. Porque não tinha ouvidos, nem olhos, nem boca como nós. Nada podia saber porque era apenas um impulso eléctrico perdido no espaço.

Foi assim que deixei de ser uma ditadora interna e passei a preocupar-me apenas com a minha consciência e não com a consciência da humanidade. Até porque ela não a tinha.
Guardei a poesia num bolso e o sonho do Império do Espírito Santo no outro e prossegui caminho sem dizer nada a ninguém. E, como dizia a canção Vinícius de Moraes, "cada gesto meu" passou a ser para dizer: "eu sei que vou amar" um dia, eu vou amar, desesperadamente eu sei que um dia eu vou amar, por cada ausência da humanidade eu sei que um dia a vou amar.

A Grandeza dos Antigos


O problema da psicologia é que não explica a grandeza dos Antigos e, quando explica, claramente os vai diminuir a uma relação de acções e reacções.  Mas até os deuses, aos nossos olhos humanos, são diminuídos e rebaixados à psicologia elementar e primitiva com uma pitada de imprivisibilidade no seu comportamento para lhes dar a graça e o propósito do seu comportamento que já está viciado por uma interpretação à priori. A verdade é que, nem conhecemos a Grandeza dos Antigos, apenas as obras que restaram deles, nem conhecemos os deuses, a não ser por histórias das quais ouvimos falar. E é com elas que construímos a noção de grandeza e a nossa própria noção dos deuses. Construímos noções. O encontro com os Grandes e com os deuses, é coisa de Grandes. Quando as grandes figuras da História tiveram o seu encontro com os deuses, só puderam calar. E fizeram-no porque sabiam que iriam falar numa linguagem estranha a qualquer outra linguagem do planeta. A redução psicanalítica é sempre um rastejar absolutamente nebuloso face à grandeza do Espírito e a tentativa de o enquadrar dentro de limites comportamentais, é uma tentativa para satisfazer tudo aquilo que é lógico em nós. A imprevisibilidade do comportamento dos deuses é uma construção psicanalítica e, assim sendo, não pode ser verdadeira, só a é dentro da explicação psicanalítica. O que leva um deus a amar um homem? Nunca esta pergunta foi posta pela psicanálise porque para ela os deuses não existem, são meras produções da mente, sem existência própria. E se tentar responder, a psicanálise, nada mais faz senão reduzir o amor divino ao amor humano. A Grandeza dos Antigos, passa por uma relação dinâmica com o que lhe é absolutamente desconhecido ou com aquilo do qual só conhece uma parte. Daí a tentação mágica de os invocar apesar de eles serem totalmente independentes de nós, os restantes, que não são independentes de nós, são meras forças demoníacas alimentadas pelo nossa própria alma e atenção (a atenção é o lugar para onde se volta o Espírito contemplativo). A tentativa bizarra das modernas escolas autoproclamada de "iniciáticas" de tudo quererem resumir a mecanismos psicológicos mostra bem a ausência de Iniciação nos tempos correntes. E a tendência que há em confundir Iniciação com Destino é outro mecanismo bizarro e contra iniciático que mais não é do que a História do Final Feliz dos filmes americanos adaptada à vida. Se, no fim, tudo faz sentido, então tudo é desculpável, se Judas fez o que fez, então é porque o tinha de fazer. O plano mitológico da questão é plasmado no comportamento humano, reduzido a uma psicologia humana que se coloca em bicos dos pés para espreitar o patamar dos deuses quando baile deles já terminou.
O resultado de tudo isto é, exactamente, a falta de Grandeza. E, como consequência, a falta de capacidade, sequer, de a reconhecer. Quando um boi olha para um palácio, sabe que está a olhar para um palácio, quando não há palácios, olha para os outros bois e pensa que são palácios. Entre o saber e o pensar vai um grande passo. Diria mesmo, um passo gigantesco, um passo que só a Grandeza dos Antigos sabia dar.

