A Suécia colocou um travão na digitalização nas escolas devido ao perigo de os alunos ficarem "analfabetos funcionais". É muito conhecida a relação dos leitores com os seus livros. São objectos pessoais, com história, com cheiro, com carícias e momentos. Os livros quase ganham o estatuto de gente. A educação em Portugal está toda mal e o facto de o Estado colocar a pata em todos os momentos escolares é o descalabro. A educação encontra-se pelas ruas da amargura porque responde numericamente a uma Europa burocrática que necessita de números para se manter à tona num mundo de grandes potências económicas. Tudo se tornou uma razão económica. Temos estatísticas que nos dizem que a população "não é renovada", por um lado e, por outro, nunca o planeta esteve tão povoado. Temos uma Europa envelhecida "encostada" ao Estado social, por um lado, por outro, temos verdadeiras potências e pró-potências com elevada taxa de juventude, de maneira que estar vivo num determinado país significa estar a lutar por um qualquer espaço que é o mesmo que dizer "recursos". O espaço é um recurso e os países só sobreviverão se o seu número populacional o justificar... a par disto temos todos os movimentos separatistas da Alemanha, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Chipre, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Itália, Macedônia do Norte, Moldávia, Países-Baixos, Portugal (Açores), Reino Unido, República Checa, Rússia, Sérvia, Suécia, Ucrânia ... é longa a lista e a questão dos recursos chama-se "sonho de autossuficiência", sonho impossível neste mundo globalizado. A Europa nasce do Aço e do Carvão e o seu baptismo foi e Economia. Desta feita, dessa fada traiçoeira que fadou o bebé, não se livra. E a educação em Portugal foi, a pouco e pouco, sendo engolida pela economia de maneira que, num mundo competitivo tecnologicamente, convinha criar seres preparados para essa tecnologia para não se ficar atrás nessa competição. Resultado: "analfabetos funcionais". Este analfabetismo funcional não se deve apenas à digitalização nas escolas, deve-se à ideia de um mundo competitivo em termos tecnológicos e competitivo relativamente aos recursos, sejam eles, água, alimentos ou energia, é esta a base de tudo, inclusivamente da desgraça em que se encontra a Educação, pois é devido a isto que são necessários os números para enviar à Comunidade Europeia, cuja única preocupação é sobreviver, no meio de todos os obstáculos: envelhecimento da população, grandes potências económicas, taxa de juventude de alguns países, luta pelos recursos no mundo, tecnologia de ponta, esta última servindo para tudo, desde a saúde às armas (que são o oposto da saúde). Ora, um português, antes de ser europeu, é português. Pela família, cultura e língua. Só depois descobre a Europa, o mundo e, se tiver oportunidade, o espaço sideral. Isto de estudar Antropologia é uma enorme desvantagem pois esta parece tender no sentido inverso do percurso do mundo. Esta disciplina ensina-nos que os jovens, na puberdade, na maior parte das culturas, eram introduzidos na sua cultura, no seu espaço, na sua História. Se pensarmos bem, vimos que não é mal pensado. A formação era, noutros tempos, humanística, e a tecnologia ficava remetida aos planos práticos. Entrar e pertencer a uma comunidade era um processo humanístico, sobretudo. Mas os iluminados modernos, inverteram o processo e o plano tecnológico, tornou-se prioritário na educação, sendo que este plano é global e não local. É o mesmo que começar a educação de uma criança explicando-lhe tudo sobre o espaço sideral, sem lhe dar a conhecer a sua própria comunidade, a história da mesma, a sua língua, etc. O analfabetismo foi quase substituído pela palavra literacia. Ler letras não é o mesmo do que compreendê-las. Mas donde vem a capacidade de compreender as letras? Da cultura humanística, a mesma que foi colocada de parte e que começa por introduzir os seres na sua própria comunidade (dando-lhes um sentimento de segurança e de pertença, já agora) para mais tarde, sabendo de onde são oriundos, poderem partir para o restante mundo e cosmos e saberem assim para onde vão. O analfabetismo é mau, mas o analfabetismo cultural é muito pior. Agora, com a inteligência artificial, a grande tentação irá ser a de delegar a memória e a cultura em máquinas e, os seres humanos, correm o risco de ficar reduzidos às tarefas básicas de "carregar ou não no botão", isto se não lhes for implantado um chip à nascença, algo que já se passa quase de certeza. Na Suécia, deram-se conta de que as crianças carregavam bem nos botões, mas que não sabiam nada. Eram funcionais a não saber nada. Lembro-me de já ter alertado para os riscos deste tipo de educação cegamente obediente aos números. Há "exames nacionais" com perguntas iguais para todos e com respostas previamente estipuladas. Só assim, dizem, há democracia porque todos têm de responder da mesma forma e às mesmas perguntas. Só um ceguinho é que não vê que isto é uma autêntica ditadura cultural dentro de um país. Uma criança de uma aldeia transmontana vive numa realidade diferente do que uma criança na capital do país, não tem, nem deve responder da mesma forma, nem tem ou deve saber as mesmíssimas coisas. A cultura, só se torna geral, mais tarde, quando já nem nos damos conta de que é cultura. Os professores tornaram-se apenas numa ponte obediente a um Ministério que obedece a uma Europa que obedece às exigências competitivas do mundo e isto não é ambiente para que quem quer que seja possa aprender. É a base que está errada. Profundamente errada. O ensino está assente numa ideia de competitividade, mesmo que não esteja visível e quando aprender começa assim, com a palavra competitividade, os resultados são escabrosos, como aliás se nota. Uma das piores palavras do mundo que enchem a boca de todos os políticos, e que a dizem com um sorriso, como se fosse a melhor coisa do mundo, é a palavra competitividade: ela está ligada ao jogo e está ligada à guerra. Pelo jogo, temos o entendimento imediato de que a vida é um jogo, coisa que não é, e pela guerra, temos o entendimento de que a vida pode ser aniquilada em nome dos recursos. A nossa civilização desceu até à animalidade mais primária: os cãezinhos brincam (têm sentido lúdico) em idades juvenis, e até mais tarde, e quando crescem, lutam pelos recursos. É este o plano em que nos encontramos e o plano que faz mover o mundo, por muito que ouçamos Mozart, Haydn ou Beethoven. De maneira que, o que está por detrás do recuo, por parte da Suécia, na digitalização das escolas, é apenas e tão só, um problema antropológico. O mesmo problema que sempre tivemos: o de sermos bestas, humanos, deuses ou anjos...