segunda-feira, 27 de julho de 2015

Promontório de Sesimbra




Não parei nessas flores deleitosas do momento,
nem nas redes de pesca das ilusões,
nem na firme lágrima que deitavas,
nem na dúvida que não alcançavas.
 
Não parei nesse barco onde não me viste,
nem na paisagem solta de Verão,
nem nas escadas após os sótãos,
nem nas brumas do meu país...
 
Tudo foi para que visse,
esse corte abismal
da rocha mãe e sim fatal,
mais do que poema, realidade, afinal.
 
Erguia-se tal como por dentro a vira,
alta consoante do nosso tamanho real,
era só memória viva quando ainda
em pessoa, fado ou sina,
não havíamos dado sinal.
 
Fui beber à fonte viva,
que de água não era feita,
rocha plena e submetida,
ao tempo em torno dela, perfeita...
 
Aves sabias rodopiavam,
em gritos e amor por ela tido.
Promontório és o infinito,
do tempo ausente e com outro fito.
 
Guardei o segredo sem importância,
e levei a rocha da firme esperança,
mais do que na memória de uma só vida,
mas por todas elas bem definida.
 
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

domingo, 12 de julho de 2015

A propósito



A propósito do teu choro envio-te uma estrela com um fio na ponta e no fio, na sua ponta, um papel e no papel, no seu branco papel, uma mensagem que te fará fazer subir a lágrima de novo ao olho.
A propósito dos teus gestos, desses que danças obscuramente, não tenho gira-discos, mas envio-te Júpiter a esvoaçar e toda a melodia grave de que é capaz.
A propósito do teu sorriso, e da tua vontade, que é única, eu sei, e capaz, até, de nada fazer de propósito para que tudo aconteça de propósito, envio-te os meus passos, acompanhando-te, paralelos aos teus num passeio submerso em imensidade, em totalidade.
A propósito de ti, criei um universo, todo ele é todo o teu corpo e esse coração que sustém o meu, por um fio...
A propósito de aconteceres nessa esfera que é o mundo, trouxe-te aquilo que só tu sabes dar... em segredo autêntico.
A propósito de tu hoje teres descoberto a interna verdade e de a seres, e de eu a sentir tão próxima de mim e dessa pequena mutação que ninguém viu, nem ouviu, nem leu, nem soube, nem disse, nem dançou, nem fingiu... dei-te o que sentes agora, no mais íntimo de ti, essa mudança feita de um desejo único e o único capaz de mudar o mundo porque todo ele verdade, do princípio ao fim, a tua verdadeira razão de vires ao mundo, propósito do mundo, em dádiva encontrado, encontrado para dar.
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Em estrela




Às vezes tenho pena do universo por ele ser submisso aos meus pensamentos, outras vezes tenho pena dele pelo pouco que sabe deles. Finjo-me numa amostra humana e, todas as outras formas humanas resultam de uma visão que tive. Mas vi um filme que me disse qualquer coisa assim: “Se as almas comunicassem, comunicassem verdadeiramente, a arte não seria necessária”. E vi nessa frase todo o futuro prometido, num relance.  Para que serve ela, afinal, a arte, senão para activar os infernos da consciência da distância? Toda a arte é uma saudade e, se a incorporamos em nós, tornamo-nos, sem querer, dragões lançando chamas. Se há paz na arte, ela é breve, se não a há, ela é desejada... e tudo é distancia no acto criativo. Deus só pode criar o mundo quando se esqueceu dele próprio, e se perdeu na distancia que vai de si a si. Foi nesse intervalo que a criação surgiu, porque não há espaços vazios. Não por muito tempo. Quando o há, somos outro. Até nos pode acontecer ser Deus, de vez em quando, num momento da imensa humanidade que transportamos na memória, nos genes, nas recordações de outra vida. Nessas alturas a tradução “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança” fica enfim bem feita: “O homem foi criado em co-relação com Deus”. Cai a imagem e fica Deus.  O sabor do universo pode ser saboroso quando já não há uma sua submissão ao pensamento e quando dele o pensamento sabe. Nessa alturas todo o tempo é profético. O que é necessário é voltar a aprender a aprender. Os reis magos voltaram “por um outro caminho” depois de terem ido por esse caminho que é o do re-conhecimento e o da dádiva, dupla espiral seguindo a estrela que é  síntese inominável porque vivente no silêncio. E é no silêncio que se passa tudo. Devem ter voltado pela manhã. Pelo caminho da manhã. Em manhã. Em estrela.


(Cynthia Guimarães Taveira)

domingo, 5 de julho de 2015

Crítica Literária Simples


Gosto da poesia com sentido e com perfume a eternidade e, se o culto dos santos é permitido enquanto o dos poetas é esquecido, o que os distingue?
Uns fizeram o milagre no tempo de Kairos os outros o vão fazendo em tempo de Cronos... toda a poesia que assim não seja é como a água evaporada da roupa estendida,  justificação da nossa própria adolescência, evaporando-se e, paralela a essa vida quotidiana, ficam os heróis-poetas como estacas, suportes do mundo em santidade adiada.

(Cynthia Gumarães Taveira)