sábado, 16 de março de 2019

Portugal



Visigótica ao entardecer, barroca se tiver de ser
Amanhecida no Oriente dinástico e ainda antes, híndu na montanha de Manu. Assombrada por fogueiras onde se queimavam ídolos do Ano Velho, aromatizada de figueiras que escondiam cobras frias e anteriores ao fino Império. Viajante de símbolos que se abriam, à medida que passava, uns abriam a boca tanto que engoliam, outros a cerravam e tudo calavam.  No cimo do escudo,  o dragão, mais queimava com os olhos do que com a língua; nau de proa esculpida com figura de luz que do caminho tudo sabia e se não sabia em saber insistia. Dizem que nas caves erguia a espada e que, com capa branca e sanguínea, tornava os monges alvos e altos, com vontade tal que o destino desaparecia. Pátria arguta e vigilante, nem um passo em falso foi dado, por mais que digam e façam para que o sol a poente não se levante.

Artisticamente falando


Quem cria imagens habitua-se muito cedo à ilusão. E, no entanto, esse impulso de elevar as flores pela letra acima, obriga, desde muito cedo também, a habituarmo-nos às palavras que ecoam por dentro quando se criam imagens. Esse silêncio em que se vai desenhando os caules, o sol nascente, é o mesmo donde vão surgindo palavras, pensamentos na sua maioria absolutamente distantes daquilo que se está a fazer o que é, aliás, a única forma da mão levantar vôo para além de nós. É nesse duplo estado de desconcentração e de concentração que se vai fazendo o trabalho interior. Dá-se espaço ao sonho, dá-se espaço ao pensamento. Eles, desse modo, se vão fundindo, até àquele ponto em que somos indistintos relativamente ao que fazemos ou ao que pensamos. Até a nossa presença deixar de ser necessária por terem os pensamentos e os sonhos, unidos, formado o seu próprio espaço, independentemente de nós e mesmo independente de nós.  E daí retiramos tudo. Eles, os pensamentos e os sonhos, assim unidos, transcendendo-nos, ensinam-nos. E transcendendo-nos a nós próprios, aprendemos.

quinta-feira, 14 de março de 2019

O Rei do Mundo de René Guénon



Esta imagem desta capa do livro de René Guénon que aqui aparece saiu assim por mero acidente, reparei na capa so depois de a ter publicado e, ainda bem, porque esse erro traduz muito correctamente, ailás não poderia fazê-lo melhor, o que se passa com a  leitura desta obra. A esquadria está incompleta. Isso quer dizer que é um livro aberto e não fechado. Ou seja, é um livro pequenino, que se lê rapidamente, algo que é de agrado aos apressados, no entanto, esses, irão limitar-se a fazer a velha colectânea de símbolos e, sempre que puderem (porque os apressados são muitas vezes os materialistas espiritualistas e/ou os espiritualistas materialistas) irão tomar a palavra pela "coisa em si", o que é, naturalmente, uma forma de idolatria. Assim, quem quer que se queira aventurar na interpretação desta obra, e se quiser fazê-lo de uma forma séria, terá de fazer essa interpretação à luz de TODA a restante obra do autor. Só assim, algumas luzes se acederão na interpretação de "O Rei do Mundo". Sem essa ferramenta, que é a restante obra, toda a interpretação ou está  incompleta ou está errada ou as duas coisas. É dito que "a fonte se esgotou" após a escrita deste livro. Que houve um silêncio por parte da "fonte" de René Guénon. Isso pode ser visto à luz de duas coisas: o contexto da História Mundial aquando a sua escrita e a impreparação de possíveis leitores que, não tendo lido os escritos anteriores do autor, conduziria, naturalmente, a interpretações, não só erróneas, como perigosas dentro do xadrez político da época.
Para os que não se querem, de facto, ficar pela rama, um bloco de apontamentos e um lápis serão parte do que é necessário, para o início do estudo da obra de René Guénon. A outra parte é a imparcialidade absoluta, qualidade cada vez mais rara.
Uma vez lendo a Obra Toda do autor, então sim, o Rei do Mundo torna-se  muitíssimo interessante. Até lá, é a obra mais desinteressante dele. À boa maneira de René Guénon, é preciso ter "qualificações" para a ler...

