domingo, 29 de dezembro de 2024

Bom Ano, meus amigos


 

Meus amigos:

 

Dizem os astrólogos que o próximo ano, em termos mundiais, não vai ser bom. Também o Guru indiano, Sadhguru informa que nos próximos seis anos, a actividade solar (cujos ciclos são de aproximadamente 11 anos) com os seus ventos, tempestades e erupções vai estar em alta e, atendendo ao facto dessa atividade ter efeitos em tudo o que não se vê como, por exemplo, o campo magnético da terra, a radiação ultra-violeta ou a emissão de raios-X e podendo danificar redes de energia e satélites, é natural que afecte igualmente toda aquela parte subtil do ser humano que embora não seja vista, existe e pode ter repercussões na saúde física e mental das pessoas. Bem vistas as coisas, nem é necessário que hajam avisos de astrólogos ou de gurus indianos, está à vista desarmada, o rumo que o planeta se propôs tomar e, desta forma, o nosso desejo para vós, meus amigos, é que protejam aquilo que ainda é humano. Como o bicho da seda, façam um casulo e enfiem-se lá dentro pois outra forma não há de sobreviver às tempestades solares e humanas. Lembro-me de me terem contado que, por altura do 25 de Abril, houve neste país uma grande confusão com ataques terroristas e tudo e que ao ver aquilo que se passava, Agostinho da Silva telefonou a Dalila Pereira da Costa e disse-lhe para não sair de casa enquanto a confusão não passasse. Pois agora passa-se o mesmo, só que é uma confusão que já começou há alguns anos com lideres mundiais tresloucados, magnatas e oligarcas, não menos tresloucados a comadarem o destino de mundo. Ora estando a nossa parte subtil exposta às tempestades solares e a nossa parte menos subtil exposta a essa gente, torna-se urgente a formação de uma crosta que nos proteja de todos os ataques. Imaginemo-nos como um bunker em andamento, respeitando as regras mínimas sociais, trabalhando nos trabalhos idiotas que nos dão, mas que, ao jeito do filme “Farnrenheit 451” ou do livro de Orwell “1984”, possamos formar, individualmente, uma resistência digna de ser contada mais tarde. De vez em quando há sinais de alguma resistência como aquela entrevista que li no outro dia feita ao realizador Denis Villeneuve (sim, o do filme “Dune”) onde explica ao jornalista por “a” mais ”b” o porquê de ter proibido os telemóveis e  de obrigar toda a equipa a ficar de pé no set de filmagens, afirmando que a “presença” humana é fundamental, quer psíquica, quer corporal, para o desenrolar da arte, neste caso a arte cinematográfica. Não sabemos onde é que ele aprendeu isto, mas está cheio de razão.  Podem vir a ocorrer pequenos sinais de pessoas que estão a contrariar a tendência crescente para a estupidificação e falta de criatividade propostas pela empresas de tecnologia. Tal como o aprendiz de feiticeiro, quando, mais tarde, estivermos reféns de algo que já não controlamos, haverá grupos e indivíduos não associados a qualquer grupo, que serão os resistentes e que guardarão a réstia do que é ser-se humano, impedindo o suicídio absoluto e colectivo a que assistimos. Assim, meus amigos, se quiserem fazer parte desses que vão guardar alguma forma de humanidade,  estão convidados a treinar dentro do vosso casulo, a vossa própria liberdade porque é dentro de vós, e não fora de vós (cada vez mais) que ela se encontra. Para isso, escolham livros e prefiram-nos às redes sociais ou às informações algoritomizadas e militarizadas, desenvolvam trabalhos manuais, fujam, sempre que possível, para a Natureza que resta, impermeabilizem-se para que a chuva fertilizante do “Reino da Estupidez” (lembrando o admirável título de uma obra satírica de Jorge de Sena) não vos atinja e pensem pelas vossas próprias cabeças, unindo, se possível, a razão e o coração, a par com a criatividade pura, a mesma que tínhamos em criança. São esses os grãos de mostarda, o berço de palha de Moisés, ou a arca de Fernando Pessoa, todos residentes na mão da Santa Providência, a maior e mais virtuosa presença de Deus. Só desta forma vos podemos desejar um bom Ano Novo, pois só dessa forma ficamos bem com a nossa consciência sem embarcar em fantasias histriónicas e fogos tão artificiais como a inteligência moderna. Desejar um Bom Ano, não é uma fezada, nem um desejo tolo de adolescente de que a sua equipa ganhe o campeonato, é antes uma refeição completa, como um bacalhau com todos: inclui o propósito do que andamos cá a fazer, a noção do que é o ser humano, a consciência do desenvolvimento das suas capacidades (e não das máquinas) e o respeito pela Natureza. Sem isto, o Bom Ano são palavras atiradas para o ar. A única forma de o desejar é acrescentar a palavra resistência e o que esta implica. Sem resistência nunca haverá nem descendência dessa resistência nem ascensão. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Hoje

 


"Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. [...] /

E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente."

