domingo, 10 de abril de 2022

Ruptura


 

É verdade que somos elementos fraccionários de uma Unidade que ninguém conhece. As várias camadas de informação conseguem percorrer vários espectros entre a verdade e a ficção, não direi todos, porque não sabemos da Unidade, mas de muitos deles. Hoje há a preocupação com as notícias falsas (para não escrever em inglês “fake news”, porque há uma palavra em português semelhante), e há todo um clima de entusiasmo perante uma ciência que, embora não se possa apelidar de “falsa”, pelo menos as suas intenções não o são (estando de boa fé), a realidade é que essa ciência espalhada aos quatro ventos em todas as áreas,  alimentação, saúde psíquica e corporal, etc. , parece ser produto de estudos fragmentados eles mesmos por várias Universidades e dentro dessas universidades por micro-departamentos que se baseiam em micro-amostras. É com esses “resultados” que somos bombardeados diariamente no google e nos telejornais. Parecem funcionar como palavras de pequenos deuses nas quais devemos acreditar absolutamente na mesma proporção em que não acreditamos absolutamente nos astrólogos que redigem as previsões diárias para todos os signos do zodíaco. Frequentemente, esses estudos anulam-se, esquecem-se com o tempo ou são substituídos por outros apresentado resultados contraditórios. E o mesmo se passa com tudo: as convenções sucedem-se a um ritmo vertiginoso ao ponto de ser a convenção, em si, aquilo que constituí a verdade dentro dos limites de microssegundos em que ela dura. O mesmo se passa com a arte, a memória, a cultura. Para quem observa, a partir de fora, este movimento circular e fluído em torno do ralo-abismo, não deixa de ser tentador nada fazer e nada dizer. Não há nada mais falso, hoje, do que exprimir uma opinião porque aquilo que é o objeto da opinião não dura mais do que um lapso único, instantâneo e extra-limitado no tempo. E a opinião ainda dura menos. O desencanto vem daí. O encantamento tem a virtude de nos retirar do espaço em volta e do tempo. O desencanto atira-nos para o canto de uma realidade material que nos submerge. E todos os cantos dessa realidade estão preenchidos com ela mesma. O desencanto dá-nos sempre a sensação de não haver saída. Ou a única que existe é o silêncio. O abençoado silêncio, tão semelhante à tela branca ou à página por escrever. Nele se forma uma pequena plataforma de liberdade. Nesse silêncio só encontro gente simples. Mesmo simples, sem complicações, nem cultura, nem metafísica de laboratório. Entre essa gente simples e o sublime, estão todos os outros, pejados de opiniões, com uma imensa cultura, na qual navegam circularmente como peixes no aquário redondo. É nesse espectro (da simplicidade ao sublime) que dou por mim a esquivar-me como se os outros fossem obstáculos confusos. E são. São um obstáculo entre mim e o meu silêncio. Vulgarmente ditadores e absolutamente democratas nas ideias ou o inverso. A bom rigor, nada disto é para ser levado a sério. Quem se aproximou do sublime sabe da ruptura. Conhece-a diariamente e lida com ela como um artesão versátil e comprometido com a única arte que lhe é permitida: a de resistir, entrando no mundo, só em caso de necessidade e sair dele o mais depressa possível.