sábado, 29 de outubro de 2016
Sobre a leitura de António Telmo
António Telmo, um místico intuitivo e dedutivo pode se facilmente incompreendido e dificilmente compreendido. Isso advém do Espírito de quem o lê. Se há como que um Espírito Científico a presidir à sua leitura e maturação ele será facilmente incompreendido. Se há um Espírito mais Místico e Intuitivo a presidir à sua leitura e maturação acompanhada de entrega, então, será dificilmente compreendido. Em todos os casos não é um filósofo fácil porque obriga a um constante salto entre o raciocínio e a intuição. Ora sendo a intuição algo de pessoal, é necessário que duas almas se encontrem nessa intuição única. É daí que vem a dificuldade pois a sintonia entre o autor e o leitor exige, de algum modo, uma iniciação (que é tanto pessoal como universal). Para um Espírito Científico é relativamente fácil fantasiar, pois ao não ser admitida a imaginação como algo que se passa num mundo imaginal (tal como lhe chamou Corbin) e que esse mundo é todo ele floresta a atravessar como forma de conhecimento da "composição da alma", ao não ser admitida a imaginação, dizia, como coisa real, toda e qualquer tentativa de imitação da imaginação cai vertiginosamente (sem nunca ter ascendido, note-se), no reino da fantasia (parte animalesca da imaginação) e isto porque, no seu âmago, tal Espírito Científico, visa a anulação de toda e qualquer forma de ilusão, como mal, como acidente, como queda. Nesse tipo de Espírito há como que uma necessidade de uma luz transcendente sem que, no fundo, se acredite nela pois até ela vive no reino da ilusão. Estes Espíritos Científicos, são, normalmente dotados de "higiene mental" e, quando são Pessoanos (se é que há Pessoanos...), fixam-se na determinação com a qual o poeta fez a divisão entre "um Espírito ou temperamento Racional e um Espírito ou temperamento Místico", dizendo o poeta optar pelo primeiro. Não deixa de ser evidente, porém, que ainda esteja por explicar racionalmente como é que o próprio poeta parece ter caído, logo à nascença, dentro do caldeirão da imaginação, tornando-se um Obélix grandioso na criatividade e no pensamento, ao ponto de, no mundo, não existir pessoa que se equipara a Pessoa. Creio que para que tal explicação seja possível seja necessário primeiro acreditar em caldeirões, o que já de si denota um Espírito Místico pois as fórmulas de Merlin têm segredos e dão poderes sobrenaturais o que, à partida, é negado pelo Espírito Científico. O privilégio dado à higiene, e citando de cor uma autor que desconheço, é dado por aquele que a prefere à bondade... Um Espírito Científico não joga aos dados como Pessoa jogou quando jogou a obra toda num baú e a lançou nas correntes do destino. Isso denota uma crença absoluta na sorte, ou seja, no transcendente. E é graças a essa crença de Pessoa que ele é hoje lido por Espíritos diversos. Creio, por isso, que a obra de António Telmo é de extrema importância para quem se interessa pela alma portuguesa, porque até Cristo, andou 30 anos a aprender, e é a alma que aprende... O Espírito Português é a recompensa do trabalho penoso da alma. Inverter o processo é cair na mais básica ditadura e na mais básica urdidura do destino (que nunca é fácil, sorridente e saltitante) que é da de crermos que não há trabalho nenhum pela frente a não ser o ritual. Quando assim é, entra-se na mais frustrante das viagens que é aquela em que até a "saída" ou "escape" do ritual é um ritual ele mesmo, ou seja, a negação da criatividade. A negação do Jardim e nele, toda a ciência não é um fim em si mesma, mas sim, um pretexto para criar. Quando é um fim em si mesma ainda o jardim não existe, é mero esquema no papel.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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