Às vezes tenho pena do universo
por ele ser submisso aos meus pensamentos, outras vezes tenho pena dele pelo
pouco que sabe deles. Finjo-me numa amostra humana e, todas as outras formas
humanas resultam de uma visão que tive. Mas vi um filme que me disse qualquer
coisa assim: “Se as almas comunicassem, comunicassem verdadeiramente, a arte
não seria necessária”. E vi nessa frase todo o futuro prometido, num
relance. Para que serve ela, afinal,
a arte, senão para activar os infernos da consciência da distância? Toda a arte é uma
saudade e, se a incorporamos em nós, tornamo-nos, sem querer, dragões lançando
chamas. Se há paz na arte, ela é breve, se não a há, ela é desejada... e tudo é
distancia no acto criativo. Deus só pode criar o mundo quando se esqueceu dele
próprio, e se perdeu na distancia que vai de si a si. Foi nesse intervalo que a
criação surgiu, porque não há espaços vazios. Não por muito tempo. Quando o há,
somos outro. Até nos pode acontecer ser Deus, de vez em quando, num momento da
imensa humanidade que transportamos na memória, nos genes, nas recordações de
outra vida. Nessas alturas a tradução “Deus criou o homem à sua imagem e
semelhança” fica enfim bem feita: “O homem foi criado em co-relação com Deus”.
Cai a imagem e fica Deus. O sabor do
universo pode ser saboroso quando já não há uma sua submissão ao pensamento e
quando dele o pensamento sabe. Nessa alturas todo o tempo é profético. O que é
necessário é voltar a aprender a aprender. Os reis magos voltaram “por um outro
caminho” depois de terem ido por esse caminho que é o do re-conhecimento e o da
dádiva, dupla espiral seguindo a estrela que é síntese inominável porque vivente no
silêncio. E é no silêncio que se passa tudo. Devem ter voltado pela manhã. Pelo
caminho da manhã. Em manhã. Em estrela.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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