sábado, 19 de abril de 2025

A luz


 Diz a História da China que quando o ambiente na cidade ficava caótico, os sábios subiam a montanha e lá no cimo se refugiavam. Nem é necessário ser sábio para ter a mesma reação nestes dias correntes, pois o "mundano" está tão confuso e impossível de se aguentar que basta ter uma inteligência razoável para o fazer. Discorrer sobre o estado do mundo ou escrever poesia é a mesmíssima coisa em termos de efeitos. Nunca pensei que iria viver num mundo distópico onde tudo espelha tudo. Isto parece uma espécie de prisão onde só o silêncio cortante guarda o oxigénio necessário para se viver. Nem sei o que dirão os historiadores do futuro, isto é, se existirem historiadores no futuro pois em breve será muito natural dar a História como extinta, como se esta fosse um animal que não se adaptou.  Qualquer dia sai um decreto-lei a extingui-la por não servir para nada, nem dar lucro. Muito não se falará no futuro deste presente, até porque não há nada para dizer. O presente é uma espécie de droga psicadélica. Eu não preciso dessa droga. Agora a nova modalidade é estar com os olhos bem abertos na escuridão e ver as imagens psicadélicas a passar com as suas cores fosforescentes. Elas passam, e fico a vê-las como espectadora passiva. Não me assustam nem me distraiem, ficam para ali a passar e depois desaparecem. Igualzinho a este mundo. Mais berrante, mas igualmente alucinante . No futuro já sei que vou esquecer estes episódios psicadélicos que não faço ideia porque é que me acontecem. Chego a suspeitar que é apenas uma forma de sintonia com a contemporaneidade e nada mais. É que nem lições advêm dessas imagens, tal e qual o que se passa com o mundo. 

Estou a escrever só porque tenho insónias. São duas e vinte e cinco da manhã e o vento resolveu levantar-se em rajadas. Elas levam-me a virar a cabeça para a janela e dou por mim a falar com o vento como se fosse uma pessoa: "O que é que queres?" E o vento responde: "Nada". Pois é natural, é só vento. Também o vento me diz que é apenas o espelho de um outro vento, que por sua vez espelha outro. O mais parecido com a época actual é um redemoinho. Não há lógica num redemoinho, nem tempo para o medir e torná-lo aceitável mentalmente. É um pedacinho de ar que se levanta e nos leva a dar voltas muito rápidas. É como ser enrolado por uma onda. Já fui enrolada por várias ondas e lembro-me da sensação estranha de não perceber onde era o alto e o baixo. A desorientação era total. Igualzinho aos tempos de hoje.  Por isso, não me perguntem nada neste momento, estou em pleno redemoinho, enrolada numa onda. Não há nada para dizer, nem opinar, nem esperar sequer. Tornou-se tudo de plástico. De plástico plastificado, ou não fosse um espelho. As imagens psicadélicas são espelhos e nada mais. Vou aterrar no cimo da montanha e guardar o segredo da História. A História não serve para nada, nem dá lucro, mas é um segredo. Agora, mal escrevi a palavra História, começou a chover. Como dizia Pessoa, chove lá fora, mas cá dentro acendeu-se uma luz. Quem só vê o profano, não vê o sagrado. Esquece-se da luz. 

 

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