«Passagem das Horas». Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 26b.

E assim acontecendo, em fragmentos somos compreendidos pelos fragmentos que outros são. Se deixas acontecer a voz da verdade,  a falsa aparência trémula, luz de vela ténue e insegura, ilumina, indiferente toda a sorte da unidade que és, como um comboio lento atravessando a paisagem, fotografias sucedendo-se, diálogos suspensos a meio. "Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis" é o momento que não ousam nem ver, quanto mais acontecer! Se existisses hoje, neste lugar, Fernando, serias crucificado de todas as maneiras: ladrão e filho directo de Deus, ao alto e na diagonal e não haveria religião que te sustentasse! Eis o caminho!

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Tocha

 




Isto de andar com uma tocha antiga na mão para iluminar o caminho, por vezes, torna-se desconfortável pois sem querer acabamos por incendiar os corações e as consciências das pessoas à nossa volta. Somos uma espécie de espalha brasas que tentando a todo o custo não dar muito nas vistas, logo sai tudo ao contrário porque ao caminhar nas trevas com uma tocha na mão, nada mais dá nas vistas. E perguntamos que outra forma há senão a de iluminar o caminho com a nossa luz. É que não há mais nenhuma. E isso irrita as pessoas ao nosso redor. As inseguranças, as invejas e os medos profundos emergem imediatamente do caos absoluto em que se encontram. O nosso silêncio tumular é uma impressão digital que deixamos na história sobre nós que não sabem contar e como que pressentindo essa ignorância logo se apressam a contar histórias, todas elas fantasistas, numa espécie de superstição improvisada, mas suficientemente anafada para lhes preencher o ego que assim se acha sábio. Por vezes tenho que lidar com pessoas assim, mais mulheres do que homens, porque nada incomoda mais uma mulher do que uma mulher calada. Alguns homens também caem na superstição imediata, mas são mais raros. E, essas mulheres, que outra coisa não são senão mulherzinhas, são tagarelas, opinativas, chatas como tudo e simplesmente ignorantes. O caos rodeando estes seres é total, pois embrenhadas que estão nas coisas práticas da vida, a dimensão do sonho, da poesia e até, em último grau do Amor, escapa-lhes. São verdadeiros soldados romanos, adensando um exército sem fim e tendo nós um nome grego, dificilmente achamos graça a tanto belicismo, vivendo mais no mundo das ideias e dando-lhes o devido valor. Sempre que somos lancetados por lanças atiradas em forma de histeria disfarçada de disciplina, estas não chegam a doer, mas causam incómodo como moscas rodeando a cabeça, daquelas de Outono que parecem loucas por se reproduzirem.  Adensa-se ainda mais o silêncio como forma de recuperação do incómodo e, por isso, a irritação externa aumenta ainda mais, tomando a dimensão de um monstro gigantesco com várias cabeças. Às tantas torna-se desproporcional a medida de ambas as partes. A irritação é em demasia e o silêncio também. É nessas alturas que aterramos e iniciamos as palestras sobre as coisas práticas da vida com uma ironia fina interior e imperceptível pelos semelhantes. Normalmente resolve-se assim. Acalmam-se os bichos, a vida sem Mistério é muito mais confortável para eles e a sua condição de inaptidão para a demanda é reinstalada e legitimada por conversas triviais e repetitivas. Parece a tortura da gota de água do chinês. Peço imensa desculpa, mas demandar é uma forma de criar. Quando não estamos a fazê-lo, estamos a tapar buracos e a deitar água sobre a tocha que nos ilumina o caminho. Não há nada mais anti-higienico do que falar sistematicamente da higiene da casa. Não há nada mais anti-higienico do que não  criar. Fica tudo um caos, uma porcaria.