Há coisas que nada têm a ver com a magia. São simplesmente indicadores de que existe algo que nos transcende e, como são indicadores que indicam, possuem as propriedades daquilo que é susceptível de uma comunicação e se comunicam, essas coisas, então só podem comunicar com algo em nós que, de alguma forma, é capaz de entender essa linguagem. Podemos gritar com um surdo, mas ele não ouve porque não tem ativo o canal que lhe permite ouvir. Assim, quando aquilo que nos transcende comunica, isso quer dizer que nós temos um canal capaz de receber essa mensagem transcendente e, mais do que isso, esse canal tem de ter adaptações susceptíveis de acomodar a mensagem, ou seja, essa canal tem qualquer coisa de transcendente, ele próprio. Desta forma simples se vê que o transcendente de alguma forma nos habita. Quando, por via desse canal me chega a mensagem "tu conheces este ser desde sempre porque ambos, tu e ele, estão para além do tempo e esse, além-tempo é composto de liberdade e composto pela liberdade, como um bosque onde verdadeiramente se respira (como se respirássemos pela primeira vez)", então isso quer dizer que parte de nós vive e respira nesse não-tempo. É por causa desta simplicidade, tão óbvia que me cansei de cientistas e os penso limitados. Nada desta simplicidade é aprendida nos livros (tão somente neles é, muito de vez em quando, reconhecida neles), ela é aprendida na vida e muito longe de qualquer experiência laboratorial ou psicadélica com fios pendurados na cabeça. Saber isto dá-nos alguma tranquilidade e um olhar paternalista sobre os cientistas, esses adolescentes que experimentam todas as drogas para ver se comprovam as suas teorias materialistas ou desmaterialistas (que são apenas materialismo ao contrário). Também de nada nos serve passar a vida a falar sobre "fenómenos". Mais tarde ou mais cedo, quase todos os indivíduos se deparam, nem que seja com um, é normal e é vulgar. Falar obsessivamente nisso é sintoma desconforto para com o sobrenatural. São mentes que bem lá no fundo "nem querem acreditar" no seu próprio relato. O corte ontológico, verdadeiro e profundo, é sempre traduzido no silêncio, também ele verdadeiro e profundo. E há, de facto, um corte ontológico. Também se tende a falar dos cortes ontológicos como se fosse a coisa mais natural do mundo e não é, quanto muito é sobrenatural e por isso não é natural no mundo. É uma espécie de vazio que há entre o possuidor e agente desse corte e o mundo. Uma fronteira que nem chega a ser fronteira porque é um vácuo, um deserto de silêncio e paz onde não se passa literalmente nada. É o fosso que separa o castelo da paisagem. Podemos ficar no fosso, a nadar com os crocodilos por muitos anos até porque os crocodilos, com as suas lágrimas, são incapazes de nos ver. A propriedade das lágrimas falsas é conduzir à cegueira, uma condução inevitável e benigna para quem se situa nas suas águas. A qualquer momento, tal qual os crocodilos (por pura osmose consciente e comportamental) saímos da água e podemos ir tanto para o castelo como para a paisagem, mas ao contrário dos crocodilos, que vivem em águas pestilentas e paradas, o nosso apetite é nulo. O dever nunca é um apetite. Enquanto os crocodilos saltam das águas para atacar, estes seres, que misticamente tratamos por "nós" e que eles não veem, saltam para dançar. Verificamos que é assim constantemente. Os cientistas estão a léguas-luz destes acontecimentos porque permanecem na paisagem, como pedras imóveis e optusas. Nós, ora nadamos, ora dançamos. E mais não fazemos até porque não é caso disso. O nosso único dever, é de facto, dançar.
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