Estas fotos provindas da intimidade da matéria e publicadas em livros sobre a teoria do caos revelam a capacidade de variação dos temas como se estes fossem música. Entendemos que a música varie, que o artista varie, que o escritor varie, que o ator varie. Se a pessoa varia e não for só de penteado, já não entendemos nada. Isto porque não nos vemos como fazedores da obra de arte que somos. Falo por mim que não capto as almas como se fossem possíveis de fotografar. Se alguém varia muito fico estupefacta. Essa variação deve de ser demonstrada como as imagens da intimidade da matéria, passo a passo e com a maior racionalidade possível. Já quando as pessoas são atravessadas por espíritos e dizem coisas, então, a minha benevolência provinda do eterno presente, permite uma maior compreensão da variação. Tenho assistido, por vezes, ao atravessamento das pessoas e nunca sei se sou eu que as estou a atravessar ou se é outra entidade qualquer. Já me aconteceu uma coisa estranha que não é uma coisa nem outra. Entrei num café e a senhora que estava do outro lado do balcão olhou para mim branca e disse-me que se tinha visto a ela própria a entrar no café. Tinha tido a visão dela própria em mim. Disse-lhe que não éramos parecidas fisicamente e ri-me (ela era mais alta, mais anafada e tinha cabelos louros, coisa que não tenho) e ela continuava, branca, a olhar para mim e a dizer que se tinha visto em mim. Teve de ser outra senhora que estava atrás do balcão a acalma-la, dizendo-lhe que não estava boa da cabeça. Invisível, já me tinha sentido muitas vezes, mas um espelho, foi a primeira vez. Isto para dizer que até a questão da identidade pode ser um pouco difusa e confusa, Mas há-de haver algo em nós que pertence ao eterno presente e algo em nós que entre no reino do reconhecimento para lá da matéria que nos cerca. Até para lá da intimidade da matéria que nos cerca. E, de facto há. Por foi por isso que já encontrei quem pertencesse ao reino da liberdade. Do conhecimento e da liberdade. Das duas coisas. A ideia que me dá é que viemos doutro sítio. No meu caso, desse reino. E que é eterno e se mantém independentemente das variações, permitindo, no entanto as variações, mas estando acima delas. Tenho saudades desse reino mesmo sabendo que ele está em mim. E que bom que seria fazer descê-lo à terra, penso, por vezes. No entanto também intuo que há outros reinos, diferentes. Provavelmente, há pessoas que vieram deles, sem saber que deles vieram. Gosto do meu. É todo respirável, mas só conhecido por gente como nós.