sábado, 10 de maio de 2025

O voto em branco


 Descobri que o voto em branco é o mais puro. E que as pessoas que lêem este blogue são estranhas porque o lêem de repente. Quando era pequena escrevia "derepente", assim tudo junto porque era de repente e não havia tempo para pausas. Mas dizia que as pessoas que aqui param são estranhas. É natural pois não as conheço. É muito raro dizer a alguém que tenho um blogue porque sei que bem lá no fundo não suportariam a liberdade do outro. Tinham logo que dizer "concordo", "não concordo", é bonito", "está mal escrito", "não percebi". Não digo nada para não ter de as ouvir depois. Prefiro o anonimato na leitura das palavras. As pessoas tornam-se anónimas das minhas palavras porque não as conhecem e as relações podem fluir naturalmente como se não tivesse escrito nada. Às vezes falam sobre um tema qualquer e quase que caio na armadilha quando dentro de mim digo "que engraçado, já escrevi sobre isto", mas a prudência da pomba, faz-me não dizer nada em voz alta, remeto-me para a expressão interessada de quem ouve e nada sabe dizer sobre o tema. Ultimamente tenho  adoptado personalidade mais estúpida que alguma vez tive: não falo de nada interessante, nem profundo. Já sei que isto vai desembocar numa crise qualquer e que acabo por evocar um dos lemas do Carvalho Monteiro, onde, na parte de trás da medalha estava escrito: "sem ti, morro" e na parte da frente uma flor num vaso era iluminada por um sol. Espero não chorar, nesse dia. Mas penso que não. A maior virtude, penso que seja passar pelo espírito e regressar à terra. É a maior virtude porque para isso é necessária uma paciência de Jó. Este ano só tenho feito coisas que ofendem a minha essência e, como não a quero ver ofendida, crio personagens que fazem da vida uma coisa profundamente estúpida. Envolvo-me em atividades que não lembram ao diabo e são todas expectáveis e aceites socialmente. Mas a minha alma não está lá. Neste momento está escondida algures, a fazer meia, provavelmente. À minha espera, qual Penélope. Mas mantenho o sorriso e a compostura. Mas só me apetece desancar pessoas. Bater, mesmo. Mas como há um lado que ri, a alma fica quieta. Não vale a pena sermos profundos com ananases. Fica a beleza de reserva. "Que pintura linda!", dizem, sobretudo o povo. E ficam com a beleza que lhes foi reservada, o resto, fica com a alma calada, envolvida em mantos, quase como se estivesse morta. Um dia disseram-me: "Ela agora está sossegadinha, mas não se sabe quando volta ao mesmo". Claro, que não era um elogio. Era como se não me suportassem, nem morta. E é verdade, apetece-me desancar alguém. Talvez o país todo, talvez o mundo inteiro. Mas dá muito trabalho. É mais fácil criar personagens-moscas-mortas. É mais louvável, aplaudível, etc. Como a comida sem sal da cantina. Claro que já enjoei a comida saudável da cantina e dei por mim no restaurante a comer nacos de carne suculentos e a elogiar a cozinheira. Ninguém aguenta, nem merece. De maneira que quem lê este blogue tem de levar comigo, mas não conviver comigo pois se tal acontecer assiste ao paradoxo da mosca morta que é uma Fênix colorida quando lhe apetece. E ninguém aguenta, nem merece. A insatisfação está cá, trepa por mim acima e sinto os seus dedos a tocar no corpo todo. Coisa viva que é!