Deixo em baixo uma lista interessante:

  • Aperçus sur l'Initiation. Paris: Éditions Traditionnelles. ISBN 2-7138-0064-1.
  • Autorité spirituelle et pouvoir temporel. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie. ISBN 2-85-707-142-6.
  • Introduction générale à l'étude des doctrines hindoues. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie.
  • L'Erreur spirite. Paris: Éditions Traditionnelles, 1923. ISBN 2-7138-0059-5.
  • L'Homme et son devenir selon le Vêdânta. Paris: Éditions Traditionnelles. ISBN 2-7138-65-X.
  • La Crise du monde moderne. Paris: Gallimard. ISBN 2-07-023005-8.
  • La Grande Triade. Paris: Gallimard. ISBN 2-07-023007-4.
  • La Métaphysique orientale. Paris: Éditions Traditionnelles. Sem ISBN.
  • Le Règne de la Quantité et les Signes des Temps. Paris: Gallimard. ISBN 2-07-023003-1.
  • Le Roi du Monde. Paris: Gallimard. ISBN 2-07-023008-2.
  • Le Symbolisme de la Croix. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie. ISBN 2-85-707-146-9.
  • Le Théosophisme, histoire d'une pseudo-religion. Paris: Éditions Traditionnelles. Sem ISBN.
  • Les États multiples de l'Être. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie. ISBN 2-85-707-143-4.
  • Les Principes du Calcul infinitésimal. Paris: Gallimard. ISBN 2-07-023004-X.
  • Orient et Occident. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie. Sem ISBN.
  • Saint Bernard. Paris: Éditions Traditionnelles. Sem ISBN.

Coletâneas póstumas de artigos de René GuénonEditar

  • Aperçus sur l'ésotérisme chrétien, Éditions Traditionnelles. Sans ISBN.
  • Aperçus sur l'ésotérisme islamique et le taoïsme, Gallimard, Paris, ISBN 2-07-028547-2.
  • Comptes rendus, Éditions Traditionnelles. Sans ISBN.
  • Études sur l'Hindouisme, Éditions Traditionnelles, Paris. Sans ISBN.
  • Études sur la Franc-maçonnerie et le Compagnonnage, t. 1, Éditions Traditionnelles, Paris. ISBN 2-7138-0066-8.
  • Études sur la Franc-maçonnerie et le Compagnonnage, t. 2, Éditions Traditionnelles, Paris. ISBN 2-7138-0067-6.
  • Formes traditionnelles et cycles cosmiques, Gallimard, Paris. ISBN 2-07-027053-X.
  • Initiation et Réalisation spirituelle, Éditions Traditionnelles, Paris. Sans ISBN.
  • Mélanges, Gallimard, Paris. ISBN 2-07-072062-4.
  • Symboles de la Science sacrée, Gallimard, Paris. ISBN 2-07-029752-7.

Obra traduzida ao inglêsEditar

  • Introduction to the Study of the Hindu Doctrines (1921)
  • Theosophy: History of a Pseudo-Religion(1921)
  • The Spiritist Fallacy (1923)
  • East and West (1924)
  • Man and His Becoming according to the Vedanta (1925)
  • The Esoterism of Dante (1925)
  • The Crisis of the Modern World (1927)
  • The King of the World (1927)
  • Spiritual Authority and Temporal Power(1929)
  • The Symbolism of the Cross (1931)
  • The Multiple States of the Being (1932)
  • The Reign of Quantity and the Signs of the Times (1945)
  • Perspectives on Initiation (1946)
  • The Great Triad (1946)
  • The Methaphysical Principles of the Infinitesimal Calculus (1946)
  • Initiation and Spiritual Realization (1952)
  • Insights into Christian Esoterism (1954)
  • Symbols of Sacred Science (1962)
  • Studies in Freemansory and the Compagnonnage (1964)
  • Traditional Forms and Cosmic Cycles (1970)
  • Insights into Islamic Esoterism and Taoism(1973)
  • Reviews (1973)
  • Miscellanea (1976)